Capitalismo para Realistas
Artigo publicado originalmente na revista digital Shared Future.
Capitalismo para Realistas
Recentemente, fui convidado para um jantar com várias pessoas ricas e poderosas. Isto não é uma coisa normal para mim. Durante os aperitivos, mantive-me silencioso, mas durante o primeiro prato, os meus companheiros de jantar perguntaram-me o que eu fazia.
"Acabei de escrever um livro", respondi.
"Interessante! Qual é o assunto?" perguntaram.
"A forma como o mundo foi dominado pela crença de que a escolha certa em qualquer decisão é aquela que dá mais dinheiro", respondi. "O meu livro conta a história dessa ideia e o que devemos fazer ao invés disso."
Fui saudado por uma miscelânea de expressões. Algumas pessoas aproximaram-se com curiosidade. Algumas afastaram-se aborrecidas. E outras estavam já à procura de outra pessoa para conversar.
"A ideia de que todas as decisões são sobre dinheiro simplesmente não é verdade", respondeu o grupo.
"As empresas pensam no lucro, com certeza. Mas os lucros são o resultado de boas decisões, não a razão para elas."
Nesse momento, juntou-se a nós outra pessoa. Era o CEO de uma empresa de atividades ao ar livre. Não o fundador, mas alguém da firma de private equity que comprou uma participação maioritária. Depois das gentilezas do costume, coloquei-lhe uma questão.
"Se alguém lhe mostrasse que as perspetivas futuras da sua empresa, e do modo de vida que o seu produto torna possível, beneficiariam imenso no longo prazo, se investissem, agora mesmo, na sustentabilidade dos seus produtos, e até em coisas como plantar árvores, contemplariam isso? Consegue imaginar-se a fazer isso?"
As atenções viraram-se na sua direção.
"Eu sei o que está a tentar fazer", disse ele com um sorriso. "Esse não é o objetivo da minha empresa."
Esta resposta não era inesperada. Eu estava a pedir-lhe que considerasse investir recursos financeiros na criação de retornos não financeiros. Qualquer CEO diria não. Não havia ROI (retorno no investimento) financeiro. Ainda assim, coloquei a pergunta novamente.
"Compreendo," disse eu. "Mas o senhor é o CEO de uma empresa que ajuda as pessoas a tirar partido da natureza. Todo o espaço do seu produto poderá desaparecer à medida que as temperaturas aumentam. A coisa mais lucrativa que a sua empresa poderia fazer a longo prazo não seria fazer esses investimentos agora?"
"Compreendo o que está a tentar fazer", disse ele novamente, o sorriso mais apertado desta vez. "Mas o melhor que podemos fazer é dizer às pessoas o que podem fazer por conta própria." E mencionou algumas das instituições de caridade que a sua empresa apoiava.
Não querendo ser rude, deixei cair a conversa. Pouco depois, fiz contato visual com as pessoas que momentos antes haviam debatido comigo o domínio do valor financeiro. Pude ver nos seus olhos que estávamos a pensar na mesma coisa: eis um exemplo real do nosso pensamento limitado sobre valor.
Valor e valores
Embora as palavras sejam basicamente idênticas, pensamos em valor e valores como conceitos distintos. Valor, singular, é o que alguma coisa vale. Valor significa dinheiro. Valor é uma palavra de economia.
Valores, no plural, é o que vale algo para alguém. Valores significam ideais. Valores é uma palavra de humanidades.
Ambas as palavras se relacionam com a bondade ou a importância das coisas, mas diferem na forma como as avaliam. O valor é uma forma de medição. Os valores são uma forma de categorização.
Estamos rodeados por valor económico: preços, ações e outras medidas financeiras.
Estamos também rodeados por valores idealistas, mas de formas menos visíveis: honra, justiça e propósito.
Os valores são um sistema operacional antigo e poderoso. Não compreendemos completamente como funcionam, mas conseguimos sentir a sua influência. Os valores são o que o anjo no nosso ombro nos diz que devemos fazer. São a razão pela qual as escolhas certas - para nós - são o que são. Os valores moldam a pessoa a que aspiramos ser.
Mas, como estas descrições sugerem, os valores não são fáceis de identificar. São ainda mais difíceis de medir.
Este é o problema que a perspetiva económica do valor alivia. Ao contrário de diálogos internos e debates filosóficos sobre valores, o valor na forma de preço é algo que qualquer pessoa consegue compreender. O dinheiro é uma linguagem globalmente relevante. Isto é extremamente conveniente.
A história dos últimos 50 anos é a transição da nossa sociedade de um foco nos valores morais (o que está certo ou errado, o que é significativo) para um foco singular no valor financeiro (maximização, otimização). As nossas escolhas deixaram de ser sobre ideais e passaram a ser sobre dinheiro.
A nossa principal métrica para medir o valor hoje, o produto interno bruto, considera algo valioso só se for gasto dinheiro nisso. O PIB rastreia quanto se gasta, mas não porque é que se gasta. O PIB considera que gastar 1000 dólares numas férias com a família e 1000 dólares num advogado de divórcios é a mesma coisa. Segundo o PIB, o cidadão ideal conduz um SUV, tem um cancro (a quimioterapia pode ser muito positiva para o PIB), está a divorciar-se e come fora todas as noites.
Isto significa também que o único valor que plataformas como a Google ou o Twitter oferecem, segundo o PIB, é a publicidade que vendem. A publicidade direcionada é muito valiosa, mas a disseminação do conhecimento não. (Nem verificá-lo, parte do motivo pelo qual as plataformas não o fazem.) Os piores aspetos dos media sociais são aqueles que o nosso conceito atual de valor define como sendo os seus aspetos mais valiosos.
Nem sempre foi assim. O PIB e o seu antecessor, o PNB (Produto Nacional Bruto), têm menos de 100 anos. Mas, devido ao poder da medição, passamos a acreditar que não existe uma forma superior de valor. Foi assim que o CEO da empresa de atividades ao ar livre ficou ancorado, assim como o resto da sociedade. O que conseguimos medir superou aquilo que não conseguimos medir.
Valores pós-económicos
Se eu tivesse sugerido ao CEO um novo ativo financeiro para securitizar a redução de CO2, uma criptomoeda cujo valor estivesse indexado ao crescimento de florestas protegidas, ou qualquer coisa que prometesse um retorno financeiro, ele poderia ter considerado isso.
Mas, uma vez que eu não estava a oferecer um retorno financeiro, a minha experiência mental estava fora de questão.
A sociedade ocidental atual gira à volta da crença que o valor financeiro é a única forma racional de valor e que a melhor aplicação do valor financeiro é utilizá-lo para fazer mais. Embora sejam metas racionais e importantes, esta perspetiva limitada impede-nos também de ver todas as diferentes formas de avaliação que existem.
A economista Mariana Mazzucatto defende, nos seus excelentes livros O Estado Empreendedor e O Valor de Tudo, que a forma como pensamos sobre o valor está completamente errada. Usamos palavras como "custo" e "caridade" em vez de uma palavra mais apropriada como "investimento" para descrever as despesas do governo porque temos dificuldade em compreender o valor não financeiro. Se encarássemos as despesas do governo como um investimento em valores coletivos como a segurança, o conhecimento, a qualidade de vida, coesão social, progresso científico e assim por diante, seria mais fácil reconhecer os seus benefícios. Ao invés, tratamos os valores não financeiros como se não tivessem valor.
Estamos a viver hoje as consequências disto.
O mercado de ações está em máximos e a esperança de vida nos EUA está a cair. Na nação mais rica da era mais rica da história da humanidade, 43% dos americanos não conseguem pagar as contas. Muitos dos nossos problemas sociais mais significativos também são, não por acaso, indústrias extremamente lucrativas (combustíveis fósseis, comida pouco saudável, medicamentos e prisões com fins lucrativos, por exemplo). Mais crescimento financeiro não resolverá estas coisas. Precisamos de expandir os nossos "painéis de controlo" para incluir valores não financeiros - tais como emissões de CO2, o bem-estar de uma pessoa e a conexão social - para que possamos tentar resolvê-los.
Imagine que o valor existe num espectro que vai de valores pessoais/racionais, como propósito e honestidade de um lado, passando por valores coletivos/racionais que não são medidos, como comunidade e justiça no centro, a valores medidos como valor financeiro na outra extremidade do espectro.
Para mover um valor do lado pessoal do espectro de valores para o lado racional, temos que o definir. Para criar um impacto máximo para esse valor, também podemos ter que aprender como o medir. Este é o caminho do valor financeiro.
A transição para um mundo pós-capitalista significa expandir o "nosso painel de controlo" coletivo para além do valor puramente financeiro (o "capital" no capitalismo) para incluir também outros valores. O valor financeiro não é o único valor racional que pode ser definido e aumentado - é simplesmente o primeiro. Outros valores (plural) também podem transitar para valor (singular).
No livro de que falei aos meus companheiros de jantar, conto a história de como Adele utilizou um algoritmo que mede a lealdade dos seus fãs para distribuir bilhetes para o seu espetáculo e evitar que os intermediários façam subir os preços.
Adele equilibrou o valor financeiro utilizando uma medida que se aproximava de outro valor, neste caso a lealdade. Um valor do lado esquerdo do espectro de valores foi deslocado para a direita. A abordagem de Adele não era anticapitalista, era pós-capitalista. Os espetáculos de Adele tiveram lucro e, simultaneamente, foram otimizados para um valor não financeiro.
Num mundo pós-capitalista, o valor financeiro continuaria a ser um componente importante na tomada de decisões. Não seria simplesmente a consideração essencial, como o é hoje.
Este seria um mundo onde o CEO da empresa de atividades ao ar livre (e todos os outros CEOs) se sentiria confortável ao investir valor financeiro para criar valor não financeiro.
Isto não aconteceria pelo facto de todos adotarem o mesmo conjunto de valores. Aconteceria através da definição de novos valores, através da medição de um ROI não financeiro e pela demonstração de que as decisões baseadas em todo o espectro de valores são o que produzirá os resultados que são verdadeiramente do nosso interesse.
O guru dos negócios Peter Drucker previu surpreendentemente que uma sociedade pós-capitalista chegaria por volta de 2020, no seu livro de 1993, Sociedade Pós-Capitalista:
"A nova sociedade - e já cá está - é uma sociedade pós-capitalista. Esta nova sociedade utilizará certamente o mercado livre como o único mecanismo com provas dadas de integração económica. Não será uma "sociedade anticapitalista". Nem mesmo uma "sociedade não capitalista". As instituições do capitalismo sobreviverão, embora algumas, como os bancos, poderão desempenhar papéis bastante diferentes. Mas o centro de gravidade da sociedade pós-capitalista - a sua estrutura, a sua dinâmica social e económica, as suas classes sociais e os seus problemas sociais - é diferente daquele que dominou os últimos duzentos e cinquenta anos."
O pós-capitalismo não é anticapitalista ou não capitalista. O capital ainda é extremamente importante. Mas a nossa energia está concentrada no crescimento de outros valores para além do capital, e não apenas do próprio capital.
No livro Sapiens: Uma Breve História da Humanidade, Yuval Noah Harari escreve sobre o momento em que os primeiros humanos aprenderam a cultivar o trigo e se transformaram de caçadores-recoletores em agricultores. Estes primeiros humanos acreditavam que tinham domesticado o trigo, escreveu Harari. Mas, na realidade, o trigo é que os domesticou. Daí em diante, uma enorme quantidade de energia humana foi canalizada para o cultivo do trigo. Fizemos tudo o que o trigo queria que fizéssemos.
É o mesmo com o dinheiro. Acreditamos que a riqueza significa que dominamos o dinheiro, mas, na realidade, o dinheiro é que nos dominou. Vivemos num universo de potencial infinito, mas permitimos que o ROI financeiro defina os limites do que é possível. A boa notícia é que, embora a crença na maximização financeira domine o mundo hoje, não o fará para sempre.
A mudança para um futuro pós-económico já começou.