Como encaro a dívida
Originalmente publicado no blog Collaborative Fund em 30 de abril de 2024
O Japão tem cerca de 140 empresas que têm, pelo menos, 500 anos. Algumas afirmam que estão há mais de 1000 anos em atividade.
É espantoso pensar naquilo que estes negócios já enfrentaram– dúzias de guerras, imperadores, terramotos catastróficos, tsunamis, depressões, e uma série de outros eventos sem fim. E, no entanto, continuam a vender bens e serviços, geração após geração.
Estes negócios ultra duráveis são conhecidos como “shinise”, e diversos estudos mostram que os “shinise” tendem a partilhar uma característica: têm muito dinheiro em caixa e não têm dívida. Isto explica em parte como resistem a séculos de calamidade constantes.
Adoro esta citação do autor Kent Nerburn: “A dívida define o nosso futuro e quando o futuro está definido, a esperança começa a morrer”.
Não é apenas a esperança que começa a morrer, mas também o número de eventos a que conseguimos resistir.
Esta imagem representa a volatilidade ao longo da nossa vida. Não apenas a volatilidade dos mercados, mas também a volatilidade na vida: recessões, guerras, divórcios, doenças, mudanças, cheias, mudanças de opiniões, etc.
Sem dívida, o número de eventos voláteis a que conseguimos resistir ao longo da vida poderão cair dentro de um intervalo como este:
Alguns eventos extremos poderão arruinar-nos, mas no geral somos bastante resistentes.
Com mais dívida, o intervalo de eventos a que conseguimos resistir encurta-se:
E com toneladas de dívida, encurta-se ainda mais:
Acho que esta é a forma mais prática de encarar a dívida: À medida que a dívida aumenta, reduzimos o intervalo de eventos a que conseguimos resistir na vida.
Isto é tão simples. Mas é muito diferente da forma como a dívida é tipicamente encarada – é uma ferramenta para antecipar a procura futura e alavancar ativos, onde a única desvantagem é o custo do capital (a taxa de juro).
Quando encaramos a dívida como o estreitamento de eventos resistíveis, duas coisas se tornam muito importantes.
Uma, começamos a ponderar o quão comum é a volatilidade.
Espero manter-me por cá mais 50 anos. Qual é a probabilidade de, durante esses 50 anos, eu passar por algum destes eventos: guerras, recessões, ataques terroristas, pandemias, más decisões políticas, emergências familiares, crises de saúde imprevistas, problemas com os filhos e outras desventuras?
Cem por cento. A probabilidade é 100%.
Quando pensamos assim, levamos a redução de eventos a que conseguimos sobreviver bem a sério.
A segunda é que começamos a pensar nos eventos que nos podem destruir.
A volatilidade financeira é um evento óbvio – não conseguimos pagar as prestações da dívida. Mas também há a volatilidade psicológica – por qualquer razão, não conseguimos tolerar mentalmente o nosso emprego. Temos volatilidade na família, que pode ser qualquer coisa desde um divórcio a ter de cuidar de um familiar. A volatilidade com os filhos dava para encher um livro. Volatilidade na saúde, na política, e assim por aí adiante. O mundo é um lugar louco.
Eu não sou um zelote anti-dívida. Há um lugar e um tempo para a dívida e, se utilizada responsavelmente, pode ser uma ferramenta fantástica.
Mas, assim que encarar a dívida como o estreitamente daquilo a que conseguimos resistir num mundo volátil, começamos a encará-la como um constrangimento ao ativo que mais importa: ter opções e flexibilidade.