Uma economia que trabalha para todos
Artigo publicado originalmente na revista digital Shared Future.
Uma economia que trabalha para todos
Nós somos capazes de construir uma economia que funcione para todos, e não apenas para alguns.
De muitas maneiras, já o fizemos. O truque para a manter a funcionar é convencer as pessoas de que ninguém precisa de se sacrificar para que os benefícios do crescimento económico sejam distribuídos de forma mais justa.
Para convencer o leitor, permita-me que conte uma história sobre pneus.
O valor de um parceiro de negócios confortável
Início dos anos 90. A Costco está a negociar com um distribuidor de pneus.
Foi feito um acordo. Não era particularmente lucrativo para o distribuidor de pneus, mas a Costco era um retalhista em crescimento com clientes fiéis e as empresas de pneus estavam ansiosas por uma fatia desse negócio.
Uma semana após a assinatura, a Costco contactou o distribuidor e informou-o que tinham que renegociar o acordo.
"Impossível", disse o distribuidor de pneus. "Não posso baixar um cêntimo neste negócio sem perder dinheiro."
Sim, é exatamente por isso que temos que renegociar, disse a Costco.
Depois de assinar o acordo, a Costco percebeu que estava a pressionar o distribuidor de pneus até ao limite. A Costco não queria um parceiro de negócios nessa posição. Assim, rasgou o negócio original e aumentou o preço que pagaria pelos pneus.
Isto não é altruísmo.
Um parceiro de negócios que se mantém em atividade durante muitos anos vale mais do que um que terá de ser substituído a cada um ou dois anos. Um parceiro de negócios que é bem tratado também nos tratará bem. Um parceiro de negócios bem-sucedido causa menos complicações no dia a dia do que um parceiro que se sente sufocado.
Isto é óbvio - mas apenas se conseguirmos abdicar da maximização dos lucros de curto prazo para nos concentrarmos nas recompensas de longo prazo.
Esta é uma das características duradouras da Costco.
"Queremos construir uma empresa que ainda cá estará daqui a 50 ou 60 anos", afirmou o fundador e ex-CEO Jim Sinegal. "Acho que a coisa que causa mais dificuldades no mundo dos negócios é a visão de curto prazo."
Este ethos ultrapassa as relações comerciais. A Costco paga aos seus funcionários, em média, 72% a mais por hora do que o rival Sam's Club. Isto é incrível para o funcionário, mas também é incrível para a Costco. A rotatividade de mão de obra é mínima: 17% ao ano para a Costco contra 44% para o Sam's Club. Em 30 anos, a Costco nunca teve que lidar com uma grande greve ou protesto de funcionários.
Isso não acontece às custas dos acionistas: as ações da Costco subiram mais de sete vezes nos últimos 20 anos, mais do que o dobro do S&P 500.
Sabemos que esta ideia funciona. Pode funcionar para todos - desde que consigamos convencê-los de que é verdade.
Uma perspetiva histórica da igualdade
Antes de discutirmos como atingir este objetivo, um pouco de história sobre como chegamos a este ponto.
A característica principal da economia na década de 50 é que o país enriqueceu tornando os pobres menos pobres. Os salários médios dobraram de 1940 a 1948, e dobraram mais uma vez até 1963.
Não há muito tempo, a economia funcionava muito bem para a maioria das pessoas. Não durou muito, mas por um curto período após a Segunda Guerra Mundial até o final da década de 1970, o crescimento económico foi dividido de forma bastante equilibrada entre aqueles que trabalhavam e aqueles que investiam.
A desigualdade da riqueza que definiu a década de 1920 desfez-se após a guerra, quando os trabalhadores ganharam poder negocial e as altas margens de lucro se tornaram inaceitáveis durante os anos da guerra. Em 1955, o historiador Frederick Lewis Allan escreveu:
"A enorme vantagem dos ricos na corrida económica foi consideravelmente reduzida.
São os trabalhadores industriais que, como grupo, se saíram melhor - pessoas, como a família de um metalúrgico que vivia com 2500 dólares e agora ganham 4500 dólares, ou a família de um operador de máquinas altamente qualificado que costumava receber 3000 dólares e agora pode gastar 5500 dólares anuais ou mais."
O Coeficiente de Gini da América, uma medida estatística da desigualdade de rendimentos, caiu quase 50% de 1929 a 1970, à medida que a distribuição de rendimentos se nivelou, transferindo uma parte maior do rendimento do país para os trabalhadores com salários mais baixos. A parcela da riqueza da nação pertencente a 90% das famílias mais pobres aumentou de 15% em 1929 para mais de 35% em 1985.
Foi a era da classe média de salários elevados - as histórias clássicas de trabalhadores da indústria que sustentavam uma família com uma vida digna. O país prosperou e os trabalhadores levavam para casa os prémios maiores.
E a coisa mais espantosa desta era foi o quão pequeno foi o sacrifício exigido aos investidores que financiaram os negócios desses trabalhadores.
O retorno médio anual do mercado de ações de 1880 a 2019 foi de 10,92%, de acordo com a base de dados do economista de Yale, Robert Shiller.
De 1950 a 1975 - a era em que o equilíbrio do poder económico passou dos investidores para os trabalhadores - o mercado registou retornos de 12,9% ao ano.
Nada é perfeito e os "gloriosos" anos centrais do século 20 estão repletos de conflitos raciais e áreas de pobreza abjeta. Mas se houve uma época em que a economia parecia funcionar para quase todos - quando os trabalhadores e os investidores prosperavam simultaneamente - foi nos anos de boom do pós-guerra.
Mas nada na economia fica na mesma para sempre.
Em 1976, dois economistas escreveram um paper com um nome enfadonho que viria a influenciar o mundo de uma forma que provavelmente eles não teriam sequer imaginado. "Teoria da empresa: comportamento dos gestores, custos de agência e estrutura de propriedade", defendia que as empresas seriam geridas com mais eficiência se a administração agisse como proprietária e alinhasse os seus incentivos com os dos acionistas. Pague os gestores com ações e concentre-se na maximização do lucro e as empresas ficarão em melhor situação.
Este paper tornou-se o mais citado de todos os tempos, uma bíblia académica e a base intelectual para pensadores de negócios e formuladores de políticas. E deu início a um movimento lento em direção à maximização do lucro como a principal prioridade das empresas, uma meta que tem definido a maior parte dos últimos 40 anos.
Quem realmente beneficia com a desigualdade?
As estatísticas que definem a era moderna da desigualdade da riqueza dispensam apresentações.
Já todos ouvimos as estatísticas sobre o quanto a riqueza do 1% mais rico cresceu e como o crescimento económico foi transferido dos salários dos trabalhadores para os lucros das empresas.
Os números já foram suficientemente repetidos e são habitualmente apresentados de uma forma que os enquadra como exploradores, o que traz à tona os instintos tribais de guerra. Poucos tópicos são tão divisivos como a desigualdade da riqueza e o que devemos fazer a esse respeito.
O que sempre achei surpreendente é que não existem grandes evidências de que a era de aumento dos lucros das empresas e a redução dos salários dos trabalhadores foi realmente boa para os investidores.
Estas comparações nunca são maçãs com maçãs; variações nas avaliações, taxas de juros e inúmeras outras variáveis mudam de época para época.
Mas é uma ironia inevitável que, assim que a economia mudou a sua prioridade dos salários dos trabalhadores para a maximização dos lucros dos acionistas, os retornos para os acionistas diminuíram.
É quase impossível fazer esta conexão causa e efeito. Devemo-nos questionar, no entanto, se toda a economia deixou de operar como a Costco para passar a operar como o Sam's Club.
Pensando a longo prazo
Por ocasião do IPO do Facebook, em 2012, Mark Zuckerberg escreveu: "Não criamos serviços para ganhar dinheiro; ganhamos dinheiro para construir serviços melhores ... acredito que mais e mais pessoas querem utilizar os serviços de empresas que acreditam em algo mais do que simplesmente maximizar os lucros."
Isto, continua Zuckerberg, está 100% alinhado com os interesses dos acionistas:
"Ao concentrar a nossa missão na construção de serviços excelentes, acreditamos que criaremos o máximo de valor para os nossos acionistas e parceiros no longo prazo - e isso, por sua vez, permitir-nos-á continuar a atrair as melhores pessoas e a construir mais serviços excelentes.
Não acordamos de manhã com o objetivo principal de ganhar dinheiro, mas compreendemos que a melhor maneira de cumprir a nossa missão é construir uma empresa forte e valiosa."
O conceito de que tratar bem clientes e funcionários não apenas não sacrifica os retornos, mas na realidade, os reforça no longo prazo, resume-se simplesmente a uma diferença no horizonte temporal.
Cortar salários e reduzir a qualidade do produto pode aumentar os lucros no curto prazo. Mas os retornos de longo prazo para os acionistas resultam de atrair clientes mais leais e funcionários mais talentosos. E isso resulta de os tratar bem - uma economia que funciona para todos.
A General Motors era a empresa mais lucrativa do mundo na década de 60 e faliu em 2009. Muita coisa aconteceu naqueles anos, incluindo o crescimento da concorrência estrangeira. O ex-vice-presidente Bob Lutz atribui o declínio essencialmente a um fator: a GM perdeu o seu rumo quando os "tipos dos carros" foram ultrapassados pelos "contadores de feijões" e os lucros tiveram prioridade sobre os produtos.
Lutz escreveu nas suas memórias:
"Os líderes que são motivados predominantemente pelas recompensas financeiras, que incorporam essa recompensa no plano de negócios e depois manipulam todas as outras variáveis para "atingir aquele número", geralmente não o conseguem, se o conseguirem, só o farão uma vez. Mas a empresa que está focada na excelência e em oferecer um valor superior verá as receitas a materializarem-se e a crescer, e será recompensada com o lucro.
Será o lucro uma parte integrante da equação do negócio e um direito divino, não importa o quão comprometido seja o produto ou serviço? Ou será o resultado financeiro uma recompensa imprevisível, concedida à empresa por clientes satisfeitos?"
Muitos destes comentários parecem óbvios. É difícil combatê-los. No entanto, eles são, na maioria, a exceção.
Espremer os funcionários ao máximo em favor da maximização dos lucros tem sido a estratégia padrão na maior parte das últimas décadas, especialmente para os trabalhadores na extremidade inferior do espectro. O resultado, novamente, não foi intuitivo. Ao tentar maximizar o valor para o acionista, as empresas costumam conseguir o oposto.
Em 2013, o The New York Times publicou notas de uma reunião interna da Walmart. O jornal escreveu:
"Walmart, a maior retalhista do país, dispensou tantos funcionários que agora não tem trabalhadores suficientes para repor as suas prateleiras de forma adequada, segundo alguns funcionários e analistas do setor. Notas internas de uma reunião de março com os principais gerentes da Walmart mostram que a empresa enfrenta a falta de confiança dos clientes nos seus produtos e a falta de qualidade. "Perda de Confiança", diz uma nota, "Não têm os itens que procuram - não os conseguem encontrar."
Isto beneficia quem? Nem funcionários. Nem clientes. Provavelmente nem os acionistas.
A economia existe num espectro. Poucas coisas são completamente boas ou completamente más. A maioria das coisas pode ser boa num determinado nível, neutra noutro e sair pela culatra noutro. Todos queremos que os negócios funcionem com eficiência e que recompensem os acionistas que assumem riscos.
Mas é óbvio, em muitos níveis, que o impulso dos últimos 40 anos para a maximização do lucro, que veio às custas dos trabalhadores, foi longe demais. Os trabalhadores sofreram e os acionistas não ganharam grande coisa.
As economias, ao longo do tempo, são boas no reequilíbrio de distorções. O capitalismo não gosta de dados aberrantes. E tenta levá-los de volta a um meio-termo feliz. As tendências crescem, estabilizam e depois invertem-se.
Já estamos a ver isto a acontecer nos últimos anos.
Nos últimos três anos, o crescimento dos salários foi realmente mais elevado para os trabalhadores com salários mais baixos. O crescimento médio dos salários foi o elevado em quase duas décadas.
Isto não é um acaso. Existem razões concretas para esperar que as tendências das últimas quatro décadas desapareçam - e para esperar a consolidação de uma economia que funciona para todos.
Cuidar de clientes, funcionários e acionistas
Cada organização tem três partes interessadas: clientes, funcionários e acionistas. John Mackey, cofundador da Whole Foods, declarou a certa altura que todas as empresas cuidam de pelo menos uma parte. Algumas cuidam de duas. Poucas se importam com as três. A maneira mais fácil de pôr um negócio a funcionar é explorar pelo menos uma parte interessada.
É assim que tradicionalmente tem funcionado, pelo menos. Mas está a ficar mais difícil.
A maior inovação da nossa última geração foi a destruição das barreiras de informação que nos mantinham isolados uns dos outros. O que aconteceu nos últimos 20 anos - e especialmente nos últimos 10 - não tem qualquer precedente histórico. O telefone eliminou o fosso de informação entre nós e os nossos parentes distantes. Mas a internet fechou o fosso entre nós e literalmente todas as outras pessoas do mundo. Isto altera de uma forma fundamental o funcionamento da economia uma vez que torna mais difícil para as empresas esconder como tratam os stakeholders.
Reparem na característica definidora da geração millennial: o acesso aberto à informação. Ninguém esconde a sua vida, porque crescemos com o Facebook. A carreira profissional não é um mistério, porque crescemos com o LinkedIn. As compras que fazemos online não são uma lotaria, porque crescemos com as críticas da Amazon.
Da mesma forma que os baby boomers eram marginalmente menos tolerantes com a discriminação de género do que os seus pais, os millennials são marginalmente menos tolerantes com informações ocultas.
A explosão de conteúdo online tem duas faces. Todos têm uma plataforma para contar as suas histórias e partilhar as suas informações. E todos estão também a vigiar-se mutuamente, à espera de um deslize que revele as ineficiências e o mau comportamento subjacentes.
Yelp e Glassdoor conseguem hoje num instante o que jornalistas de investigação demoraram carreiras inteiras a fazer, apenas há uma década atrás.
O Twitter oferece um microfone global para pessoas que, há apenas alguns anos, eram silenciadas.
A Valeant Pharmaceuticals, agora Bausch Health, ruiu devido a problemas contabilísticos, há quatro anos. A pessoa que expôs esta situação não trabalhava num grande banco de Wall Street ou era jornalista. Era simplesmente alguém que trabalhava em casa e publicava o seu trabalho online para que todos pudessem ver.
As empresas que cuidam de todos os seus stakeholders terão uma vantagem económica sobre aquelas que não o fazem, porque serão capazes de atrair e manter os melhores funcionários e os clientes mais leais.
Se não fizermos da maximização dos lucros a primeira prioridade, iremos, na realidade, aumentar a probabilidade de o fazer.
É assim. É assim que criamos uma economia que funciona para todos: fazendo-os perceber que ninguém precisa de se sacrificar para isso.