Uma mensagem do passado (reflexões sobre a nostalgia)
Originalmente publicado no blog Collaborative Fund em 14 de outubro de 2024
Quando acabámos a universidade, eu e a minha mulher (na altura, minha namorada) compramos um apartamento nos subúrbios de Seattle. Era fantástico – uma localização perfeita, um apartamento belíssimo, até tinha vista sobre o lago. A economia estava tão má que não pagamos quase nada pelo apartamento.
Há alguns meses, recordava com a minha mulher que aqueles tempos foram fantásticos. Tínhamos 23 anos, tínhamos bons empregos e vivíamos a nossa versão do Taj Mahal. Isto foi antes de termos filhos, por isso dormíamos até às 10 horas ao fim de semana, dávamos caminhadas, almoçávamos, dormíamos uma sesta e saíamos para jantar. Era assim a nossa vida. Durante anos.
“Aquilo é que era vida! Melhor era impossível”, dizia eu à minha mulher.
“De que é que estás a falar?”, perguntou ela, “Estavas sempre mais ansioso, e provavelmente mais deprimido do que alguma vez estiveste.”
Obviamente, ela tinha razão.
Se eu recordar um pouco mais profundamente, eu era mesmo infeliz. Estava assoberbado com as ansiedades do início de carreira, aterrorizado com a possibilidade de falhar e preocupado com a iminência de ser despedido. E com boas razões: Eu era mau no meu emprego. Era inseguro. E receoso acerca da fragilidades das minhas relações.
Na minha cabeça, hoje, olho para trás e penso, “Eu era muito feliz naquela altura. Aqueles foram os meus melhores anos.” Mas na realidade, na altura, eu pensava, “Mal posso esperar que estes anos acabem.”
Há um ditado russo sobre a nostalgia: “O passado é mais imprevisível do que o futuro”. É muito comum que as memórias das pessoas acerca do passado se “desliguem” daquilo que as pessoas realmente estavam a sentir na altura.
Tenho uma teoria sobre o motivo pelo qual isto acontece: quando estudamos História, sabemos como a história acaba, o que torna impossível imaginarmos aquilo que as pessoas estavam a pensar e a sentir no passado.
Quando pensamos nas nossas próprias vidas, não nos recordamos como nos sentíamos no passado; lembramo-nos de como deveríamos ter pensado – com o que sabemos agora.
Recordo-me de me ter sentido muito mais feliz do que agora porque, ao recordar-me desses tempos, agora sei que a maior parte das coisas que eu receava nunca aconteceram. Não fui despedido, a minha carreira está ótima, as relações continuam fortes. Mesmo as coisas que eram duras e tiveram desfechos menos agradáveis, eu consegui superá-las.
Eu sei isso, agora.
Mas, na altura, não o sabia.
Por isso, quando olho para trás, vejo um miúdo que não tinha preocupações. Ainda que, nessa altura, não fizesse outra coisa que não preocupar-me.
É difícil recordar como nos sentíamos quando não sabemos como a história acaba.
Há um ditado russo sobre a nostalgia: “O passado é mais imprevisível do que o futuro”.
Perguntaram-me recentemente numa conferência como deviam os investidores sentir-se relativamente ao mercado acionista dado que basicamente ele subiu sempre nos últimos 15 anos.
O minha primeira reação foi: tem razão. Se tivesse começado a investir há 15 anos e consultasse a sua conta pela primeira vez, ficaria surpreendido. Ganhou uma fortuna.
Depois, pensei, espera um minuto. Subiu sempre nos últimos 15 anos? Parafraseando a minha mulher: De que é que estás a falar?
Vamos fazer de conta que o crash de 22% no verão de 2011 nunca aconteceu?
É suposto esquecermo-nos que as ações caíram mais de 20% em 2016 e novamente em 2018?
Vamos – bom dia? – fingir que a pior calamidade económica desde a Grande Depressão não aconteceu em 2020?
Que o sistema bancário europeu quase colapsou?
Que os salários estavam estagnados
Que a dívida americana sofreu um downgrade?
Estamos agora a esquecer-nos que praticamente em todos os momentos dos últimos 15 anos, pessoas inteligentes defendiam que o mercado estava sobrevalorizado, uma recessão estava perto, a hiperinflação estava ao virar da esquina, o país estava falido, os números eram manipulados, o dólar valia zero e por aí adiante?
Eu acho que esquecemos estas coisas porque agora sabemos como a história acaba: o mercado acionista subiu muito. Se mantivemos a nossa carteira, nenhum destes eventos teve importância. Por isso é fácil descontar – ou até ignorar – como nos sentíamos na altura. Olhamos para trás e pensamos, “Isto foi tão fácil, dinheiro de graça, o mercado subiu sempre.” Poucas pessoas, no entanto, se sentiram dessa forma durante os últimos 15 anos.
Muito do que importa no investimento – e isto é verdade para muitas das coisas da vida – é como gerimos a psicologia da incerteza. O problema de recordar o passado é que nada é incerto. Achamos que não havia nada com que nos devíamos preocupar, porque a maior parte das coisas com que nos preocupávamos acabou por passar.
“Devíamos ter sido felizes e calmos, porque tudo correu bem”, é o que dizemos ao nosso “eu” passado. Mas o nosso “eu” passado não fazia a mínima ideia de como as coisas iam acabar. A incerteza dita quase tudo no momento presente, mas, ao olhar para trás, fazemos de conta que a incerteza nunca existiu.
Muito do que importa no investimento é como gerimos a psicologia da incerteza.
A minha mulher e eu compramos recentemente uma casa nova. Tal como na maior parte do país, custou muito mais dinheiro do que custaria há uns anos.
Começamos a falar de como as casa eram baratas em 2009. Na nossa região, as casas custam, literalmente, quatro a cinco vezes mais do que custavam nessa altura – mais, as taxas de juro eram baixas em 2009 e havia uma infindável oferta de casas no mercado. Dissemos algo do género, “Que sorte que as pessoas tinham em 2009.”
Mas depois caímos em nós, “Espera aí, nós estamos nostálgicos pela economia de 2009?” Foi a pior economia em 80 anos. Só se dizia que tudo estava terrível. As casas eram baratas porque o desemprego estava nos 10% e o mercado acionistas tinha caído 50%.
Olhando para trás, sabemos que 2009 não foi apenas o fundo do mercado, mas também o início de um novo boom (ainda que com volatilidade). Mas não sabíamos disso na altura e isso deu-nos bastante com que nos preocuparmos – e hoje é fácil esquecermo-nos disso. O que nos pareciam riscos, hoje parecem oportunidades. O que sentíamos como perigos, hoje parecem-nos aventuras.
De uma forma similar, os americanos têm nostalgia pela vida nos anos 50. Vedações brancas, prosperidade da classe média, famílias felizes, uma economia em franco crescimento. Havia também o risco de aniquilação nuclear. Hoje sabemos que os mísseis nunca foram lançados. Mas as crianças no 5º ano que faziam simulacros de ataques nucleares e se agachavam debaixo das secretárias? Não faziam ideia e viviam neste medo, que é impossível de contextualizar hoje, uma vez que sabemos como a história acaba. Portanto, era óbvio que aquelas crianças não eram tão felizes como nós julgamos que eram.
Subscrevo algumas contas no Instagram dedicadas à nostalgia dos anos 90. Era uma criança nessa década, por isso adoro essas coisas. Os comentários nesses posts são, inevitavelmente, uma variação de: “Esses forma os melhores anos. O final dos anos 90 e início dos anos 2000 foram a melhor altura para estar vivo”. Talvez tivesse sido muito bom. Mas também tivemos: uma profunda recessão em 2001, uma eleição presidencial contestada, o 11 de setembro – que alterou completamente a forma como vivemos – duas guerras, uma recuperação económica lenta, e por aí adiante. É fácil esquecer tudo isto porque sabemos que a economia recuperou, as guerras acabaram e não sofremos mais nenhum grande ataque terrorista. No espelho retrovisor, tudo parece certo, mas na altura a incerteza reinava.
O que pareciam riscos, hoje parecem oportunidades. O que sentíamos como perigos, hoje parecem-nos aventuras.
Claro que as coisas poderiam ter acontecido de forma diferente. E para muitas pessoas – as que foram despedidas, ou perderam a casa, ou morreram numa guerra – a nostalgia por um tempo passado mais feliz é válida.
Mas tal como Thomas Jefferson disse, “Quanto dor nos custaram os males que nunca aconteceram?”
Parte da razão pela qual a nostalgia existe é porque, sabendo o que sabemos hoje, frequentemente recordamos o passado e dizemos, “realmente não tínhamos motivo para nos preocuparmos.” Adaptávamo-nos e seguíamos em frente. Esta não será uma lição importante quando olhamos para o futuro?
Compreender porque a nostalgia económica é tão poderosa – porque é quase impossível recordar o quão incertas as coisas eram no passado quando sabemos como a história acaba – ajuda a explicar aquilo que eu acredito ser a lição mais importante da história económica, que é verdadeira para a maioria das pessoas na maior parte do tempo:
O passado não foi tão bom como o recordamos. O presente não é tão mau como pensamos. O futuro será melhor do que prevemos.