O mercado acionista, a economia, desfechos possíveis, como investir
Esta é a primeira parte da carta que escrevi aos clientes da IMA, onde partilho os meus pensamentos sobre a economia e o mercado. Estou a experimentar algo que nunca fiz antes. Ao invés de comunicar a minha mensagem através de uma narrativa, tentei comprimir os meus pensamentos em frases curtas. Resumi cerca de 50 000 palavras em cerca de 1 000 (um rácio de compressão de 50 para 1!).
O mercado acionista
Matemática do mercado acionista: Retorno total = crescimentos dos lucros por ação + alteração no rácio PER (lucros por ação) + dividendos. Esta fórmula aplica-se a qualquer ação e a qualquer mercado acionista.
Os retornos dos mercados acionistas nos últimos mais de 100 anos seguiram um padrão: bull markets de longo prazo (15 ou mais anos) seguidos de sideways markets (15 ou mais anos), não bear markets. A Grande Depressão foi a única exceção.
Os sideways markets, no entanto, incluem mini bull bear e sideways markets – muita volatilidade, mas nenhum retorno real.
Se o rácio PER do mercado nunca se alterasse, se se mantivesse a 15 vezes os lucros, não existiriam ciclos de mercado. O mercado acionista subiria com o crescimento dos lucros (4-6% ao ano) + dividendos (4-5% ao ano).
O comportamento humano causa e segue um padrão pendular – a excitação causa mais excitação (CNBC ligada todo o dia) → bull market. Quando o ímpeto se esgota, as quedas nas ações levam a mais quedas (CNBC desligada) → sideways market.
Historicamente, o crescimento económico foi semelhante em bull e sideways markets. Alterações no rácio PER foram a causa de bull e sideways markets.
Bull markets começam quando o rácio PER está muito abaixo da média: aumento do PER + crescimento dos lucros → retornos (acima da média) elevados.
No final dos bull markets, o PER deixa de expandir, estagna e cai. A expectativa de um nirvana sem fim é quebrada – bem-vindo ao sideways market.
Sideways markets começam quando o PER está muito acima da média: (fim do bull market): queda no PER + crescimento dos lucros → retornos baixos ou inexistentes.
Avaliações atuais: se normalizarmos para elevadas margens de lucro, os PER’s estão muito elevados. Os PER’s irão provavelmente cair durante muito tempo.
Taxas de juro baixas impulsionaram PER’s; taxas de juro mais elevadas fazem cair PER’s.
As margens de lucro irão provavelmente cair devido a várias razões: desglobalização seletiva (produtos fabricados no Ohio são mais caros do que os feitos em Xangai), taxas de juro mais elevadas, impostos provavelmente mais elevados.
Se tivermos sorte, teremos um sideways market.
Se não, e se a economia entrar numa estagnação de longo prazo, teremos um bear market secular. O último bear market secular a que assistimos foi no Japão: tanto os PER’s como os lucros caíram durante muito tempo. Não somos o Japão, mas também o “Japão” dos anos 90 não era o Japão.
A economia
A economia continua a ser muito difícil de analisar. Foi severamente impactada pelas distorções do Covid – demasiada procura/procura a menos, disrupções nas cadeias de fornecimento, 5 triliões de dólares de dívida emitida pelo governo americano.
Ventos pelas costas: historicamente, uma aposta contra o consumidor americano e contra a economia americana é uma aposta perdedora. O consumidor tem muito dinheiro que não gastou durante a pandemia. O desemprego é baixo. O sistema financeiro/bancário está numa condição excelente da perspetiva das reservas e qualidade de crédito. A desglobalização seletiva trará alguns empregos de volta aos Estados Unidos.
Ventos pela frente: subidas nas taxas de juro. A economia está viciada em taxas de juro baixas. Vai demorar algum tempo – e causar dor – a reajustar de taxas zero para taxas médias ou acima da média.
Triliões de dólares de dívida de longo prazo e yields baixo foram emitidos, o que vai causar dor aos obrigacionistas e vão sofrer perdas realizadas ou não. Efeitos de primeira, segunda e terceira ordens vão surgir no sistema financeiro. (A falência do Sillicon Valley Bank vem à memória).
A dívida das empresas está no máximo histórico – a amortização dessa dívida será feita à custa de recompra de ações, menos investimentos de capital e menos crescimento.
Boas notícias no mercado da habitação: a maioria dos créditos à habitação são de taxa fixa, e não sofrem qualquer impacto resultante das taxas mais elevadas. Se os donos das casas não mudarem de casa, não sentirão o impacto das taxas elevadas. Fim das boas notícias.
Os preços das casas relativamente aos rendimento estão nos máximos históricos. A menos que os rendimentos subam muito, os novos compradores não vão conseguir comprar casa. A quedas dos preços das casas erodem o valor das casas e a confiança dos consumidores.
O número de transações imobiliários será ajustado semi-permanentemente para um nível mais reduzido. A este novo nível e taxas mais elevadas, se vender a sua casa e comprar a do lado, a sua prestação duplicará. Isto também prejudica a mobilidade da força de trabalho.
Não é claro se o atual nível de desemprego se mantenha reduzido. As empresas de tecnologia começaram a dispensar trabalhadores com salários elevados; mais despedimentos podem seguir-se.
Este é o pior ambiente geopolítico das últimas gerações: guerra na Europa e a China tornar-se-á em breve a maior economia do mundo, mas não é um aliado do Ocidente. Aumentos nas despesas de defesa são quase uma certeza.
O rácio dívida/PIB nos Estados Unidos é de quase 130% (o mais elevado desde a Segunda Guerra Mundial) – taxas de juro mais elevadas levarão a mais dinheiro a ser impresso para pagar juros mais elevados e aumentos nas despesas de defesa.
As empresas estão a privilegiar a resiliência das cadeias de fornecimento em detrimento da sua eficiência. A desglobalização seletiva leva a custos mais elevados – e faz subir a inflação.
A inflação leva à redução do poder de compra, níveis de poupança mais reduzidos, queda na produção, o que causa a estagflação.
Impostos mais elevados sobre o rendimento e sobre as empresas são prováveis – é quase irrelevante quem governa o país. Impostos elevados levam a crescimentos menores. Desemprego mais elevado é provável.
Possíveis desfechos
A inflação abranda gradualmente: a economia abranda um pouco mas continua a crescer. As taxas de juro estabilizam a um nível seminormal. Este é um desfecho nirvana 1.0. Ainda melhor:
As margens das empresas não caem – mantêm-se nos atuais máximos históricos. Este é o desfecho nirvana 2.0. A apreciação do mercado corresponde mais ou menos ao crescimento da economia.
A inflação persiste: um sideways market inflacionário (crescimento nominal dos lucros + PER’s em queda. Eventualmente, a inflação cede por si própria ou com a ajuda da Reserva Federal. Ver seguinte.
A inflação cede: economia em recessão de curto prazo – bear market de curto prazo, sideways market de longo prazo.
Inflação leva a deflação ou recessão de longo prazo: bear market que rima com o do Japão ou, se as taxas de juro chegarem a valores negativos, um bull market furioso.
Um desfecho que não consigo antecipar.
Como investir
Preocupações macro – foi o que descrevi acima; invista micro – é o que discuto de seguida:
Procure empresas que conseguem sobreviver e prosperar nos cenários descritos acima.
Processo acima de tudo – o mercado vai ser provavelmente vez mais bipolar do que o habitual. Saiba o que tem em carteira, porque investiu nessas empresas e quanto valem.
É preciso ter paciência – espere pelas oportunidades que surgem.
A intensidade na concorrência vai aumentar quando o bolo económico não cresce. Mantenha-se fiel às empresas de elevada qualidade geridas por pessoas excecionais.
Aumente a sua margem de segurança – vai precisar dela.
Não tenha medo de ter dinheiro disponível (obrigações de curto prazo) se não encontrar oportunidades atrativas. Dinheiro é melhor que ações sobreavaliadas ou empresas de qualidade duvidosa – especialmente se for uma combinação das duas.
Procure empresas noutros mercados – a escolha aumenta bastante.
Não tente adivinhar o mercado; é impossível incluir o market timing em qualquer processo de investimento. Compre empresas que transacionam abaixo do seu valor e venda-as quando estiverem caras.
“Vender” é um palavrão nos bull markets; é uma prática importante nos sideways markets.