

O que aprendemos com 150 anos de crashes no mercado acionista
Artigo originalmente publicado no site da Morningstar em 17 de março de 2025
Embora tenham variado em duração e severidade, o mercado recuperou sempre e alcançou novos máximos.

Este mês marca cinco anos desde o crash no mercado acionista devido ao Covid.
Embora a queda inicial, em 9 de março de 2020, tenha sido dramática – o mercado acionista americano perdeu quase 8% num único dia – o mercado acionista americano acabou por recuperar desse crash em apenas quatro meses, a recuperação mais rápida de qualquer crash nos últimos 150 anos.
Nem dois anos depois, o mercado acionista passou por um crash pior: o mercado demorou 4 vezes mais (18 meses) a recuperar do crash de dezembro de 2021, causado pela guerra Rússia-Ucrânia, inflação galopante e problemas nas cadeias de fornecimento.
O que aprendemos com estes crashes de mercado recentes?
1. É impossível prever quanto tempo a recuperação no mercado vai demorar.
2. Se não entrarmos em pânico e vendermos as nossas ações quando o mercado cai, seremos recompensados no longo prazo.
O crash do Covid e a queda devido à inflação/guerra na Ucrânia podem ser memórias mais frescas, mas estas lições também se aplicam a outros crashes históricos.
Embora tenham tido durações e níveis de severidade diferentes, o mercado recuperou sempre e atingiu novos máximos.
Eis o que aprendemos com as quedas de mercado dos últimos 150 anos.
Quão frequentes são os crashes de mercado?
O número de crashes de mercado depende do tempo que queremos recuar na história e de como os identificamos.
Aqui, recorremos aos dados que o antigo diretor de estudos da Morningstar, Paul Kaplan, compilou para o livro Insights into the Global Financial Crisis. Os dados de Kaplan incluem retornos mensais do mercado acionista desde janeiro de 1886 e retornos anuais do período 1871 a 1885.
No gráfico abaixo, cada bear market é indicado por uma linha horizontal, que tem início no pico do valor acumulado do episódio e termina quando o valor acumulado recupera o pico anterior. (De notar que utilizo o termo “crash de mercado” de forma intercambiável com bear market, que geralmente é definido como uma queda de 20% ou mais.)

Quando incorporamos o efeito da inflação, um dólar (em 1870), investido num hipotético índice do mercado acionista americano em 1871, teria crescido para 30 711 dólares no final de fevereiro de 2025.
Este crescimento substancial daquele dólar inicial realça os enorme benefícios de estar investido para o longo prazo.
Ainda assim, esteve longe de ser um crescimento estável. Aconteceram 19 crashes de mercado neste período, com níveis de severidade variados. Alguns dos crashes mais severos incluíram:
• A Grande Depressão, que começou com o crash de 1929. Esta perda no mercado de 79% foi a pior queda dos últimos 150 anos.
• A Década Perdida, que inclui a bolha das dot-com e a Grande Recessão. Embora o mercado tenha começado a recuperar após a bolha dot-com, não atingiu os máximos anteriores antes do crash de 2007-09. Só atingiu esse nível em maio de 2013 – mas de 12 anos após o crash inicial. Este período, com a segunda pior queda dos últimos 150 anos, incluiu uma perda no mercado de 54%.
• Inflação, Vietnam e Watergate, que começou em inícios de 1973 e levou a um declínio no mercado de 51,9%. Fatores que contribuíram para este bear market incluíram distúrbios relacionados com a guerra no Vietnam e com o escândalo Watergate, a que se somou inflação elevada devido ao embargo de petróleo da OPEP. Esta queda no mercado é particularmente relevante para os dias de hoje, dadas questões como a recente subida na taxa de inflação e as guerras Rússia-Ucrânia e Israel-Hamas.
Estes exemplos demonstram a frequência de crashes no mercado. Embora estes eventos sejam significativos hoje, na realidade, eles ocorrem regularmente aproximadamente uma vez por década.
Como medir a dor de um crash de mercado
Como avaliamos a severidade de um crash de mercado? Isto é o que o “índice de dor” de Kaplan mede. Este índice considera o grau da queda e quanto tempo demorou a recuperar os níveis anteriores.
Eis como funciona: o índice de dor é o rácio entre a área entre a linha do valor acumulado e a linha pico-recuperação, comparada com a área da pior queda de mercado desde 1870. Ou seja, o crash de 1929/primeira parte da Grande Depressão tem um índice de dor de 100% e todas as percentagens dos outros crashes de mercado representam o quão fielmente elas replicam esse nível de severidade.
Por exemplo, considerando que o mercado sofreu uma queda de 22,8% na crise dos mísseis de Cuba. O crash de 1929 levou a uma queda de 79%, que é 3,5 vezes maior. Isto já é significativo, mas consideremos também que o mercado demorou 4 anos e meio para recuperar depois dessa queda, enquanto que demorou menos de um ano para recuperar da crise dos mísseis de Cuba. Assim, levando esta diferença temporal em conta, o índice de dor conclui que a primeira parte da Grande Depressão foi 29,2 vezes pior que a crise dos mísseis de Cuba.
A tabela abaixo lista os bear markets dos últimos 150 anos, ordenados pela severidade da queda do mercado e inclui o seu índice de dor.



Como podem constatar, a queda de mercado de dezembro de 2021 (resultante da guerra Rússia-Ucrânia, inflação galopante e problemas nas cadeias de fornecimento) ocupa o 11º lugar da lista. Comparando este crash com outros da lista, podemos ver que a queda de 28,5% nesse período de 9 meses foi mais doloroso para o mercado que a crise dos mísseis de Cuba e outras quedas do final do Séc. XIX/ início do Séc. XX.
E o crash do Covid em março de 2020 foi, na realidade, o menos doloroso desses crashes dada a rápida recuperação subsequente. Embora a queda tenha sido rápida e severa (uma queda de 19,6% em cerca de um mês), o mercado acionista acabou por recuperar em apenas 4 meses.
5 mais severos crashes dos últimos 150 anos
Para avaliarmos melhor o impacto das quedas mais severas dos últimos 150 anos, vamos acompanhar o percurso de 100 dólares desde o início de cada crash.
• Primeira Guerra Mundial e a Gripe. Depois de bater máximos em junho de 1911, os mercados começaram a cair logo depois devido ao desmembramento de conglomerados como a Standard Oil Company e a American Tobacco Company – e a pior parte desta queda começou quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial em julho de 1914. O mercado acionista continuou a cair durante os anos seguintes (trazendo o investimento de 100 dólares para um valor de 49,04 dólares) e não recuperou até depois da pandemia de gripe de 1918.
• Crash de 1929 e a Grande Depressão. Se tivesse investido 100 dólares no mercado acionista na altura do crash de 1929, teriam caído para 21 dólares em maio de 1932. Este crash ocorreu quando o boom económico pós Primeira Guerra Mundial (que levou a excesso de confiança, excesso de gastos e inflação galopante nos preços) deixou de ser sustentável – uma queda que demorou mais de quatro anos a recuperar.
• A Grande Depressão e Segunda Guerra Mundial. A recuperação da primeira parte da Grande Depressão não durou muito. Embora o mercado acionista tenha recuperado até aos níveis de 1929, em novembro de 1936 (o que significa que o investimento de 100 dólares recuperou o seu valor e até chegou aos 100,23 dólares), começou a cair novamente em fevereiro de 1937. Esta nova queda deveu-se em larga medida às alterações nas políticas fiscais do presidente Franklin Roosevelt, incluindo fatores como a contração nos níveis de reservas dos bancos e o imposto da Segurança Social, que se juntaram ao impacto da Segunda Guerra Mundial. O investimento afundou até aos 52,49 dólares em março de 1938 e eventualmente recuperou até aos 104,88 dólares em fevereiro de 1945.
• A Década Perdida (Bolha Dot-Com e a Crise Financeira Global). O rebentar da bolha das dot-com começou quando os preços hiperinflacionados das empresas de Internet e tecnologia atingiram um ponto de rutura, perdendo quase todos os ganhos que tinham conquistado anteriormente. Um investimento de 100 dólares em agosto de 2000 teria caído até aos 52,76. Sete anos depois, o mercado teria recuperado quase tudo (95,25 dólares) quando a bolha da habitação subprime rebentou, abrindo caminho para a Grande Recessão (em que o investimento caiu para os 46 dólares). Este período de 12 anos incluiu uma queda de 54%.
O mercado acabou por recuperar em maio de 2013, mas ainda para vir estavam as quedas do Covid e de finais de 2021.
Passamos por outras quedas mais curtas e menos severas ao longo destes 150 anos. Por exemplo, o Rich Man’s Panic, causado pela tentaiva do presidente Theodore Roosevelt de desmembrar várias grandes empresas. Ou a Baring Brothers Crisis: numerosos investimentos do banco Barings na Argentina sofreram perdas avultadas quando se deu um golpe de estado no país.
Ainda assim, mesmo com estes “sustos” pelo caminho, 100 dólares investidos no início do novo milénio valem hoje, fevereiro de 2025, mais de 300 dólares. Se esses 100 dólares tivessem sido investidos em 1870, valeriam hoje mais de três milhões de dólares.
Lições aprendidas sobre como navegar a volatilidade dos mercados
O que nos diz a história sobre como navegar mercados voláteis? Principalmente que valem a pena ser navegados.
Após um par de meses stressantes na primeira metade de 2020, os mercados recuperaram – tal como o fizeram após uma queda de 79% no início dos anos 30 do século passado. E esse é o ponto: os crashes no mercado são sempre assustadores quando estão a acontecer. A história, porém, mostra-nos que o mercado recupera sempre.
No entanto, uma vez que não sabemos exatamente quanto tempo demora a recuperação, a melhor forma de estarmos preparados é investir num portfólio de excelentes empresas, bem diversificado e que encaixe no nosso horizonte temporal de longo prazo. Os investidores que se mantêm investidos para o longo prazo, serão recompensados.