Que efeito terá o coronavírus nos portfólios?
Este artigo, da autoria de Nick Maggiulli, foi originalmente publicado a 11 fevereiro de 2020 no seu blogue "Of Dollars and Data".
Uma análise histórica das epidemias e retornos do mercado
O coronavírus está a espalhar-se pelo globo. Com mais e 1000 mortos e mais de 43000 infetados em 28 países, esta epidemia está a causar um pânico global.
Milhares de voos foram já cancelados na China, o Departamento de Estado Americano aconselhou os cidadãos a não viajarem para a região e um dos primeiros médicos a soar o alarme faleceu recentemente infetado pelo vírus.
Uma vez que não sou epidemiologista, não opinarei quanto à justificação ou não deste nível de pânico. Poderei, no entanto, discutir como o seu portfólio poderá ser afetado pelo coronavírus. Obviamente não sabemos o futuro, mas podemos tentar aprender com o passado. Por exemplo, se olharmos para a forma como os mercados reagiram a epidemias anteriores, o que vemos?
Yun Li, da CNBC, escreveu recentemente um artigo onde tenta responder a esta questão:
"Olhando para os últimos 20 anos, as epidemias anteriores, desde o SARS em 2003 ao Ébola de há seis anos, causaram quedas no S&P500 de 6% a 13% ao longo de períodos de tempo diferentes, segundo o Citi."
Sendo assim, devemos esperar que o coronavírus provoque uma queda de 6% a 13%, certo? Calma...
Após ler o artigo com mais atenção, aparentemente o Citi "escolheu" os períodos temporais de cada epidemia que melhor se encaixassem na sua narrativa. Por exemplo, consideraram fevereiro de 2014 como o fim da epidemia de Ébola embora o pico no número de casos se tivesse verificado apenas oito meses mais tarde, em outubro de 2014:
Este pico nos casos de Ébola coincide de facto com uma queda de 7% no S&P500, mas que rapidamente recuperou:
O estudo do Citi considerou também o fim da epidemia de Zika na altura da queda dos mercados do início de 2016, embora o número de casos de Zika tivesse continuado a aumentar ao longo de 2016.
Compreendo que é muito difícil mostrar um nexo de causalidade entre um evento no mundo real e movimentos no mercado, mas se o pretendemos fazer, devemos ser extremamente cautelosos na seleção dos períodos a analisar.
Por esse motivo, este artigo irá investigar o impacto de uma epidemia nos mercados olhando para os retornos que ocorreram imediatamente antes e depois do pico da epidemia. Obviamente isto não prova que o mercado reagiu apenas devido à epidemia, mas poderá fornecer uma imagem mais clara do que análises anteriores.
Ébola
Para começar, regressemos ao Ébola. Abaixo, pode ver um gráfico com o número total de casos de Ébola registados na África Ocidental. O período pré-pico está colorido a vermelho (representando incerteza/medo) e o pós-pico a verde (recuperação):
Obviamente, em tempo real ninguém sabe que o pico é o pico (este é o privilégio de conhecermos o passado), mas assumamos que as pessoas tinham algum entendimento de que as coisas estavam a melhorar.
Podemos então utilizar esta "estrutura" para analisar os retornos verificados imediatamente antes e depois do pico do Ébola. O gráfico seguinte ilustra o S&P500 sobreposto ao número de casos de Ébola (com a mesma coloração pré e pós pico).
Tal como dito anteriormente, os mercados caíram mesmo antes do pico do Ébola, mas recuperaram rapidamente. Nesta instância, o impacto foi apenas temporário.
SARS
Podemos utilizar a mesma estrutura para avaliar o impacto do SARS nos mercados mundiais.
Abaixo, o gráfico da Organização Mundial de Saúde com os casos a nível global de SARS (com a mesma coloração pré e pós pico, mencionada anteriormente):
E uma vez mais podemo-nos questionar como se comportou o S&P500 no pico do SARS:
Neste caso, o início dos casos de SARS coincidiu com uma queda de 10% nos mercados ao longo de três meses. Esta queda, no entanto, reverteu a direção ainda antes do pico do número de casos de SARS. Se olharmos para o MSCI Emerging Markets (EM), vemos uma história semelhante:
Tal como no Ébola, a queda nos mercados relacionada com o SARS inverteu-se num curto espaço de tempo e seguiu-se uma recuperação.
Gripe Suína
A última epidemia moderna que analisámos é a Gripe Suína de 2009:
Infelizmente, a relação entre o pico da Gripe Suína e os mercados é a mais fraca de entre as epidemias modernas:
Como podemos constatar, o mercado caiu imediatamente após o pico na Gripe Suína, mas essa queda é a menor vemos até agora e, também, dura pouco tempo. Os mercados emergentes reagiram de forma semelhante.
No total, as três epidemias modernas discutidas aqui (Ébola, SARS e Gripe Suína) coincidiram todas com quedas menores nos mercados acionistas mundiais (-5% a -10%) que rapidamente recuperaram. Note que este intervalo é ligeiramente menor que o intervalo de -6% a -13% do estudo do Citi citado anteriormente, apesar de eu ter tentado "escolher" os máximos e os mínimos dos mercados locais para tentar encaixar na narrativa do Citi.
Qualquer desvio desta estratégia de "escolha seletiva" dos máximos e mínimos faz com que os resultados sejam ainda menos relevantes. Por exemplo, dados do Dow Jones Market mostram que em 11 de 12 epidemias analisadas, o S&P500 estava positivo 6 meses depois do primeiro caso ter sido reportado.
Assim, se assumirmos que o coronavírus será semelhante, em mortalidade, ao Ébola, SARS ou Gripe Suína, então não nos devemos preocupar com o impacto de longo prazo no nosso portfólio.
Mas, já sei no que o leitor está a pensar, e se o coronavírus acaba por ser pior que estas epidemias modernas?
Um dos argumentos que justifica as quedas nos mercados durantes surtos virais é que os participantes nos mercados estão a antecipar o agravamento dos resultados. Se o coronavírus significar uma crise existencial para a humanidade, não terão os mercados que cair ainda mais?
Infelizmente (ou talvez não), dado o número limitado de epidemias a que assistimos nos tempos modernos, não temos muitos dados para uma resposta conclusiva. Temos, no entanto, uma pandemia que se encaixa no perfil. A Gripe Espanhola.
Gripe Espanhola
Ao contrário das outras epidemias nesta lista, a Gripe Espanhola foi uma assassina global. Entre 1918 e 1920, infetou mais de 500 milhões de pessoas (cerca de 27% da população mundial da altura) e matou mais de 50 milhões.
É difícil imaginar estes números tendo em conta que o Ébola e a Gripe Suína mataram cerca de 12 mil pessoas cada e que o SARS matou menos de 1000 pessoas.
Este gráfico mostra as mortes per capita no Reino Unido enquanto o vírus estava ativo:
Sobrepondo a mesma coloração com o Dow Jones durante este período, podemos verificar que o mercado caiu cerca de 10% pouco depois do pico:
No entanto, ao contrário das epidemias modernas, o mercado manteve-se deprimido durante vários meses após o pico.
Isto sugere que os participantes do mercado estariam convencidos que as coisas poderiam piorar. Ou, também é possível que os preços deprimidos não tivessem nada a ver com a Gripe Espanhola. Não podemos ter a certeza.
Atentem, no entanto, neste pormenor. Uma pandemia global que matou 3% da população do planeta causou uma queda nos mercados de apenas 10% ao longo de um período de 4 meses.
Este é um resultado estonteante. O pior vírus desde a peste negra e os mercados sofrem um declínio normal? Nunca teria adivinhado.
É muito pouco provável que o coronavírus venha a aproximar-se da catástrofe da Gripe Espanhola dados os avanços na medicina registados ao longo do último século. Isto não significa, no entanto, que os custos económicos serão menores.
Na realidade, deverão ser superiores dada a adoção de medidas preventivas mais alargadas para impedir a disseminação do vírus. Cancelar dezenas de milhares de voos para o país mais populoso do mundo é apenas um exemplo desta realidade.
Podemos especular o quanto quisermos, mas ninguém sabe o que vai acontecer. Se a história é um guia, o coronavírus provavelmente causará um pequeno recuo temporário.
Mas, assim que as coisas começarem a melhorar, o mercado recuperará das perdas e retomará o crescimento. Será evitada outra crise e a humanidade continuará a avançar.
O que quer que aconteça, mantenha-se seguro e obrigado por ler o meu artigo!