O Mercado de Ações É Mais Esperto Que Nós
Artigo publicado originalmente no blog A Wealth of Common Sense
O Mercado de Ações É Mais Esperto Que Nós
Na sequência de uma recuperação brutal após os mínimos de março, os investidores passaram grande parte da primavera e do verão a debater as razões pelas quais o mercado estava a subir e quando voltaria a cair e ultrapassar aqueles mínimos novamente.
Tinha que ser um dead cat bounce, certo? (Até um gato morto salta se o atiramos de uma grande altura) Como seria possível que o mercado de ações continuasse a subir em face de uma pandemia, com milhões desempregados e negócios fechados?
Não podemos levar a mal que as pessoas pensem assim. Ninguém sabia o que esperar numa crise como esta. Tem sido uma provação assustadora, emocional e implacável.
Mas o mercado acionista não se importa com sentimentos. Limita-se a seguir em frente, descontando o futuro. E nesta crise, na maior queda trimestral da atividade económica na história do nosso país, a bolsa olhou para o outro lado do vale.
Sim, houve alguma ajuda do governo, mas poucos, se é que alguém, previram quão melhores as coisas se tornariam. O mercado de ações foi um deles.
O mercado já estava a bater novos máximos históricos quando a vacina chegou aos cabeçalhos. O mercado previu a vacina!
Pense nalguns dos títulos que têm tido variações loucas ao longo da maior parte do último ano.
A Live Nation vende bilhetes para concerto ao vivo. Não fazemos ideia quando os concertos vão regressar, mas eventualmente isso vai acontecer. E adivinhe? O mercado de ações não quer saber:
Já está a refletir no preço aqueles concertos a que as pessoas estão ansiosas por voltar. Novos máximos.
Então e os Hotéis Hilton? Sim, claro, as pessoas estão a começar a viajar mais. Mas a bolsa está a refletir no preço toda a gente a viajar novamente:
Novos máximos.
A Disney fez uma das maiores viragens de todos os tempos para uma organização enorme, ao iniciar o negócio de streaming, mas é também conhecida pelos seus parques temáticos, navios de cruzeiro e resorts, todos encerrados ou a operar com capacidade mínima durante a maior parte do último ano.
O mercado de ações já refletiu no preço a reabertura e mais do que isso:
Novos máximos para a criação de Walt Disney.
O mesmo para o Sea World:
E conseguimos ver que estas empresas começaram a refletir estas coisas no preço muito antes de os resultados da vacina terem sido verificados e aprovados. Na realidade, não sabíamos quanto tempo isto iria durar ou quando melhoraria, mas o mercado de ações não ficou à espera que descobríssemos.
Pode parecer que o mercado de ações está a tornar-se cada vez mais desligado da realidade económica para a maioria das pessoas, mas, na verdade, o mercado nunca teve coração.
Em Wealth, War and Wisdom, Barton Biggs escreve sobre dois dos meus tópicos históricos favoritos: (1) a Segunda Guerra Mundial e (2) o mercado de ações.
Biggs faz uma descrição cronológica pormenorizada de muitos dos momentos de viragem na Guerra através da lente dos mercados acionistas de vários países.
Muitos desses movimentos de mercado parecem completamente contraintuitivos:
No dia 1 de setembro de 1939, Hitler invadiu a Polónia e o primeiro-ministro Neville Chamberlain, com a voz trémula, anunciou que a Grã-Bretanha acabava de declarar guerra à Alemanha. No dia seguinte, a Bolsa de Nova Iorque passou por um mini-frenesim de compra de três dias, com um ganho de 20 pontos ou 7% no Dow . O volume de transações foi o mais elevado num período de dois anos porque os investidores anteciparam que as encomendas para a defesa criariam um boom económico.
Estávamos na iminência de uma segunda guerra mundial em 20 anos e ainda assim os investidores permaneciam otimistas.
A Bolsa de Londres previu, mais ou menos, que os Estados Unidos viriam em auxílio dos exércitos europeus antes que fosse tarde de mais:
A Bolsa de Londres deduziu no início do verão de 1940, até mesmo antes da Batalha da Grã-Bretanha, numa altura em que o mundo e mesmo muitos ingleses desesperavam, que a Grã-Bretanha não seria conquistada. As ações atingiram um mínimo para a História no início de junho, embora não fosse evidente até outubro que não haveria qualquer invasão alemã em 1940 e até Pearl Harbor, 18 meses depois, que a Grã-Bretanha iria prevalecer.
Quase parece que, ao longo de 1941, a Bolsa de Londres intuitivamente pressentiu e reagiu à crescente e cada vez mais profunda aliança entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. O mercado acionista estava mais confiante na entrada da América na Guerra do que o próprio Churchill. Não havia, na verdade, quaisquer boas notícias, no que diz respeito à Guerra, para celebrar porque a Grã-Bretanha sofria derrota após derrota.
Até a Bolsa Alemã se adiantou ao facto de que a maré estava a virar contra Hitler:
Similarmente, a Bolsa Alemã, ainda que nas garras de um estado policial, de alguma forma compreendeu, em outubro de 1941, que o pico da conquista alemã fora atingido. Foi de um discernimento incrível. Nessa altura, o exército alemão parecia invencível. Nunca perdera uma batalha; nunca fora forçado a retirar. Não havia ainda qualquer sinal de que a triunfante ofensiva sobre a União Soviética estava a falhar. Na realidade, no início de dezembro, uma patrulha alemã teve mesmo um vislumbre passageiro dos pináculos de Moscovo e, na altura, a Alemanha dominava mais Europa do que o Império Romano. Mais ninguém se apercebeu de que este era o ponto de inflexão.
A Guerra não terminou antes de 1945, mas o Dow atingiu os mínimos na primavera de 1942 e nunca mais olhou para trás:
Biggs explica o quão presciente o mercado de ações foi ao prever isto:
A Bolsa de Nova Iorque reconheceu que as vitórias nas batalhas do Mar de Coral e de Midway em maio e junho de 1942 mudaram o curso dos eventos no Pacífico e, desde os mínimos dessa primavera, não mais olhou para trás, mas eu não consigo encontrar tais pensamentos nos jornais ou especialistas militares desse tempo. Um fogo cerrado de derrotas e rendições causara intensas críticas à gestão da guerra e dos comandantes no terreno. Os sábios homens dos media estavam tão ocupados a torcer as mãos de preocupação que não perceberam a real importância das batalhas do Mar de Coral e de Midway como a marca de água alta dos desígnios de império do Japão e do seu ataque aos Estados Unidos.
Na verdade, o mínimo que as ações americanas atingiram no segundo trimestre de 1942 foi na realidade o fim do grande bear market secular que começou in 1929. Um novo bull market secular nasceu nessa primavera, que duraria quase 20 anos e levaria as ações americanas a novos máximos inimagináveis no dealbar da prosperidade do pós-guerra. Claro que existiriam bear markets cíclicos intermitentes, mas só o grande, mudo, e trapalhão mercado de ações vislumbrou que o longo bear market terminara e que uma nova era começara.
Em The Wisdom of the Crowds, James Surowiecki escreve: "A ideia da sabedoria das multidões não é que um grupo terá sempre a resposta correta, mas que, em média, encontrará consistentemente uma melhor resposta do que qualquer indivíduo conseguiria apresentar.".
O mesmo é verdade para o mercado de ações.
O mercado de ações não está sempre certo, mas é espantoso quantas mais vezes está certo do que errado.