6 motivos para a inflação estar tão elevada
Artigo anteriormente publicado no blog Contrarian Edge, em 19 de maio de 2022
6 motivos para a inflação estar tão elevada
A guerra na Ucrânia provavelmente vai atirar mais gasolina no já violento fogo inflacionário, ameaçando levar a economia global à estagflação. A estagflação é a desaceleração da atividade económica causada pela inflação.
Antes de entrarmos nas entranhas confusas da estagflação, vamos recapitular o que está a acontecer nos Estados Unidos e nas economias globais.
Petróleo
Em primeiro lugar, os preços mais elevados nas matérias-primas. Mesmo antes da pandemia, a oferta de petróleo e gás estava a ser constrangida pela queda nos investimentos, causada pelos baixos preços do petróleo e do gás natural e o facto de os petrocarbonos estarem a cair em desuso devido ao culto ESG. A pandemia provocou uma nova queda de investimentos no setor. A invasão da Ucrânia pela Rússia forçou o mundo a "explusar" o terceiro maior produtor mundial de petroquímicos da modernidade.
O mercado do petróleo tem uma dinâmica ligeiramente diferente do mercado de gás natural. O petróleo é uma matéria-prima fungível e é facilmente transportada por petroleiros e, portanto, pode ser (relativamente) facilmente redirecionada de um cliente para outro. Por exemplo, se a China comprava petróleo da Arábia Saudita e agora compra petróleo da Rússia, o petróleo que a China deixou de comprar da Arábia Saudita pode agora ser comprado pela Alemanha. Dito isto, a Rússia produz crude pesado e os sauditas produzem crude leve, o que significa que as refinarias precisam de ser adaptadas e isso leva meses.
As sanções ao petróleo só terão impacto na economia russa se todos deixarem de comprar petróleo russo. Se todos os países adotarem as sanções, cerca de 8 milhões de barris por dia serão removidos do mercado. Isto é muito petróleo, se considerarmos que o mundo consome cerca de 88 milhões de barris por dia.
Ainda não é totalmente claro se a China e a Índia, o maior e o terceiro maior importador de petróleo, continuarão a comprar quantidades significativas de petróleo da Rússia, uma vez que isso poderá prejudicar as suas relações com o Ocidente. Nenhum país gosta que lhes digam o que fazer pelo Ocidente. Eles têm os seus próprios interesses económicos a considerar, mas o comércio com os EUA e a Europa é significativamente maior do que com a Rússia.
Aparentemente, os dois países estão a distanciar-se lentamente da Rússia. Por exemplo, a rede chinesa de cartões de crédito UnionPay cortou discretamente o seu relacionamento com a Rússia. Embora a Rússia tenha uma rede interna de cartões de crédito chamada Mir, uma vez que a Rússia foi isolada das redes Visa e Mastercard e agora da UnionPay, os russos não têm agora acesso a uma forma fácil de gastar dinheiro quando viajam para o estrangeiro.
Esta guerra tem sido uma publicidade horrível para as armas russas, e a Índia poderá, muito provavelmente, decidir mudar para armas ocidentais, o que a aproximaria do Ocidente.
No curto prazo, o fornecimento de petróleo da Rússia para o mercado mundial provavelmente diminuirá; é difícil dizer quanto. A procura por petróleo russo caiu claramente, já que o preço (Urais) caiu 30%, enquanto que os preços globais do petróleo estão a atingir novos máximos.
No longo prazo, as perspetivas para o petróleo da Rússia parecem ainda pior. Havia uma boa razão pela qual as empresas ocidentais participavam nos projetos petrolíferos russos. Não era o amor pelo Ocidente que motivava a Rússia a partilhar as receitas do petróleo com a BP e a Exxon. As empresas ocidentais traziam conhecimentos técnicos essenciais às exigentes explorações russas de petróleo e gás natural. Com o Ocidente a abandonar a Rússia, a produção de petróleo e gás a longo prazo provavelmente diminuirá, mesmo que a China e a Índia continuem a comprar petróleo e gás russos.
Gás
Chamem-me Sr. Óbvio, mas vou dizê-lo na mesma: o gás natural é um gás e o petróleo é um líquido. O transporte de gases é muito mais complicado do que o transporte de líquidos. O gás natural pode ser transportado de duas formas: através de gasodutos (a forma mais barata e eficiente, mas que leva anos a construir) e por navios de LNG. LNG significa liquified natural gas (gás natural liquefeito) - o gás é arrefecido até a -160 graus centígrados e transformado em líquido. A Europa Ocidental, especialmente a Alemanha, depende fortemente do gás russo, que hoje é transportado para a Europa através de gasodutos.
Nota de rodapé: No futuro, quando colocarem o vosso sustento nas mãos de políticos bem-intencionados, lembrem-se de que os políticos alemães, no seu fervor de se tornarem verdes, abandonaram a energia nuclear, que produz zero CO2, mudou para energia eólica e solar "verdes" intermitentes (e recorreu ao carvão) e atou o seu futuro a um ditador russo que anda a cavalo de tronco nu.
Alguns países europeus mais pequenos estão já a abandonar o gás russo. A Alemanha e a Itália, os maiores consumidores de gás russo, prometem que conseguem desvincular-se do gás russo em menos de dois anos. Esta tendência vai continuar; simplesmente não vai acontecer do dia para a noite (ou em dois anos). Chamem-me cético, mas acredito que vai levar muito tempo até que a Europa abandone completamente o gás natural russo, uma vez que a construção de terminais de LNG leva anos, assim como aumentar a produção de gás natural.
Os preços do petróleo e gás natural provavelmente manter-se-ão em níveis elevados ou até poderão subir ainda mais nos próximos anos, e a produção de gás natural e petróleo dos EUA provavelmente terá que aumentar substancialmente.
Comida
A segunda nova fonte de inflação são os alimentos. É uma preocupação significativa para nós. A Rússia e a Ucrânia produzem cerca de 15% do trigo mundial. Representam cerca de um terço das exportações globais de trigo (ou cerca de 7% do consumo global de trigo). A Rússia proibiu as exportações de trigo. A temporada de plantio na Ucrânia provavelmente foi perturbada pela guerra. A oferta global de trigo pode diminuir até 7%. Isto parece um número enorme, mas não está fora dos limites da volatilidade histórica causada por secas e outros desastres naturais, que historicamente fizeram subir os preços do trigo em alguns pontos percentuais.
Não é isso que nos preocupa.
O que nos preocupa são é a subida vertiginosa dos preços dos fertilizantes com nitrogénio e potássio desde o início da guerra. A Rússia e a Bielorrússia são o segundo e terceiro maiores exportadores de potássio utilizado para fabricar fertilizantes potássicos (o Canadá é o maior produtor). O fertilizante de nitrogénio é feito a partir do gás natural. Os preços do gás natural subiram muito. Os elevados preços dos fertilizantes levarão a um aumento significativo nos preços de todas as calorias, do milho ao abacate e à carne.
A inflação nos alimentos afeta os países pobres e os pobres nos países ricos de uma forma desproporcional. Os consumidores dos EUA gastam 8,6% do seu rendimento disponível em comida (na década de 1960, gastavam 17%). Nos países pobres, esta percentagem é significativamente maior. Por exemplo, o ucraniano médio gasta 38% do rendimento disponível em comida. Os preços dos alimentos estão a subir, mas receio que ainda estejamos no início.
Taxas de Juro
A terceira nova fonte de inflação são as taxas de juros mais elevadas, que tornam todos os bens comprados com crédito mais caros, desde máquinas de lavar e secar a carros e casas. Na última década, habituámo-nos ao crédito barato e abundante. Se a inflação se mantiver nestes níveis elevados, o crédito barato tornar-se-á uma relíquia do passado. As taxas do crédito à habitação já quase duplicaram relativamente aos mínimos de 2021 - os créditos à habitação a 30 anos estão perto dos 5,1% no momento em que escrevo isto. O preço médio das casas nos Estados Unidos é de 428.000 dólares (antes da pandemia, cifrava-se nos 330.000 dólares). O aumento do juro de 2,7% para 5,1% custará ao consumidor médio 7.000 dólares por ano, ou seja, 12% do rendimento médio total anual de 61.000 dólares. Cerca de um terço do país não possui casa, mas arrenda. As rendas aumentaram 11,3% em 2021 e continuam a aumentar em 2022.
Agora, se somarmos o aumento dos preços da energia (gasolina e aquecimento), a inflação dos alimentos e o custo mais alto de qualquer coisa que precise de ser financiada, vemos como o consumidor está a ser pressionado de todas as direções. Os números de inflação "massajados" pelo governo mostram um aumento de 7 a 9% nos preços. Acredito que estes números são baixos, apesar de se terem batido recordes com várias décadas. Um número mais realista é muito mais elevado, como indicam os números da inflação nas importações e exportações, que não são ajustados pelo governo e se cifram em 12 a 18%.
Problemas nas Cadeias de Fornecimento
Outro responsável pela inflação mais elevada são os problemas nas cadeias de fornecimento. A China está a sofrer uma nova paralisação parcial na sua economia. Putin fez-nos esquecer o coronavírus, mas o coronavírus não nos esqueceu a nós. A China - a fonte original do Covid-19 - sofreu um dos menores números per capita de infeções e mortes por Covid. A desvantagem é que, por causa disso, a China tem uma imunidade de grupo muito reduzida. E embora a China tenha vacinas fabricadas localmente, elas não são muito eficazes e a China recusa-se a importar vacinas ocidentais.
O presidente Xi apostou a sua reputação numa política de "Covid Zero". Esta política está atualmente a ser duramente testada. A China está a confinar cidades do tamanho de grandes países europeus para impedir que o vírus se espalhe. Como a China produz muitas das coisas que consumimos, vão produzir menos. Os problemas de fornecimento "transitórios" da China persistirão e aumentarão a inflação.
Desglobalização
Finalmente, a Guerra na Ucrânia acelerou a desglobalização. A globalização foi um grande tsunami deflacionário. A pandemia expôs a fragilidade do nosso alardeado stock just-in-time e das cadeias de fornecimento global. A guerra na Ucrânia recordou ao Ocidente que o sistema de comércio global é construído com base na premissa de que não entramos em guerra com os nossos parceiros comerciais. A guerra na Ucrânia quebrou essa premissa e acelerou o ritmo da desglobalização seletiva, o que levará, no longo prazo, a preços mais altos em tudo.