Sortudo versus Repetível
Artigo publicado originalmente no blog Collaborative Fund em 7 de abril de 2024
A sorte desempenha um papel muito importante no mundo. Mas é difícil falar disso. Se eu digo que alguém teve sorte, pareço invejoso. Se eu digo que eu tive sorte, sinto-me diminuído.
Uma melhor forma de enquadrar a sorte é perguntar: o que é repetível?
A sorte implica eventos aleatórios que não conseguimos prever. Oque não é repetível é diferente. O Jeff Bezos teve sorte quando criou a Amazon? Obviamente, não no mesmo sentido de alguém que ganha a lotaria. Bezos foi visionário e ambicioso e sábio, como poucas vezes se vê num século.
Mas será que Bezos, começando hoje, sem dinheiro ou fama, conseguiria criar um novo negócio de vários triliões a partir do nada?
Talvez, mas provavelmente não. Há tantas coisas que ajudaram a Amazon a tornar-se o que é hoje que não podem ser replicadas – o crescimento da Internet, condições de mercado, concorrentes antiquados, política, regulação, etc. Bezos foi extremamente hábil de uma forma que não pode ser confundida com sorte. Mas muito do que fez não é repetível. Estes pontos não são contraditórios.
É muito importante saber a diferença entre os dois quando tentamos aprender com alguém. O que nós queremos é tentar emular características que sejam repetíveis. Tentar copiar as partes do sucesso de alguém que não são repetíveis é o equivalente do homem com 56 anos que se veste como um adolescente e acha que é cool.
Existe uma lei na evolução chamada Lei da Irreversibilidade de Dollo que afirma que quando uma espécie perde uma determinada característica, nunca mais a recupera porque o caminho evolucionário que lhe “deu” essa característica era tão complexo que não pode ser replicado. Digamos, por exemplo, que um animal tem chifres e que, com a evolução, os perdeu. A probabilidade que evolua para ter chifres novamente é zero, porque o caminho evolucionário que originalmente lhe deu chifres era demasiado complexo – milhões de anos de seleção debaixo de condições ambientais e concorrências específicas que não se repetirão no futuro. Não podemos dizer que estes processos evolucionários são sorte – eles surgiram devido a forças muito específicas. Não podemos é esperar que essas forças se repitam exatamente como aconteceram no passado.
Muitas coisas funcionam desta forma.
Nos negócios e no investimento, queremos aprender as grandes lições: como as coisas se comportam da forma que o fazem sem assumir que o passado é um guia direto para o futuro, porque não o é – a maior parte dos detalhes não são repetíveis. A História é o estudo da mudança – ironicamente é utilizada como um mapa do futuro.
Jason Zweig, do Wall Street Journal, já escreveu sobre o que acontece quando se tenta aprender uma lição muito específica e não-repetível, em vez de prestar atenção à lição mais abrangente e bastante repetível:
“(Após o crash das dot-com), a lição que as pessoas aprenderam não foi “Não devo especular em ativos financeiros sobrevalorizados”. O que as pessoas aprenderam foi “Não devo especular em ações de Internet”. E, por isso, as mesmas pessoas que perderam 90% ou mais do seu dinheiro a fazer day-trading em ações de internet acabaram a comprar e vender casas em meados dos anos 2000 e perderam outra vez. É muito perigoso aprender lições “estreitas”.”
O grande benefício de perguntar “isto é repetível?” é que nos começamos a concentrar nas coisas que eu e o leitor – pessoas leigas comuns –temos uma hipótese de conseguir repetir.
Podemos aprender muito com a paciência de Warren Buffett. Mas não conseguimos replicar o ambiente de mercado dos anos 50. Por isso, devemos ter cuidado em copiar as estratégias específicas que Buffett utilizou nessa altura.
Podemos aprender muito com John D. Rockefeller acerca da importância de controlar a distribuição. Mas não podemos replicar o sistema legal do séc. XX que lhe permitiu esmagar a concorrência. Não nos deixemos, portanto, entusiasmar com isto.
Elon Musk pode ensinar-nos muito sobre correr riscos e o poder das marcas, mas muito menos sobre competir na indústria automóvel.
Jeff Bezos pode ensinar-nos muito sobre gestão e sobre pensar no longo prazo, mas muito menos sobre e-commerce e cloud computing.
A forma de termos mais sorte é encontrar o que é repetível.