Carta aos acionistas da Berkshire
No passado dia 25 de fevereiro, Warren Buffett publicou a habitual carta anual aos acionistas da Berkshire Hathaway. Partilhamos abaixo os excertos, na nossa opinião, mais importantes.
Carta aos acionistas da Berkshire
Aos acionistas da Berkshire Hathaway Inc.
O que fazemos
Charlie e eu alocamos as vossas poupanças na Berkshire em duas formas relacionadas de propriedade. Primeiro, investimos em negócios que controlamos, habitualmente comprando 100% de cada um deles. A Berkshire controla a alocação de capital nestas subsidiárias e seleciona os CEO's que tomam as decisões operacionais do dia a dia.
Quando se gerem empresas grandes, a confiança e as regras são essenciais. A Berkshire enfatiza a primeira das duas de uma forma pouco habitual - alguns diriam extrema. As desilusões são inevitáveis. Somos compreensíveis com os erros no negócio; a nossa tolerância para com a má conduta pessoal é zero.
Na nossa segunda categoria de propriedade, compramos ações cotadas através das quais possuímos passivamente fatias de negócios. Mantendo estes negócios, não temos qualquer palavra na gestão. O nosso objetivo, em ambas as formas de propriedade, é fazer investimentos significativos em negócios com características económicas de longo prazo favoráveis e gestores fiáveis.
Por favor, notem com particular atenção que investimos em ações cotadas com base nas nossas expectativas acerca da performance de longo prazo dos seus negócios, e não porque as vemos como veículos para compras e vendas rápidas. Este ponto é crucial: Charlie e eu não escolhemos ações, escolhemos negócios.
Ao longo dos anos, cometi muitos erros. Portanto, a nossa extensa coleção de negócios consiste atualmente de alguma empresas que têm fundamentos económicos verdadeiramente extraordinários, muitas que beneficiam de características económicas muito boas e um enorme grupo que são marginais. Ao longo do caminho, outros negócios em que investi morreram, os seus produtos indesejados pelo público. O capitalismo tem duas faces: o sistema cria uma pilha cada vez maior de perdedores e, simultaneamente, uma fonte jorrante de bens e serviços cada vez melhores. Schumpeter chamou a este fenómeno, "destruição criativa".
Uma vantagem do nosso segmento de empresas cotadas é que - episodicamente - torna-se fácil comprar fatias de negócios maravilhosos a preços maravilhosos. É crucial entender que as ações frequentemente transacionam a preços verdadeiramente estúpidos, tanto para cima como para baixo. Os mercados "eficientes" só existem nos livros universitários. Na verdade, as ações e obrigações cotadas são desconcertantes, com o seu comportamento compreensível apenas em retrospetiva.
Os negócios controlados a 100% são um animal diferente. Por vezes têm preços ridiculamente mais elevados do que o justificariam e quase nunca estão a preços de saldo. Exceto em momentos de graves dificuldades, o dono de uma empresa nem pensa em vender a preços de pânico do mercado.
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Nesta altura, é apropriado fazer uma autoavaliação. Nos 58 anos que estou à frente da Berkshire, a maioria das minhas decisões de alocação de capital não foram melhores que medianas. Nalguns casos, também, más decisões da minha parte foram salvas por enormes doses de sorte. (Lembram-se dos casos USAir e Salomon? Eu lembro-me claramente.)
Os nossos satisfatórios resultados são o produto de cerca de uma dúzia de decisões verdadeiramente boas - isto significa, uma a cada cinco anos - e de uma vantagem muitas vezes esquecida que favorece os investidores de longo prazo como a Berkshire. Vamos dar uma espreitadela por trás da cortina.
A receita secreta
Em agosto de 1994 - sim, 1994 - a Berkshire terminou, ao fim de sete anos, as compras dos 400 milhões de ações da Coca-Cola que temos hoje. O custo total foi de 1,3 biliões do dólares - nessa altura uma quantia significativa na Berkshire.
O dividendo que recebemos da Coke em 1994 foi de 75 milhões de dólares. Em 2022, o dividendo tinha aumentado para 704 milhões de dólares. O crescimento ocorreu todos os anos, tão certo como os aniversários. A única coisa que eu e o Charlie tínhamos de fazer era levantar os cheques dos dividendos trimestrais da Coke. Esperamos que esses cheques continuem a crescer.
A história da American Express é similar. As compras da Amex pela Berkshire terminaram em 1995 e, coincidentemente, o custo total foi também de 1,3 biliões de dólares. Os dividendos anuais recebidos deste investimento cresceram de 41 para 302 milhões de dólares. Estes cheques, também esperamos que continuem a crescer.
Estes ganhos em dividendos, embora agradáveis, estão longe de serem espetaculares. Mas trazem com eles ganhos importantes no preço das ações. No final do ano de 2022, o nosso investimento na Coca-Cola valia 25 biliões de dólares e na Amex 22 biliões de dólares. Cada posição representa cerca de 5% do valor líquido da Berkshire.
Assumam, por um momento, que tinha cometido um erro de magnitude similar nos anos 90, um investimento estagnado que apenas manteve o valor de 1,3 biliões de dólares até 2022. (Um exemplo poderia ser uma obrigação AAA a 30 anos.) Este investimento desapontante representaria agora uns insignificantes 0,3% do valor líquido da Berkshire e entregar-nos-ia uns constantes 80 milhões de dólares de rendimento anual.
A lição para os investidores: As ervas daninhas definham, mas as flores florescem. Com o tempo, bastam apenas alguns vencedores para fazer maravilhas. E, sim, ajuda começar cedo e viver até aos 90.
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Em 2022, ocorreu um pequeno ganho no valor intrínseco por ação devido às recompras de ações na Berkshire assim como devido a movimentos similares na Apple e American Express, ambas posições significativas no nosso portfólio. Na Berkshire, aumentamos diretamente a posição dos nossos acionistas na nossa singular coleção de negócios ao recomprar 1,2% das ações da empresa. Na Apple e Amex, as recompras de ações aumentaram um pouco a posição da Berkshire sem qualquer custo para nós.
A matemática não é complicada: Quando o número de ações diminui, a vossa posição nos nossos inúmeros negócios aumenta. Cada pequeno bocadinho ajuda se as recompras forem feitas a preços que adicionem valor. Se uma empresa paga a mais pelas recompras, os acionistas perdem. Nessas alturas, os ganhos fluem apenas para os acionistas que vendem as ações e para o amistoso, mas dispendioso, banqueiro que recomendou as compras.
Os ganhos conseguidos com as recompras que adicionam valor, devemos enfatizar, beneficiam todos os acionistas - em todos os respeitos. Imaginem três acionistas bem informados de um stand de automóveis, um dos quais gere o negócio. Imaginem também que um dos donos passivos deseja vender a sua cota à empresa a um preço atraente para os restantes dois acionistas. Quando finalizada, esta operação prejudicou alguém? O gestor foi de alguma forma favorecido relativamente aos outros dois acionistas? O público foi prejudicado?
Quando nos dizem que todas as recompras são prejudiciais para todos os acionistas, ou para o país, ou particularmente benéficas para os CEO's, estamos a ouvir alguém economicamente iletrado ou um demagogo com língua de prata (personagens que não são mutuamente exclusivas).
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Tentamos evitar comportamentos que possam resultar em necessidade de dinheiro em alturas inconvenientes, incluindo pânicos financeiros ou perdas de seguros sem precedentes. O nosso CEO será sempre o Chief Risk Officer - uma tarefa que é irresponsável delegar. Adicionalmente, o nosso CEO terá sempre uma parte significativa da fortuna pessoal investida em ações da Berkshire, compradas com o próprio dinheiro. E sim, os nossos acionistas continuarão a poupar e a prosperar com os lucros retidos.
Na Berkshire, não há linha da meta.
Nada bate ter um grande sócio
Charlie e eu pensamos de forma semelhante. Mas, o que me leva a mim um página a explicar, Charlie resume numa frase. Eis alguns dos seus pensamentos:
- O mundo está repleto de jogadores e eles nunca terão tão bons resultados como o investidor paciente.
- Se não vês o mundo da forma que ele é, é como avaliar alguma coisa com uma lente distorcida.
- Só quero saber onde vou morrer para nunca lá ir.
- Escreve o obituário que desejas - e depois comporta-te de acordo com ele.
- Se não te importas se és racional ou não, não vais fazer nada quanto a isso. Vais continuar irracional e conseguir resultados péssimos.
- A paciência pode ser aprendida. Ter a capacidade de nos concentrarmos numa muito tempo é uma vantagem.
- Podemos aprender muito com os mortos. Lê os mortos que admiras e detestas.
- Não fujas num barco a afundar-se se conseguires nadar para um capaz de atravessar oceanos.
- Uma grande empresa continua a trabalhar para ti; uma medíocre não.
- Warren e eu não nos preocupamos com a espuma do mercado. Procuramos bons investimentos a longo prazo e teimosamente mantemo-los em carteira muito tempo.
- Ben Graham disse. "No dia a dia, o mercado de ações é uma máquina de votar; no longo prazo, é uma balança." Se continuares a tornar algo mais valioso, então alguém inteligente vai notar e começar a comprar.
- No investimento, não existem coisas 100% seguras. Assim, o uso de alavancagem é perigoso. Uma fila de números maravilhosos multiplicado por zero será sempre zero. Não contes ficar rico duas vezes.
- Contudo, não tens que ter muita coisa para ficar rico.
- Tens que continuar a aprender se queres ser um grande investidor. Quando o mundo muda, tens que mudar.
- Warren e eu detestámos ações de caminhos de ferro durante décadas, mas o mundo mudou e finalmente o país tinha quatro enormes linhas ferroviárias de importância vital para a economia americana. Fomos lentos a reconhecer a mudança, mas mais vale tarde que nunca.
Finalmente, adiciono duas curtas frases de Charlie que, durante décadas, acabaram com discussões: "Warren, pensa nisso mais um pouco. Tu és esperto e eu tenho razão."