Os fundos da moda e a maldição dos retornos auto insuflados
Artigo publicado originalmente no Wall Street Journal em 14 de junho de 2024
Quando biliões de dólares são despejados num ETF que acabou de reportar grandes ganhos, poderão seguir-se ainda mais ganhos. O problema: são os investidores que estão a propulsionar esses ganhos – e são os investidores que vão sofrer quando o seu impacto se desvanece.
O que o seu fundo transacionado em bolsa (ETF) tem em carteira é importante. Quem também investe no seu ETF pode ser ainda mais importante.
Isto porque os retornos de um fundo frequentemente não dependem meramente do comportamento dos seus investimentos, mas também dependem do comportamento dos investidores que investem no fundo.
Dinheiro “quente” – um súbito influxo de dinheiro de pessoas que querem enriquecer rapidamente – pode sobreaquecer um ETF e criar o que estudos recentes chamam de “retornos auto insuflados”. O resultado, mais cedo ou mais tarde, são perdas auto infligidas. Felizmente, o leitor pode proteger-se com algum senso comum.
O que são retornos auto insuflados?
Estes retornos têm origem quando um fundo gera um excesso de performance. Por exemplo, um ETF “ativo” investe nalgumas ações que sobem bastante. Ou talvez um fundo “passivo” que investe em todas as ações de um determinado índice de referência que replica um segmento de mercado que está na moda.
Em qualquer destes casos, isto chama a atenção das pessoas. Investem no fundo em massa, despejando centenas ou até milhares de milhões de dólares. Os gestores do ETF pegam nesse dinheiro e bombeiam-no nas ações em que o fundo já está investido.
Se essas ações forem de empresas pequenas e com pouca liquidez, as compras do fundo farão subir o seu preço. Isto vai aumentar os retornos do fundo, o que atrai ainda mais dinheiro dos investidores que perseguem performance, o que faz subir ainda mais os preços das ações do fundo, o que atrai uma nova rodada de dinheiro fresco.
Um estudo recente – da autoria de Philippe van der Beck, professor de finanças da Harvard Business School, e Jean-Philippe Bouchaud e Dario Villamaina da CapitalFund Management, uma empresa de investimentos baseada em Paris – examina como este ciclo se auto alimenta.
Tal como os autores concluem: “Os investidores perseguem o seu próprio impacto”.
Este estudo não foi ainda publicado em revistas especializadas nem sujeito à revisão por pares, mas estou certo de que as suas conclusões são sólidas.
Ao longo dos anos, já muitos gestores de carteiras me disseram que grandes influxos de dinheiro em fundos que se concentram em ações mais pequenas e menos líquidas podem fazer subir os seus preços, se as compras do fundo representarem uma parte significativa do volume diário típico dessas ações.
Este ciclo auto sustentado tem a capacidade de iludir os investidores e levá-los a pensar que os retornos do fundo têm como única origem a habilidade do gestor – quando, na realidade, são gerados pelo comportamento dos próprios investidores no fundo. Os retornos auto insuflados podem empurrar os preços para cima e mantê-los elevados durante mais tempo do que podemos imaginar – embora eventualmente estejam destinados a desvanecer.
Parte do estudo foca-se num ETF cujo nome os investigadores não revelam. Estou quase certo de que esse ETF é o ARK Innovation, o fundo de “inovação disruptiva” gerido ativamente por Cathie Wood que conseguiu um dos maiores retornos da história quando ganhou 153% em 2020.
Em outubro de 2019, o ARK Innovation tinha cerca de um quarto dos seus 1,6 biliões de dólares de ativos sob gestão investidos em nove ações. Tinha mais de 5% das ações totais de cada uma dessas empresas. Estas posições maiores em empresas pequenas incluíam 9,9%da empresa de edição genética Intellia Therapeutics e 5,1% da empresa de testes genéticos Invitae.
À medida que os retornos do ARK Innovation escalavam, os investidores despejavam lá dinheiro. Em 2020, os ativos sob gestão atingiam os 17,7 biliões de dólares – mais de nove vezes os ativos de 2019. À medida que o ARK redirecionava este tsunami de dinheiro para as suas ações preferidas, a Intellia subiu 271% e a Invitae 159%.
Mais cedo ou mais tarde, no entanto, a performance vacila, o dinheiro “quente” foge e os gestores têm de vender ações à pressa. Isto faz com que os preços caiam, prejudicando a performance do fundo e fazendo com que mais dinheiro fuja do fundo.
Os ativos sob gestão do ARK Innovation atingiram um máximo de 25,5 biliões de dólares em meados de 2021. O fundo está a perder, em média, 27,9% ao ano, nos últimos três anos. Intellia e Invitae estão a cair, em média, 30,1% e 96,9% ao ano, nesse mesmo período.
O ARK recusou fazer qualquer comentário.
Mas este fundo não está sozinho. Em média, nos ETF’s maiores e mais concentrados, 8% da variação da performance ao longo do tempo pode ser atribuída àquilo a que van der Beck chama “um aumento do preço gerado pelas transações do fundo à medida que entra dinheiro dos seus investidores”.
O estudo demonstra queum ETF, cujo retorno é 10% melhor que a média num determinado período, vê aumentar as entradas de dinheiro em 2% - metade dos quais acontece num espaço de dois meses após publicar a performance.
Demonstra também que os retornos auto insuflados desvanecem e invertem o curso – mas o momento exato é imprevisível.
Perseguir a tendência é muito agradável quando os mercados sobem; basta perguntar a quem comprou GameStop no início de junho quando o influencer Keith Gill falou na ação, outra vez. Mas saber quando saltar fora é difícil: a GameStop caiu quase 50% dos máximos num par de dias.
“Todos querem estar na parte virtuosa do ciclo, mas não querem nada com o seu gémeo malvado”, diz o analista Tom Brakke.
O senso comum é o melhor guia.
Em primeiro lugar, tenha cuidado com fundos que se desviam drasticamente do índice geral do mercado e que investem em poucas ações ou em ações de empresas mais pequenas. Estas características são solo fértil para retornos “quentes” e para o dinheiro “quente” que os persegue e os inflaciona.
Verifique os limites do fundo: se limitam a exposição a cada ação. Isto evita que o fundo, mesmo que fique muito popular, invista demasiado dinheiro nas suas ações mais “quentes”.
Por último, mantenha-se atento ao crescimento rápido.
Quando biliões de dólares entram num fundo pequeno, que acabou de publicar ganhos enormes, o mais provável é que se sigam retornos auto insuflados.
Deixe que os outros os persigam. No final, o mais provável é que acabem com retornos auto esvaziados.