As coisas mudam
Artigo publicado originalmente no blog The Better Letter
É fácil não perceber o quão as coisas mudam ao longo do tempo. Não deverá ser surpresa para ninguém que Warren Buffett tem um mecanismos para “ver” este fenómeno com mais clareza. É o seu exercício de pensamento crítico preferido. Quando se conheceram, no fim de semana do 4 de julho de 1991, Buffett apresentou este mecanismos a Bill Gates.
“Nesse primeiro dia, (Buffett) apresentou-me um exercício analítico intrigante”, afirmou Gates. “Ele escolhe um ano – por exemplo, 1970 – e verifica quais são as 10 empresas com maior capitalização bolsista. Depois avança até 1990 e analisa o comportamento dessas empresas. O entusiasmo de Buffett por este exercício era contagioso.”
Este exercício é produtivo porque, parafraseando Theodor Reik, a história não se repete, mas frequentemente rima.
A ideia é simples, como notou Gates. Escolhemos um ano e consideramos as 10 maiores empresas por capitalização bolsista. Depois olhamos para o “futuro” e vemos como a lista muda ao longo dos anos para detetar tendências emergentes, analisar o que mudou e o que se manteve estável e como esta informação pode ter impacto na nossa tese de investimento. Podemos ver como evoluiu o ranking de 1980 a 2020:
Comecei a conduzir em 1972. A gasolina custava 36 cêntimos por galão (um galão são 3,78541 litros – a gasolina custava, portanto, 9,51 cêntimos por litro). Sim, é verdade. A crise petrolífera instigada pela OPEP chegou depressa, com inflação galopante, preços a subir fracos retornos no mercado acionista e longas filas na bombas de combustível. Em 1908, o preço de um galão de gasolina disparou para 1,19, uma subida de mais de três vezes.
Nesse ano, o S&P500 era dominado por empresas petrolíferas. Dada a dimensão dos aumentos de preço, não era surpreendente.
O lista top 10 do S&P500 incluía seis petrolíferas: Exxon, Standard Oil of Indiana, Shell, Standard Oil of California, Mobil e Atlantic Richfield. Também incluía a Schlumberger, uma empresa de serviços petrolíferos. Sete em dez. 1980, no entanto, viu o pico no preço do petróleo: 35 dólares por barril. Isto é o equivalente a 124 dólares por barril em 2024. Em jeito de comparação, o petróleo fechou 2024 a 74,69 dólares por barril, uma queda de 3,6% face aos 77,50 dólares do início do ano. Em 1990, apenas a Exxon e a Shell se mantinham no top 10.
Juntamente com a Exxon e Shell, a IBM, GE e AT&T permaneciam no top 10 em 1990. IBM manteve o lugar cimeiro, enquanto que a GE saltava do décimo para terceiro. Uma AT&T muito mais pequena também marcava presença, mas caiu do segundo lugar para nono após o spin-off de sete empresas regionais (as Baby Bells) na sequência da resolução do processo anti monopólio levado a cabo pelo governo federal. Os novos membros incluíam empresas de consumo como a Coca-Cola e Philip Morris, farmacêuticas como a Bristol-Myers Squibb e Merck, e a Walmart, que impulsionava o retalho americano.
Quatro das empresas do top 10 de 1990 ainda lá se encontravam em 2000. A GE ultrapassou a Exxon para alcançar o primeiro lugar e a petrolífera (que comprou a Mobil em 1998 naquela que foi a maior fusão até então) manteve o segundo lugar. Walmarta subiu de oitavo para sexto, enquanto que a AT&T caiu de sétimo para nono.
A GE era um colosso diversificado, rotulada como industrial, mas na verdade era predominantemente financeira. A bolha dot-com estava a esvaziar. A Microsoft de Gates, a Cisco e a Intel marcavam presença, mas com cerca de metade dos seus máximos de capitalização bolsista anteriores. A lista de 1999 incluía estes três, mais a Lucent, a IBM e a AOL. A Walmart estava no topo do mundo do retalho, levando as pequenas lojas familiares à falência em todo o país. As farmacêuticas mantiveram-se fortes, com a Pfizer a entrar na lista em terceiro lugar e a Merck a manter-se nos dez primeiros (caiu do sexto para o oitavo lugar, mas aumentou a sua quota no índice de 1,6 para 1,8 por cento). Duas grandes financeiras entraram na lista pela primeira vez: Citigroup e AIG.
A IBM liderou a lista em 1980 e 1990, mas, em 2000, já estava completamente fora. A gigante dos computadores mainframe começou a enfrentar dificuldades no final da década de 80, marcadas por perdas substanciais, que ultrapassaram os oito biliões de dólares, em 1993. A IBM perdeu o contato com os seus clientes, desperdiçou a sua liderança tecnológica e falhou a revolução do computador pessoal.
Também fora da lista em 2000: Philip Morris (ainda lucrativa devido aos mercados internacionais, mas o tabaco era cada vez mais um pária social nos EUA), Shell (a Exxon era a única empresa petrolífera restante no top dez, mas tinha-se fundido com a Chevron no ano anterior), Bristol-Myers Squibb, AT&T (enfrentando a concorrência de empresas como a MCI e a Sprint), e a Coca-Cola (depois de atingir o pico no número dois em 1996, começou a perder quota de mercado para a água engarrafada, sumos e outras bebidas não gaseificadas).
Em 2000, a Exxon e a GE eram as únicas empresas da lista de 1980 que ainda restavam.
O período de dez anos entre 2000 e 2009 é conhecido por ser a "década perdida" para as ações dos EUA, que enfrentaram grandes quedas no virar do século (o "crash tecnológico") e a Grande Crise Financeira de 2008-09. De janeiro de 2000 a dezembro de 2009, o S&P 500 perdeu 0,72% ao ano, incluindo dividendos.
Em 2010, a Exxon mantinha-se em primeiro lugar (os preços do petróleo dispararam nos dez anos anteriores), a Microsoft subiu para terceiro, a GE caiu para quinto e a Walmart permaneceu em sexto, mas apenas a Exxon aumentou significativamente o seu valor de mercado (o da Microsoft ficou praticamente estável; os da GE e do Walmart caíram). A Chevron, que era conhecida como Standard Oil of California, voltou ao top 10, na oitava posição. A IBM, em nono, também regressou. Os nomes totalmente novos foram Apple, a Berkshire Hathaway de Buffett, a Google (agora Alphabet) e a Proctor & Gamble. Pfizer, Cisco, Citigroup, AIG, Merck e Intel saíram do top 10. O Citigroup e a AIG quase implodiram completamente durante a Grande Crise Financeira.
Em 2008, o preço das ações do Citigroup caiu quase 80%. A AIG caiu mais de 90%. Ambos foram resgatados pelo governo dos EUA.
O crescimento da Exxon e o regresso da Chevron foram largamente justificados pela "revolução energética" da América e (principalmente) pelo enorme aumento dos preços mundiais do petróleo. De facto, a energia foi o setor de mercado com melhor desempenho de 2000 a 2015. Do setor da tecnologia, o top 10 incluiu quatro nomes, incluindo a entrada da Apple (o primeiro iPhone foi anunciado por Steve Jobs, em 9 de janeiro de 2007) e da Google (que entrou em bolsa apenas em 2004). O regresso da IBM foi impulsionado pelo crescimento dos lucros, pelo aumento dos dividendos e pela recompra de ações a preços reduzidos.
Todos os membros do top 10 de 1990, tinham desaparecido da lista em 2010.
O top 10 de 2020 é fortemente tecnológico. A Apple, impulsionada por produtos de qualidade, pela grande participação acionista de Buffett (comprou as primeiras ações em 2016 e aumentou substancialmente a posição em 2020) e por clientes muito fiéis, liderou a lista. Microsoft, Amazon, Facebook (agora Meta), Tesla e Alphabet (A e C) ocupam os lugares de 2 a 7. Berkshire Hathaway, Johnson & Johnson e JPMorgan Chase completam a lista. Amazon, Facebook, Tesla, J&J e Chase são novos na lista; a Alphabet (empresa-mãe da Google) adicionou uma segunda classe de ações à lista; Exxon, GE, WMT, Chevron, IBM e P&G saíram.
Apenas a Microsoft permaneceu da lista de 2000.
Na alvorada de 2025, Apple, Microsoft, Meta, Tesla, Alphabet A e C e Berkshire Hathaway permanecem entre as dez maiores capitalizações bolsistas ações. A Nvidia era a nova grande gigante. A Broadcom também estava agora na lista. A JPMorgan caiu para 11º. A Exxon está em 14º. Walmart, P&G e J&J estavam entre os 25 primeiros. Veremos o que 2030, e mais além, nos trará.
O que podemos aprender com este exercício ou, pelo menos, do que nos devemos recordar? Eis dez observações para lançar a discussão:
1. É difícil manter a liderança.
2. A economia importa. Muitas vezes, muito.
3. O S&P 500 regista uma rotatividade surpreendente. Metade do top 10 parece mudar a cada década. Desde 1980, e durante o período médio de 10 anos, aproximadamente um terço das empresas do S&P 500 mudaram. A velocidade destas mudanças está a aumentar. A permanência média das empresas no S&P 500, no final da década de 70, era de 30 a 35 anos. Nesta década provavelmente diminuirá para 15 a 20 anos.
4. A América já não é a potência industrial que costumava ser. Quando aprendi a conduzir, as empresas industriais representavam cerca de um terço do S&P 500. Estas empresas representam hoje cerca de um sétimo do índice (ainda que, recentemente, após décadas de declínio, se tenha verificado alguma recuperação).
5. O crescimento da tecnologia explodiu. Quando aprendi a conduzir, só havia 16 empresas de Tecnologia de Informação no S&P 500, o segundo menor número de qualquer setor. Hoje, esse número é quatro vezes superior.
6. Não conseguimos ver isto no top 10, mas ninguém ficará surpreendido com as mudanças drásticas que vemos no retalho tradicional. Durante a pandemia, uma série de retalhistas veneráveis, como Nordstrom, Macy's, Kohl's e Tiffany & Co., saíram do S&P 500. A Amazon, por seu lado, entrou.
7. A política e a lei têm grandes impactos (veja, por exemplo, a AT&T).
8. As mudanças nos costumes sociais importam (veja, por exemplo, a Philip Morris).
9. As mudanças nos gostos importam (veja, por exemplo, a Coca-Cola). A adaptabilidade é crucial.
10. A inteligência artificial (por exemplo, Nvidia) e as tecnologias limpas (por exemplo, Tesla) continuam a ser setores a merecer atenção.