A Qualidade Revela-se
Artigo publicado originalmente no site citywire.co.uk
A Qualidade Revela-se
À medida que o mercado de ações dos EUA continua a subir após o crash do coronavírus, cada vez mais atenção tem sido dada às avaliações das ações de grande crescimento que impulsionaram a recuperação. Segundo a Bloomberg, antes do sell off nas empresas tecnológicas de ontem, a Amazon estava a transacionar com um rácio de preço / lucro (PER) de 134 vezes, a Netflix com um PER de 83 e a Apple com um comparativamente modesto PER de 40.
"Há um grande debate no universo de investimento sobre se as ações de qualidade ou de crescimento do tipo que as Faangs [Facebook, Apple, Amazon, Netflix e Google] representam, e que temos no nosso portfólio, estão sobrevalorizadas e em território de bolha ", disse Terry Smith, com classificação AA da Citywire, fundador da Fundsmith e gestor do fundo Fundsmith Equity. Smith prestou estas declarações, esta semana, no webinar do Nedgroup Investments Multi-Manager Insights, na África do Sul.
O corolário desta preocupação em torno da valorização das ações de crescimento é que as ações de valor estão incrivelmente esmagadas. Segundo algumas métricas, o fosso entre crescimento e valor nunca foi tão amplo. Para alguns, isso sinaliza uma significativa reversão à média.
Compreender o Valor
Smith destacou, no entanto, que é importante ter em mente aquilo que Benjamin Graham defendeu como investimento em valor: comprar empresas que estão a transacionar abaixo do seu valor intrínseco. No ambiente atual, isto não é tão fácil como identificar PER's ou valores contabilísticos baixos.
"Isto é essencial", declarou Smith. 'Falamos de alguns bancos que transacionam abaixo do seu valor contabilístico, por exemplo, mas se os seus retornos são inferiores ao seu custo de capital, eles têm que estar a transacionar a estes preços."
Na sua opinião, múltiplos baixos não significam uma tradução automática para valor.
O Valor da Qualidade
A abordagem da Fundsmith, ao invés disso, tem sido investir em empresas de qualidade com retornos elevados nos capitais investidos, margens fortes, bons cash flows e modelos de negócios defensivos. Smith observou que, em 2012, já havia opiniões convictas neste sentido de que estes tipos de ações eram caras e uma reversão para a média estaria na calha.
"Se tivéssemos seguido esse conselho, teríamos empobrecido", disse Smith, "Isto não quer dizer que esse dia não chegará. O problema é que, no ambiente atual, é fácil assustarmo-nos com a valorização das ações de qualidade."
Smith realça, no entanto que é importante reconhecer que PER's elevados não levam necessariamente a maus resultados futuros.
Lições da história
A Fundsmith levou a cabo um exercício no qual analisou 25 ações de qualidade e o que um investidor teria pago por uma taxa composta de crescimento anual (CAGR) de 7%, entre 1973 e 2019. No mesmo período, o MSCI World Index teve um retorno anualizado de 6,2%.
Por um CAGR de 7% da L'Oreal, um investidor poderia ter pago 281 vezes o lucro. Para a Colgate, teria sido 156, e para a Brown-Forman, a empresa dona do whiskey Jack Daniels, teria sido 147.
"Desde que tenhamos paciência, estas ações de qualidade tendem a produzir o tipo de desempenho no longo prazo que faz com que a sua avaliação (no momento da compra) se torne insignificante", disse Smith.
Lições da história recente
Num exercício semelhante, a Fundsmith analisou uma carteira de cinco ações de valor que estavam a transacionar com PER's relativamente baixos no início de 2015 e cinco ações de crescimento com PER's relativamente altos.
Para um investidor preocupado com as avaliações, estas duas carteiras teriam representado uma dura escolha há cinco anos e meio. Com base nos seus lucros históricos, parecia muito claro onde residia a maior oportunidade.
"O problema é que os lucros do primeiro grupo desapareceram - em três casos, literalmente", notou Smith. "Pelo contrário, nas ações de alto crescimento, verificaram-se aumentos enormes nos lucros - na ordem das centenas e milhares por cento."
O que aconteceu nestes dois grupos de ações foi tão significativo que "o crescimento se tornou valor, mas o valor não".
"Essa queda nos lucros das ações de valor significa que se olharmos para elas no final de agosto, elas tornaram-se muito caras", disse Smith. "Os lucros caíram muito mais depressa do que o preço das ações."
"Em contrapartida, se olharmos para trás ao que estávamos a pagar pelas ações de crescimento, o PER futuro delas - que é aquilo em que temos de basear a nossa decisão, embora não tenhamos a clareza do passado - era, na realidade, muito baixo.
As cinco ações de valor neste exemplo caíram 45% desde o início de 2015. As cinco ações de crescimento subiram 800%.
Risco de inflação
"Dito isto, e embora eu não goste particularmente de generalizar, estou a chegar à de que o que pode fazer a diferença nalgum ponto é se a inflação regressar", disse Smith.
Isto porque a inflação tem um efeito diferencial - tem um impacto mais negativo sobre os ativos de longo prazo, como são as ações de qualidade.
"Estas empresas serão adversamente afetadas e não tenho dúvidas de que, eventualmente, isto vai acontecer", disse Smith. Nessa altura, as ações de valor podem ter o seu dia, ou até mesmo o seu ano, ao sol. Mas, no longo prazo, a qualidade supera o valor."
Olhando para 34 anos de dados para o índice MSCI Quality World, Smith realça que nunca houve um período de 10 anos em que este índice não superasse o índice MSCI World.
"Se for um investidor de longo prazo", disse Smith, "a qualidade revela-se sempre".