Quando Todos São Génios (Algumas Reflexões Sobre Especulação)
Quando Todos São Génios (Algumas Reflexões Sobre Especulação)
Artigo publicado em 24 de fevereiro de 2021 no blog Collaborative Fund.
O fim de um boom especulativo pode ser inevitável mas não previsível.
Coisas insustentáveis podem durar muito tempo. Identificar algo que não pode durar para sempre não significa que essa coisa não possa perdurar durante anos. Anos e anos e anos.
Uma parte disto é emoção. Durante a Guerra do Vietnam, Ho Chi Minh disse, "Matareis dez de nós, e nós mataremos um de vós, mas sereis vós quem se cansará primeiro.". As tendências emocionais não devem favores à lógica, o que pode fazê-las continuar para lá de qualquer ponto racional.
Parte disto são as histórias.
As tendências insustentáveis recebem um suporte vital se um número suficiente de pessoas acreditar que são verdadeiras, e depois de as pessoas acreditarem que algo é verdadeiro torna-se difícil convencê-las do contrário. Ou posto de outra forma: se um número suficiente de pessoas acreditar que é verdadeiro, é tão poderoso como ser mesmo verdadeiro.
Todos os investidores estão a fazer apostas no futuro.
Só dizemos que é especulação se discordarmos da aposta de outra pessoa.
Em retrospetiva, houve tanta especulação nos anos 90 de que a Kodak e a Sears manteriam a sua quota de mercado como de que a eToys e a Pets.com ganhariam quota de mercado.
Ambas eram apostas no futuro. Ambas estavam erradas. Acontece.
A disponibilidade para acreditar em coisas loucas aumenta quando temos a sensação de que o mundo é perigoso e que se está a desmoronar.
Em 1722, nas suas crónicas sobre a Grande Peste de Londres, Daniel Defoe escreveu:
"As pessoas estavam mais viciadas em profecias e conjurações astrológicas, sonhos, e superstições do que alguma vez estiveram antes ou depois... os almanaques assustavam-nas terrivelmente... as paredes das casas e as esquinas das ruas estavam forradas com anúncios de médicos e panfletos de charlatães, que convidavam as pessoas a recorrer aos seus remédios."
O otimismo é sempre excessivo. Tem de ser.
O preço certo de qualquer ativo é o que outra pessoa está disposta a pagar por ele, porque todos os preços de ativos dependem de suposições subjetivas sobre o futuro. E tal como um homem cego que não sabe onde está uma parede até chocar com ela, os mercados não conseguem saber exatamente quanto as pessoas estão dispostas a pagar até que elas vão um pouco longe de mais e digam, "Ah, em retrospetiva, aquele era o limite."
Em retrospetiva, os picos dos ciclos de mercado parecem sempre irracionais, vão sempre longe de mais. Mas, em tempo real, os mercados estão apenas a tentar encontrar os limites daquilo que as pessoas conseguem tolerar. E têm de o fazer, porque se não soubermos exatamente onde estão as fronteiras é possível que existam oportunidades por explorar, e alguém, algures, tentarão explorá-las.
Em tempos de descontrolo, as correlações tendem para um.
Tudo sobe independentemente do mérito, e depois tudo cai da mesma forma indiscriminada. Por isso todos se sentem génios na subida e tolos na queda. Mas bem uma coisa nem outra está certa. Como diz Scott Galloway, "Nunca é tão bom ou tão mau como pensamos."
Os investidores jogam jogos diferentes.
GameStop a 400 dólares por ação não faz qualquer sentido se formos investidores de longo prazo. Mas se formos day traders convencidos de que o preço vai subir para 401 na próxima hora, poderá ser uma excelente compra. Muitos debates financeiros não refletem pessoas que efetivamente discordam entre si, mas antes pessoas a jogar diferentes jogos e a falar umas por cima das outras.
Jim Grant disse uma vez:
"Supor que o valor de uma ação é determinado apenas pelos lucros de uma empresa descontados à taxa de juro relevante e ajustados para a taxa de imposto marginal é esquecer que as pessoas queimaram bruxas, travaram guerras por capricho, ergueram-se em defesa de Joseph Stalin e acreditaram em Orson Welles quando ele anunciou via rádio que os Marcianos tinham aterrado."
O otimismo é a melhor mentalidade de longo prazo.
E requer um certo nível de crença em coisas que não podem ser verificadas, seja porque não temos as competências técnicas para as verificar - ninguém sabe tudo - seja porque algo ainda não aconteceu, mas acreditamos que vai acontecer no futuro. Especulação a menos é tão perigosa como especulação a mais.
"Só se vive uma vez" é uma razão igualmente irresistível para não se fazer alguma coisa.
Buffett: "Arriscar algo que precisamos para ganhar algo que não precisamos, isso é tolice. É pura tolice."
Quando as taxas de juro estão a zero, as histórias acerca do que pode acontecer no futuro são mais poderosas do que os factos sobre o que está efetivamente a acontecer hoje,
porque não há qualquer retorno nas obrigações que ancore as pessoas de volta à realidade.
O investimento não é o estudo das finanças.
É o estudo de como as pessoas se comportam relativamente ao dinheiro. E às vezes esses comportamentos são absolutamente selvagens.