Search
Artigo publicado originalmente na ULisboa, Revista da Universidade de Lisboa
O nosso receio acerca do que esta tecnologia possa vir a ser, considerando a rapidez com que tem evoluído, manifesta-se de formas mais ou menos subtis, como contestar o nome que lhe é dado: «inteligência». Mário Figueiredo discorda do uso deste conceito, argumentando que ainda não se chegou, sequer, a uma definição consensual do que é a inteligência humana, dada a complexidade de fatores que a constituem. Como alternativa, propõe artificial learning, «aprendizagem artificial», que junta termos de dois conceitos: machine learning e artificial intelligence. Conta-nos que quem trabalha nesta área adere à máxima cunhada por Alan Turing no artigo sobre a máquina homónima que criou, e da qual diz: «Se um computador me enganar e eu não o conseguir distinguir de um humano, então merece que eu o chame de inteligente.» O uso do verbo «merecer» permite escapar a uma definição perentória de «inteligência» e do que tal atributo implica; permite que se saia airosamente da questão com: «Quando a vejo [à inteligência], reconheço-a.»
«Há aspetos em que as máquinas são muito melhores do que nós; a capacidade que estes modelos têm de processar e, sobretudo, de comunicar dados para o exterior é muito superior à nossa.» André Martins
Como podemos então definir IA? Isabel Gorjão Henriques, jornalista do Público, escreveu um artigo em 2006, ano comemorativo do 50.º aniversário da IA, e sintetizou-a do seguinte modo: «A inteligência artificial distancia-se da informática porque usa linguagens de programação diferentes, que deixam em aberto um espaço para que a máquina possa aprender. Não são programas fechados, determinísticos como os que se usam habitualmente nos computadores, em que uma ordem corresponde a uma resposta.
São programas que procuram imitar o comportamento humano [e as suas capacidades cognitivas] e que, por isso, têm de ser bastante flexíveis. Imitam as pessoas, por exemplo, na sua capacidade de falar, de entender uma língua ou decifrar uma imagem.» André Martins concorda com esta definição, que qualifica de «uma definição com os pés na terra, que descreve o que já se consegue fazer». De uma máquina de IA pode de facto dizer-se que tem a capacidade de aprender: «Na IA predominam métodos que aprendem formas de gerar ou prever dados parecidos a partir de uma série de dados produzidos por humanos. Chama-se a isto aprendizagem automática, ou machine learning. O desafio é melhorar o desempenho à medida que mais dados estão disponíveis. O conjunto de tarefas que para os humanos são aborrecidas, monótonas, repetitivas, e que as máquinas conseguem fazer, é cada vez maior.»
André Martins não levanta objeção ao uso do conceito de inteligência no caso da IA, mas sublinha uma diferença crucial: «A inteligência humana resulta de um processo de evolução com biliões de anos. Desenvolveu-se com objetivos concretos: a sobrevivência da espécie, a capacidade de reprodução. Esses elementos estão ausentes nos sistemas de IA existentes até ao momento.» Ainda não é possível, garante Mário Figueiredo, fazer com que uma máquina se mova, veja, escute, cheire, e integre todas as informações que está a receber em simultâneo, como um ser humano; o que falta é a integração no meio ambiente. A criação de comunidades foi decisiva na evolução da inteligência humana, na medida em que obrigou ao desenvolvimento de ferramentas de interpretação essenciais: «É necessária uma inteligência sofisticada para lidarmos com pessoas. Precisamos de saber que têmcaracterísticas e personalidades diferentes, saber o que estão a pensar, como vão agir. Precisamos de construir um modelo do que nos rodeia e antecipar cenários futuros.» Os sistemas de IA não evoluem desta forma porque ainda não foi encontrada uma maneira de os colocar em interação com o meio.
Oficialmente nascida no ano de 1956, em Dartmouth, numa conferência em que John McCarthy, matemático e engenheiro informático, firmou o seu nome, a IA passou por fases de descrença na sua continuidade. Na década de 1950, um otimismo acerca da sua evolução era explosivo – afirmava-se que dentro de dez anos seria possível construir uma máquina em tudo semelhante ao ser humano. O interesse esmoreceu quando tal não se verificou, e só voltou a surgir noinício dos anos 1990, com os expert systems. Tratavam-se de sistemas usados em áreas díspares, da banca à medicina, em que especialistas da área de conhecimento criavam uma série de regras com que as máquinas pudessem ser programadas. Houve, contudo, um entrave: «É frequente um especialista ser muito bom a tomar decisões nesse assunto, mas, se lhe pedirem para dizer ou escrever o que sabe e os raciocínios que faz para chegar a determinadas conclusões, não consegue. Passar esse conhecimento para dentro das máquinas era o busílis da questão.» A IA passou então pelo chamado segundo inverno, debelado ainda no final dessa mesma década com o desenvolvimento de machine learning, a automatização do processo de passagem de conhecimento para as máquinas.
A semelhança entre os sistemas de IA e os seres humanos não é uma coincidência, considerando que processam triliões de dados gerados por pessoas e são sistemas treinados para nos imitarem. O ChatGPT, por exemplo, leu uma quantidade de informação que demoraria a um ser humano cinco mil anos a ler, se o fizesse durante as 24 horas do dia, ininterruptamente; e leu-a em todas as línguas. O GoZero derrotou o campeão mundial – humano – do jogo de Go porque simulou dez milhões de jogos; uma pessoa, se jogasse todos os dias, conseguiria chegar aos dez a quinze mil jogos numa vida inteira. Neste sentido, André Martins não hesita em afirmar que «há aspetos em que as máquinas são muito melhores do que nós; a capacidade que estes modelos têm de processar e, sobretudo, de comunicar dados para o exterior é muito superior à nossa. Podem copiar uma quantidade muito grande de informação, e eu posso fazer uma cópia de um modelo de IA, mas não consigo fazer uma cópia dos nossos cérebros».
Nenhum sistema de IA possui aquilo a que se chama consciência. Quando nenhuma pergunta é colocada ao ChatGPT, o sistema não está a ter uma vida interior, ao contrário dos seres humanos. Mário Figueiredo recupera uma expressão antiga e diz-nos: «As máquinas não matutam! [Risos] O que não quer dizer que não venham a fazê-lo.» A IA também não tem emoções, mas pode ser programada no sentido de as emular. «Conseguimos programar emoções», diz-nos André Martins, «se treinarmos em dados em que os humanos têm determinado tipo de emoção. Mas a génese dessas emoções é diferente. No ser humano, estão ligadas à sobrevivência: se ouvir um rugido de um tigre, tenho de fugir porque a minha vida está em perigo, tenho a emoção de medo.»
A IA simula o resultado da experiência de seres humanos, mas não tem experiência própria. São sistemas treinados numa quantidade enorme de dados de modo a prever a próxima palavra que ocorre num texto, de acordo com o contexto criado pelas palavras precedentes. «O ChatGPT está sempre a ser afinado, refinado», explicaMário Figueiredo; «o seu treino é desenhado para enganar os seres humanos. O sistema viu milhares de exemplos do que uma pessoa teria escolhido para a palavra seguinte e está a tentar copiar isso.» Todas as respostas enunciadas pelo ChatGPT são automatizadas; são «uma conta muito complicada, mas apenas uma conta».
Não tendo emoções, a IA desperta emoções em nós; somos capazes de nos relacionarmos emocionalmente com ela devido a uma característica humana denominada deteção de agência hiperativa – a atribuição de agência, ou intencionalidade, ao que nos rodeia. Mário Figueiredo lembra os Tamagotchi do final da década de 1990, os primeiros «animais domésticos» digitais, e da facilidade com que os seus filhos ficavam convencidos de que «o Tamagotchi estava com fome, ou triste; nós vemos duas pintas e um risco e é uma cara. Ou podemos irritar-nos com um objeto».
Se a IA está cada vez mais a aproximar-se das nossas capacidades cognitivas e, em muitos casos, até a superá-las, está também, ao mesmo tempo, a sublinhar o que nos distingue de uma máquina, acentuando o que é exclusivamente humano. As emoções e a consciência parecem ser duas das qualidades humanas em que esta diferença é indiscutível. Mas o mesmo se passará com a criatividade? Com a capacidade humana para escrever, compor, desenhar e criar imagens? Estarão os sistemas de IA a aproximar-se do nosso potencial criativo? Em que circunstâncias? Com que resultados?
Em 2016, a pintura tridimensional Edmond de Belamy, gerada com base em informação recolhida sobre o pintor holandês Rembrandt, rendeu 432 500 dólares num leilão em Nova Iorque. Era a primeira obra de arte totalmente produzida por um sistema de IA. Nessa altura, os meios de programação eram ainda inacessíveis ao artista comum. Hoje, sete anos depois, já todos temos acesso a diversos programas que permitem criar várias peças: no Botnik podemos compilar e combinar textos e ainda gerar novos capítulos; no Dall-e e no Midjourney podemos criar imagens a partir de simples descrições textuais. E tudo em segundos.
André Martins explica que os sistemas existentes são sobretudo eficazes a criar peças que imitam a técnica e o género específicos de um autor, criando imagens, textos ou desenhos ao estilo de muitos artistas. O investigador reconhece a mudança que estes sistemas causarão no processo criativo, mas não deixa de sublinhar que as máquinas nunca substituirão os artistas: os programas apenas funcionam como instrumentos que ajudam a criar. Mário Figueiredo diz-nos que, na arte, o que é verdadeiramente valorizado não é a peça por si só, mas o seu significado, recordando os movimentos artísticos conceptuais do século xx: «Quando Marcel Duchamp decidiu virar um urinol ao contrário e designá-lo arte, fez um salto criativo que uma máquina não pode fazer.»
Além disso, Mário Figueiredo recorda-nos que muitas das fotografias tiradas por humanos têm uma relevância histórica: «Na fotografia, sobretudo no fotojornalismo, também se valoriza a história por trás da imagem. Uma fotografia de raparigas afegãs, ou de refugiados a desembarcar na Europa, tem um significado e um valor emocional muito fortes. Mais do que serem fotografias bem tiradas, tecnicamente bem conseguidas, são fotografias com significado histórico que uma máquina nunca produzirá.» Mas como é que a máquina cria a fotografia, se esta, pela virtude do que é, ontologicamente, consiste num enquadramento de um instante da realidade? André Martins explica: «O sistema não sabe como são tiradas as fotografias, não sabe que se usam máquinas fotográficas e que estas captam algo do mundo real. O sistema trata as fotografias como imagens. Cria uma composição coerente a partir de uma base de dados gigantesca que também contempla imagens fotográficas.» A fotografia e a imagem fotográfica criada a partir de um sistema de IA são por isso criações distintas, pela forma como são geradas, mas não restam dúvidas de que os resultados são semelhantes e muitas vezes indiscerníveis.
A história mais curiosa aconteceu recentemente num concurso de fotografia. O fotógrafo alemão Boris Eldagsen concorreu aos prémios Sony World Photography Awards com uma imagem criada por um sistema de IA. Quando soube que tinha vencido, recusou o prémio, revelando que não se tratava de uma fotografia, mas de uma imagem desenvolvida com a ajuda de IA. Se Eldagsen não tivesse revelado o facto, alguém duvidaria de que se tratava de uma fotografia real? Esta é uma situação que comprova a eficiência destes programas, ao mesmo tempo que percebemos que o resultado é facilmente confundível com uma fotografia verdadeira. Será que os sistemas de IA dificultarão, no futuro, a distinção entre peças produzidas por humanos e máquinas? E, mais preocupante, entre conteúdos verdadeiros e falsos?
Muito se tem especulado sobre as possíveis consequências negativas da utilização destes sistemas. «Os padrões que conseguimos identificar como falsos vão desaparecer», comenta André Martins, «será mais difícil percebermos, de forma superficial, se uma coisa é real ou falsa». Não está, no entanto, pessimista em relação a este problema, e diz-nos que, se hoje já conseguimos mais facilmente identificar um email de fishing ou spam, também desenvolveremos modos de distinguir de uma forma mais fina o falso do verdadeiro. Acredita que as gerações futuras terão mais espírito crítico e mais ferramentas para detetar o que é falso.
Numa perspetiva menos vantajosa, ou mais pessimista, Mário Figueiredo refere que os sistemas de IA podem beliscar a nossa capacidade para pensar. Diz-nos que no século XIX se valorizava uma pessoa capaz de desenhar bem, sobretudo nas ciências e biologia, mas que tal hoje se tornou irrelevante, dado que as competências necessárias ao desempenho de várias tarefas, muita delas manuais, vão mudando à medida que novas tecnologias surgem. Faz referência a um artigo de André Barata, professor de filosofia da Universidade da Beira Interior, que caracteriza a IA como uma pequena machadada no ego dos seres humanos, na medida em que nos pode retirar a excecionalidade do pensamento, da inteligência e da capacidade de raciocínio. Comenta que é o que sentimos quando uma máquina derrota um campeão de xadrez, ou quando percebemos que escrever um poema já não é um reduto exclusivo dos seres humanos.
«Quando Marcel Duchamp decidiu virar um urinol ao contrário e designá-lo arte, fez um salto criativo que uma máquina não pode fazer.» Mário Figueiredo
Se as máquinas estão a equiparar-se ou mesmo a ultrapassar em muitos aspetos as competências humanas, assistiremos ao desaparecimento de algumas profissões? Mário Figueiredo acredita que sim, apesar de pensar que as mais difíceis de substituir são as que requerem um nível elevado de interação humana, como no caso dos enfermeiros, que, mais do que os médicos, dificilmente serão trocados pelas máquinas. No âmbito das profissões que podem vir a decrescer, André Martins dá o exemplo dos radiologistas. Explica que as máquinas conseguem, melhor do que os humanos, encontrar padrões nas imagens. Não têm intuição, baseada em experiência e interação com pacientes, mas são mais eficientes na análise das imagens, ajudando a produzir diagnósticos mais rigorosos. Ainda neste âmbito, Mário Figueiredo dá-nos o exemplo do diagnóstico do cancro da pele: «Para a máquina, nunca é “aborrecido” ver centenas de sinais e é mais difícil que lhe escape um que seja potencialmente cancerígeno.» É por isso previsível que as profissões que vivem do processamento cognitivo de informação percetual, ou seja, que precisem de usar conhecimento para tomar decisões com base na perceção, sejam mais facilmente substituídas por estes sistemas.
No panorama científico, a IA tem-se revelado cada vez mais útil. Não existe nenhuma área na ciência que use dados em que estes sistemas não sejam proficientes, sobretudo quando é necessário analisar de uma forma sofisticada. Os sistemas de IA podem facilmente e de modo mais eficaz traduzir documentos antigos, restaurar imagens, analisar partituras com notação antiga e convertê-la para notação moderna, entre tantas outras tarefas morosas e repetitivas. Por outro lado, a IA tem também um enorme potencial para acelerar descobertas científicas, como nos diz André Martins: «Ajuda a produzir ciência. Não vai substituir os cientistas, mas é um instrumento que os vai ajudar a desenvolver as suas investigações.» No seguimento deste pensamento, Mário Figueiredo conclui: «As máquinas podem até propor equações matemáticas para tentar explicar certos fenómenos. Depois, os humanos têm de olhar para o que a máquina “propõe” e ver se faz sentido, mas poupa imenso trabalho ao cientista porque lança uma quantidade de hipóteses, todas elas razoavelmente boas explicações para aquele fenómeno. Não há áreas científicas, mesmo nas humanidades, em que os sistemas de IA não sejam úteis.»
Para escrevermos este texto não usámos nenhum sistema de IA, nem qualquer interação com o ChatGPT. Talvez o futuro nos reserve outras formas e meios de produzir a Revista ULisboa, mas, por enquanto, persistimos em falar com as pessoas, colocando perguntas e hipóteses que se vão desenvolvendo nas nossas mentes, ainda que cada vez mais embrenhadas nos sistemas artificiais de inteligência.
Nos anos 80 do século passado, o SRI International, um instituto de investigação nascido na universidade de Stanford, desenvolveu um protótipo de robot de cirurgia que captou a atenção do Departamento da Defesa norte-americano, interessado em desenvolver um sistema que permitisse aos cirurgiões operar remotamente soldados feridos em frente de batalha. Em 1995, três quadros da indústria de equipamentos médicos (Frederic Moll, Robert Younge e John Freund) adquiriram a propriedade intelectual desse projeto e fundaram a Intuitive Surgical. Cinco anos mais tarde era lançado comercialmente o Da Vinci, um robot que permite a um cirurgião operar sentado numa consola e manipulando um conjunto de braços mecânicos que controlam a câmara e os instrumentos utilizados na intervenção, introduzidos no corpo do paciente por pequenas incisões. Em vez do esforço físico associado a uma cirurgia tradicional, o cirurgião trabalha como se estivesse num jogo de vídeo, beneficiando de um sistema de visualização avançado, elevada precisão e capacidade de alcançar os locais mais recônditos da anatomia humana. Idealizado para a cirurgia cardíaca, o robot rapidamente se revelou mais eficaz noutro tipo de cirurgia: a prostatectomia, a remoção parcial ou total da próstata. A capacidade de manobrar os instrumentos numa zona altamente sensível revelaram-se determinantes e hoje em dia mais de 95% das prostatectomias realizadas nos EUA utilizam meios robóticos.
Ao longo dos anos, o robot Da Vinci tem recebido aprovação das autoridades médicas para ser utilizado em vários tipos de intervenções desde cirurgia geral até urologia, ginecologia, cardiotorácica e cabeça e pescoço. O sistema permite aos cirurgiões operar com um nível de visão, precisão, controlo e conforto acima da laparoscopia tradicional e traz vantagens para os pacientes ao reduzir a perda de sangue durante a cirurgia, os tempos de hospitalização e as taxas de complicações. Em muitas especialidades, a redução dos períodos e custos de hospitalização permite registar poupanças significativas que já compensam o custo do robot de cirurgia, mesmo em comparação a uma cirurgia laparoscópica, que já é muito menos invasiva que a cirurgia aberta tradicional.
Crescimento da Intuitive Surgical
Com o sucesso do Da Vinci, a Intuitive rapidamente se tornou a líder incontestada da cirurgia robótica, tendo uma quota de mercado superior a 90% em cirurgias robóticas de tecidos moles. Esse sucesso está espelhado no crescimento dos volumes de cirurgias realizadas com o robot Da Vinci, que evoluíram a uma taxa anual de 15% ao longo da última década. Em 2022, realizaram-se quase 2 milhões de procedimentos com aquele robot e este número não vai ficar por aqui: no primeiro semestre de 2023, o crescimento está inclusivamente a acelerar, com mais 24% de cirurgias realizadas que no primeiro semestre de 2022.
Este crescimento tem-se projetado cada vez mais na área internacional. Os EUA ainda representam cerca de 70% dos procedimentos, mas é noutros países que se tem registado o maior crescimento. As taxas de penetração do robot na Europa ainda são muito inferiores ao que se observa nos EUA. A capacidade financeira de muitos sistemas públicos de saúde é limitada e um robot de cirurgia requer um investimento de capital considerável (o custo médio do robot ronda 1,4 milhões de dólares), mas a própria Intuitive está a desenvolver soluções para esse problema financeiro: o leasing operacional, em que o elevado investimento inicial é substituído por um sistema de rendas mensais, já representa cerca de metade das colocações de novos equipamentos.
O crescimento do volume de procedimentos é particularmente relevante porque é a principal variável para a formação de receitas da Intuitive. Cerca de metade das vendas da empresa são realizadas através dos instrumentos e consumíveis utilizados nas cirurgias, o que aproxima o modelo de negócio do modelo “razor and blades” (colocar os equipamentos a baixo custo e ganhar dinheiro através dos consumíveis necessários à sua utilização). Por isso, a Intuitive tem crescido as receitas a 15% nos últimos 5 anos, ostentando margens operacionais ajustadas que se têm aproximado dos 40%, o que lhe permite ter uma elevada geração de cash flow e um retorno sobre o capital investido excecional.
Este sucesso atrai concorrentes. Duas das maiores empresas de equipamentos médicos, a Medtronic e a Johnson & Johnson, têm projetos de robots de cirurgia para competir com a Intuitive. A Medtronic já lançou inclusivamente o seu robot, o Hugo. A Johnson & Johnson deverá lançar o Ottava em 2024. Mas ambas as empresas têm um atraso de cerca de 20 anos que não é fácil de recuperar. Enquanto se realizam as primeiras cirurgias no Hugo, a Intuitive já acumulou um capital de experiência de mais de 12 milhões de cirurgias e a empresa não está parada. Continua a investir uma parte considerável do seu cash flow em R&D: gastou em investigação cerca de 14% das vendas em 2022, quase 900 milhões de dólares, o que lhe deverá permitir continuar a desenvolver as capacidades e competências do sistema. E também está a desenvolver novos sistemas. Em 2019, lançou o Ion, um sistema endoluminal que utiliza uma plataforma robótica para a execução de biópsias pulmonares, entrando na área de diagnósticos médicos.
Custos de mudança
A Intuitive detém uma série de patentes (4 300 concedidas e 2 100 pendentes) que protegem a propriedade intelectual associada aos seus sistemas cirúrgicos. Mas um dos seus ativos mais importantes é a base instalada de mais de 8 000 robots e os mais de 60 000 cirurgiões com formação no Da Vinci. O sistema tornou-se o padrão da cirurgia robótica, permite aos cirurgiões operar numa posição confortável, com um sistema de visão melhorado e elimina os tremores que aparecem com a idade. E os cirurgiões que já usam o Da Vinci têm uma enorme relutância em trocar para outra plataforma: a habituação a uma determinada configuração e o tempo necessário para aprender a trabalhar com outro equipamento, num ambiente crítico em que está a vida de um paciente em causa, constituem um elemento tremendo de resistência à mudança. Há mesmo o caso de cirurgiões que têm relutância em mudar quando a Intuitive atualiza a plataforma, querendo evitar as pequenas alterações de configuração do sistema. Além disso, todos os anos saem da universidade milhares de cirurgiões já treinados no sistema Da Vinci e que nem sequer querem fazer formação em laparoscopia (algo que lhes vai levar até 5 anos). Esta familiaridade com o sistema acaba por elevar uma barreira à mudança que defende a Intuitive dos seus concorrentes, fortalecendo a sua vantagem competitiva.
Inteligência artificial
No segundo trimestre de 2023, a Intuitive iniciou o lançamento do CASE Insights, uma ferramenta que opera com o sistema Da Vinci e com dados hospitalares para construir modelos de Inteligência Artificial que encontrem correlações entre técnicas cirúrgicas, populações de pacientes e resultados cirúrgicos. A incorporação deste tipo de modelos vai alargar as vantagens da cirurgia robótica face às opções de cirurgia aberta e de laparoscopia. Já se perspetiva uma série de inovações que vão fazer evoluir a sala de cirurgia para um novo patamar. O sistema pode vir a identificar estruturas anatómicas automaticamente, emitir alertas consoante a evolução da cirurgia, automatizar a configuração do equipamento consoante o tipo de cirurgias ou até mesmo realizar algumas tarefas simples de forma autónoma. Também aqui a Intuitive parte com uma vantagem destacada, devido à experiência acumulada que ultrapassa largamente os seus concorrentes e que lhe permitirá estar na vanguarda destes desenvolvimentos.
Conclusão
A Intuitive tem um potencial de crescimento considerável devido ao aumento da penetração do sistema Da Vinci nas especialidades já existentes, conquistando terreno à cirurgia aberta e à laparoscopia, em particular na área internacional. Além disso, a empresa deverá beneficiar do alargamento do sistema a novos tipos de cirurgia e do desenvolvimento de novas funcionalidades com base na inteligência artificial. Tem uma invejável saúde financeira, com uma posição de tesouraria líquida de quase 7 mil milhões de dólares e gera mais de mil milhões de Free Cash Flow por ano. Quase 80% das receitas são recorrentes (instrumentação, consumíveis e serviços de manutenção) e deverão continuar a crescer fortemente ao longo da próxima década à medida que cresce a base instalada e as taxas de utilização dos robots de cirurgia. Tem à sua frente uma equipa de gestão que tem conduzido a empresa de forma excecional, tanto na vertente tecnológica como na vertente financeira. É, por isso, uma empresa que cumpre os pilares de investimento que consideramos essenciais: avenidas de crescimento indiscutíveis, vantagens competitivas sólidas e gestores de excelência.
Braga acolhe a única gestora de patrimónios fora de Lisboa e Porto, dirigida por Emília Vieira e Cândida Rodrigues. A maior carteira sob gestão vale 6 milhões de euros.
Se tivesse de escrever na pedra um decálogo para investidores, Emília Vieira escolheria como primeiro mandamento um dos sábios conselhos de Warren Buffett: "Seja ganancioso quando os outros têm medo e tenha medo quando os outros são gananciosos."
Há um ano, após uma carreira de sete anos em praças internacionais e a experiência de ter fundado uma loja da corretora Fincor, Emília Vieira colocou a cidade de Braga no mapa da gestão de fortunas com a abertura da Casa de Investimentos - Gestão de Patrimónios (CI). A sociedade é a única das 12 que operam no país instalada numa cidade da "província", fora de Lisboa e Porto. Neste projecto, a professora de Finanças da Universidade Católica surge associada a uma bracarense, Cândida Rodrigues (com um percurso de 25 anos na banca comercial) conferindo à CI um cariz marcadamente feminino.
Na CI, há duas regras básicas. A primeira, "não perder dinheiro", a segunda, "nunca esquecer a primeira". No ano em que o Sporting de Braga se estreava na liga milionária, Emília e Cândida entravam na alta roda das fortunas, após quatro anos a aguardar a aprovação da sociedade.
O ambiente recessivo e a ressaca de casos dolorosos como o BPN e BPP, com forte presença no Minho, tornou a aventura mais estimulante e o desafio mais exigente. A vantagem desta era de incertezas é que os aforradores despertaram para o risco de aplicações, como depósitos bancários ou obrigações do Estado, tidas no passado como seguras. "É mais conservador aplicar dinheiro em ações de empresas sólidas do que ser credor de algumas empresas públicas", diz Emília. Um seu cliente perguntou-lhe se devia dormir descansado em cima de um lote de obrigações da empresa do Metro do Porto. Afinal, tudo tem risco, nadda está garantido. Neste cenário, é mais fácil seduzir os aforradores para as ações. E, mesmo quem prefere depósitos a prazo, beneficia de ter uma gestora que sabe em cada momento o banco que melhor remunera os depósitos.
O segredo está na compra
Valorizar uma carteira "é tão simples como fazer dieta: é preciso disciplina para resistir ao circo diário dos mercados e pôr em prática a receita teórica". E depende de um segredo simples: comprar barato, "abaixo do valor intrínseco da empresa". O preço de compra "tem que ser tão atrativo que até com uma venda normal se alcance os resultados pretendidos", diz Emília.
Na base do modelo de avaliação da CI há um conceito chave: moat (fosso), uma forma de medir a vantagem competitiva da companhia pelo fosso que a separa dos concorrentes. A escolha recai em negócios com provas dadas, empresas com marcas fortes, balanços sólidos que se revelam máquinas de resultados e um histórico de remuneração dos acionistas. Johnson & Johnson, Microsoft, Pfizer ou Wells Fargo são alguns dos exemplos que surgem nas carteiras geridas pela CI. A CI segue mais de 100 empresas de todo o mundo, mas aposta num grupo restrito de 10 ou 12, quando o preço se torna sedutor. Há um ano, arriscou na Exxon Mobil (60,12 dólares por ação) que, fustigada por más notícias, caíra excessivamente em bolsa. Em fevereiro, o preço de mercado atingiu o valor calculado pela CI e venderam o lote (85,90). Na mesma altura, compraram Well Fargo na casa dos 25 dólares. Uns meses depois o banco atingiu os 32 dólares, mas permaneceu em carteira. Depois, desvalorizou e voltou aos 26 dólares. Estas oscilações em nada perturbam a equipa de Emília que desdenha do frenesim diário dos mercados com a calma olímpica de Warren Buffett. Wells Fargo só é para vender quando atingir os 42 dólares.
Um dia, Emília sossegou o pai, um pequeno comerciante de Vieira do Minho, que, sugestionado pelos filmes, a imaginava a esbracejar desesperada no fervilhante mundo bolsista. Explicou-lhe que o seu trabalho era fácil e nada stressante. Consistia em comprar uma fatia de uma empresa quando o seu preço estivesse baixo e depois vender pelo valor justo. "Mas isso é muito simples. Andaste tu a estudar estes anos todos para isso?", replicou o pai, desiludido.
O mérito do mercado acionista vê-se no longo prazo. Quem, em 1926, antes do crash, aplicou 1 dólar em ações terá hoje uma pequena fortuna (16 mil) que bate largamente as aplicações em dívida americana (93) ou depósitos a prazo (21).
Emília ilustra a virtude, com o fabuloso caso da senhora que, em 1962, aplicou 1000 dólares no conglomerado agroalimentar Altria Group. Os herdeiros, em 2006, foram brindados com um punhado de 262 mil dólares. Sorte de principiante? Não se sabe. Mas numa estratégia de investimento não há espaço para a sorte, tudo é calculado e medido ao cêntimo, antes de "selecionar o negócio".
Neste primeiro ano de atividade, a rendibilidade da CI está nos 21%, rivalizando com o desempenho anualizado da holding Berkshire Hathaway (21,5%) de Warren Buffett. Superou a meta dos 100 clientes e ambiciona tornar-se uma referência nacional na gestão de carteiras. Afinal, o mercado bolsista "está cheio de indivíduos que sabem o preço de tudo, mas não sabem o valor de nada".
Portugal é o sexto país do mundo com maior taxa de empreendedorismo feminino, à frente de Espanha, Austrália e Reino Unido
Elas são donas de uma em cada três empresas
Na véspera do Dia Internacional da Mulher, um estudo internacional sobre empreendedorismo traz boas notícias: Portugal é o 6º melhor país do Mundo para o empreendedorismo feminino, à frente de países como Espanha, Austrália ou Reino Unido. A percentagem de mulheres que detêm um negócio - um em cada três, em Portugal -, as condições de apoio ao empreendedorismo e a disponibilidade de conhecimento e recursos financeiros foram as áreas avaliadas pela Mastercard, em 57 países de cinco continentes, representantes de 78,6% da força de trabalho feminina em todo o Mundo.
A Nova Zelândia manteve o lugar cimeiro neste ranking, com 74,2 pontos; em 2º lugar, está a Suécia com 71,3 pontos; em 3º, o Canadá, com 70,9 pontos; em 4º, os Estados Unidos, com 70,8 pontos; e Singapura em 5º, com 69,2 pontos, a escassa distância dos 69,1 pontos de Portugal. Este índice revela que as mulheres empreendedoras têm tido mais sucesso em economias mais ricas e desenvolvidas, tal como na Nova Zelândia, na Suécia ou em Portugal, onde as pontuações relativas ao progresso, conhecimento e acesso financeiro das mulheres são mais elevadas. Mas também sublinha as exceções de economias com rendimento médio-baixo, como as Filipinas ou o Vietname, que surpreendem com pontuações acima do esperado. Enquanto, no Gana, a necessidade dita um número excecionalmente elevado de mulheres empreendedoras, apesar de menos acesso a conhecimento ou recursos financeiros, noutros países extremamente ricos e com 100% de mulheres com cursos superiores, como os Emirados Árabes, são raras as mulheres empreendedoras.
As barreiras ao progresso dos negócios das mulheres acabam por ser, todavia, semelhantes em todo o Mundo: a descriminação de género, que inclui a falta de aceitação social, e a falta de recursos de negócios (financeiros, capital, formação e desenvolvimento) são os fatores que mais frequentemente levam à descontinuidade do negócio das mulheres.
"A desigualdade de género continua a ser o principal obstáculo ao empreendedorismo das mulheres. Esperamos que estas conclusões possam constituir um alerta atempado para que os governos e organizações reforcem o apoio ao desenvolvimento de uma maior inclusão financeira e acesso à educação para mulheres empresárias e trabalhadoras", rematou Ann Cairns, presidente de Mercados Internacionais da Mastercard.
Finanças: Num mundo de fato e gravata, CEO da Casa de Investimentos usa saia
Chefiar homens ou mulheres é indiferente para Emília Vieira, cofundadora e CEO da Casa de Investimentos, a única gestora de patrimónios portuguesa localizada em Braga. A especialista em Finanças gere cerca de uma centena de milhão de euros, num mundo ainda dominado pelos fatos e gravatas masculinos. "As mulheres têm uma capacidade especial para gerir dinheiro e há muitos estudos que o dizem. Warren Buffet costuma dizer que investe como uma mulher (com cautela), começa por dizer a gestora, que não abdica de ser mulher e mãe de dois filhos que apoia de perto.
"Mas, mais do que o género, deve ser a capacidade de trabalho, a honestidade, o empenho e o talento com que conseguimos fazer o nosso trabalho que deve pesar", completa. Enquanto responsável pela gestão de recursos humanos da empresa, nota que os preconceitos chegam a ser maiores entre as mulheres:
Há demasiadas mulheres que autoimpõem limitações e também somos nós que temos de vencer barreiras, nos negócios, na política e na cultura.
-- Emília Vieira
A Casa de Investimentos nasceu em 2010, porque Emília Vieira queria "ter a liberdade de poder fazer a coisa certa" e os dois outros sócios são homens (um deles marido). "Temos uma equipa extraordinária de homens", assegura. "Decidimos que seria eu a CEO por causa da minha carreira internacional, que projeta mais facilmente a empresa, mas trabalhamos em equipa, remata.
Ligações Úteis
O que nos impede de tomar decisões racionais de investimento? Porque é que o medo e a ganância dominam a nossa actuação? Como diz Benjamim Graham, o principal problema do investidor -- e talvez o seu pior inimigo -- é ele próprio
Tal como perder peso, investir é simples, mas não é fácil. Há apenas duas formas de perder peso: comer menos e fazer mais exercício. No entanto, tal revela-se muito difícil num mundo cheio de bolos de chocolate, de batatas fritas, de bons assados ou bons vinhos.
A tentação está em todo o lado. A chave para investir com sucesso também é simples: comprar bons ativos, que produzam rendimentos, quando estão baratos e mantê-los; diversificar apenas o essencial e manter os custos de transação baixos. Infelizmente este conceito tão simples não é facilmente aplicável pelos investidores que todos os dias são bombardeados com a ideia "fique rico depressa", avisos para saírem do mercado (ou entrarem) antes que seja demasiado tarde e comentadores de televisão que gritam dicas de investimento como se tivessem a roupa interior a arder. Os investidores são muitas vezes "forçados" a tomar decisões motivados pelo medo ou pela ganância.
Este ambiente de sobrecarga sensorial seria o suficiente para impedir que o investidor aplique esta receita tão simples. Mas um obstáculo maior bloqueia o seu caminho. Nos últimos 40 anos, neurocientistas e psicólogos têm estudado o nosso processo de tomada de decisões, o que nos condiciona como seres humanos e porque fazemos muitas vezes as escolhas erradas ao longo da vida.
O que era considerado como as fundações das finanças -- Efficient Market Hypothesis (Teoria dos Mercados Eficientes), Capital Asset Pricing Model (Modelo de Avaliação de Ativos Financeiros) e Modern Portfolio Theory (Teoria Moderna de Portefólios) -- pressupõe que os investidores são racionais e que, por isso, tomam as decisões sempre no seu melhor interesse. A história financeira, no entanto, está recheada de exemplos que contradizem estas teorias. Basta recordar todas as bolhas e crashes que tiveram lugar nos últimos anos.
As finanças comportamentais pretendem ser uma resposta a estes dilemas. Compreendendo a forma como tomamos decisões de consumo e investimento, podemos criar o nosso próprio processo sistemático que nos conduza à tomada de decisões corretas.
Psicólogos e neurocientistas descobriram duas características que são particularmente relevantes na tomada de decisões. A primeira, é que estamos programados para o curto prazo: o ser humano tende a considerar a possibilidade de ganhos no curto prazo extremamente atrativa. Estes ganhos estimulam os centros emocionais do cérebro e libertam dopamina. Isto torna-nos mais confiantes, estimulados e, de uma forma geral, satisfeitos connosco próprios. A segunda, é a nossa tendência para adotar comportamentos de rebanho: a dor da exclusão social (por exemplo, comprar quando todos estão a vender ou vice-versa) é sentida nas mesmas partes do cérebro que sentem a dor física real. Adotar estratégias de investimentos contrárias é, portanto, um pouco como sermos espancados.
A evidência que tem sido coligida em inúmeros estudos mostra que todos nós, como seres humanos, somos afetados por desafios comportamentais -- vieses mentais -- que condicionam o nosso processo de tomada de decisões racionais.
Da savana africana à era digital
Porque sofremos estes vieses que tanto nos condicionam na tomada de melhores decisões? Como qualquer outra característica da nossa existência, os nossos cérebros foram, e continuam a ser, refinados por um processo de evolução que ocorre a um ritmo glacial. Os nossos cérebros estão perfeitamente adaptados para o ambiente que enfrentávamos há 150 mil anos (a savana africana). Estão menos preparados para a revolução industrial de há 300 anos e talvez ainda menos preparados para a era digital em que vivemos hoje. Por outras palavras, as nossas mentes estão preparadas para resolver os problemas relacionados com a sobrevivência e não estão ainda otimizadas para decisões de investimento. O resultado desta herança é que todos nós, sem exceção, cometemos estes erros.
Os cientistas sugerem que o melhor método para entender como o nosso cérebro funciona é imaginar que temos dois sistemas diferentes instalados nas nossas mentes: o sistema X e o sistema C.
O sistema X é essencialmente a emoção na tomada de decisões. O sistema X é a opção automática. Toda a informação passa pelo sistema X para processamento e não exige qualquer esforço. As conclusões tiradas pelo sistema X são, geralmente, baseadas em aspetos como a semelhança, familiaridade e proximidade temporal. Estes atalhos mentais permitem ao sistema X lidar com imensas quantidades de informação simultaneamente. O sistema X é um sistema de "satisfação" rápido e pouco sofisticado que tenta dar respostas aproximadamente (e não exatamente) corretas. Para que o sistema X acredite que algo é válido, pode muito simplesmente desejar que assim o seja.
O sistema C requer um esforço deliberado e tenta resolver os problemas através de uma abordagem lógica e dedutiva. Contudo, como qualquer processo lógico, verifica a informação passo a passo de uma forma lenta e em série. Para que o sistema C acredite em algo, precisa de provas.
Todos gostamos de acreditar que o nosso sistema C controla as nossas tomadas de decisão. A realidade é que o sistema X controla muito mais as nossas ações do que estamos dispostos a admitir. De facto, muito frequentemente acabamos por confiar na nossa reação emocional inicial e só ocasionalmente recorremos ao sistema C para rever a nossa decisão. Por exemplo, quando tropeçamos numa pedra, insultamos o objeto inanimado apesar de ele não ter responsabilidade alguma pelo nosso erro. Ainda assim, o sistema X, segundo conclusões de António Damásio, é indispensável à tomada de decisões. Sem emoção, o ser humano fica paralisado perante os desafios.
Neurocientistas descobriram que as partes do nosso cérebro associadas com o sistema X são muito mais antigas do que as partes associadas com o sistema C. Quer isto dizer que a necessidade da emoção evoluiu mais cedo do que a necessidade da razão. Imagine que estamos a visitar um jardim zoológico. Ao passar pela jaula dos leões, um leão salta na nossa direção; imediatamente damos um salto para trás. O sistema X reagiu para salvaguardar a nossa segurança. De facto, um sinal foi gerado assim que o nosso cérebro se apercebeu do movimento do leão. Este sinal foi enviado por dois caminhos -- pelo sistema X que enviou a informação diretamente para a amígdala cerebelosa (o centro do cérebro para medo e risco) que reage com rapidez e força o nosso corpo a saltar para trás. A segunda parte do sinal é enviada para o sistema C que processa a informação de uma forma mais consciente, avaliando a ameaça potencial. O sistema C recorda que existem barras de metal que nos separam do leão. Mas, entretanto, já saltámos para trás. A emoção ganha à razão.
O que tem isto que ver com finanças?
Em que circunstâncias somos mais suscetíveis a deixar rédea solta ao sistema X? Segundo a neurociência e a psicologia há um conjunto de situações em que isto acontece: quando o problema é mal estruturado e complexo, quando a informação disponível é incompleta, ambígua e está em permanente mudança, quando os objetivos estão mal definidos, se alteram ou competem entre si, quando os níveis de stresse estão altos devido a constrangimentos de tempo e/ou porque muito está em jogo, quando as decisões dependem da interação com outros.
Estas circunstâncias caracterizam muitas das decisões que tomamos quando confrontados com oportunidades de investimento. Um dos maiores investidores de todos os tempos, Warren Buffett, diz que os investidores precisam de controlar o seu sistema X: "o sucesso no investimento não está correlacionado com o QI. Se tiver uma inteligência normal, o que precisa é de um temperamento capaz de controlar os impulsos que causam problemas às outras pessoas".
Para Warren Buffett, se tiver uma inteligência normal, o que precisa é de um temperamento que controle os impulsos que causam problemas às outras pessoas
Ao longo de anos, os psicólogos documentaram e catalogaram os tipos de vieses mentais aosquais somos suscetíveis. Os resultados principais são surpreendentemente comuns a culturas e países muito diferentes. A maior parte destes erros tem a sua origem em quatro causas: autoilusão, simplificação, emoção e interação social.
Vieses comportamentais mais comuns
Excesso de otimismo e excesso de confiança. Na nossa evolução como espécie, o otimismo terá tido um papel fundamental para ultrapassar grandes desafios de sobrevivência. Estudos científicos demonstram que as pessoas otimistas são mais resistentes e vivem mais tempo quando enfrentam problemas graves de saúde. Nas decisões de investimento, contudo, o resultado não é o melhor.
Responda a estas duas perguntas: o leitor é um condutor acima da média? O leitor é, na sua profissão, acima da média? A esmagadora maioria das respostas a estas perguntas é positiva. Estas perguntas revelam dois dos vieses mais comuns: excesso de otimismo e excesso de confiança. Estes vieses têm origem na ilusão de controlo e ilusão de conhecimento. A ilusão de conhecimento é a tendência que as pessoas têm de acreditar que a precisão das suas previsões aumenta com mais informação. A verdade é que mais informação não é necessariamente melhor informação. A utilização que fazemos da informação disponível é que interessa.
A tendência para sobrevalorizar as nossas capacidades é amplificada pela ilusão de controlo -- a crença que as pessoas têm que conseguem controlar acontecimentos incontroláveis. As pessoas pagarão quatro vezes mais por um bilhete de lotaria se puderem escolher os números do que por um bilhete com números aleatórios, como se o ato de escolher os números aumentasse a probabilidade deles serem sorteados. A aleatoriedade é frequentemente confundida com controlo.
Viés confirmatório: mostra-me o que quero ver. Temos o mau hábito de procurar apenas a informação que concorda connosco. Isto é o que se chama o viés confirmatório. Karl Popper dizia que a melhor forma de testar uma hipótese é tentar contradizê-la. Na verdade, não é assim que funcionamos. Tendemos a formar um ponto de vista e passamos o tempo a procurar informação que o confirme. Gostamos de ouvir quem concorda connosco, de ouvir as nossas próprias opiniões refletidas nos outros.
Infelizmente, esta não é melhor forma de tomar decisões. Devíamos ouvir aqueles que discordam, não para mudar de opinião, mas para tomarmos conhecimento dos pontos de vista opostos e para tentar encontrar a falha lógica nos seus argumentos. Se não conseguirmos encontrar essa falha, talvez não devamos ter tamanha convicção nos nossos pontos de vista.
Um problema adicional ao viés confirmatório é o viés dos médios hostis. Isto é, não só procuramos apenas a informação que concorda connosco, mas, quando somos confrontados com informação que discorda connosco, temos a tendência de considerar a fonte dessa informação como tendo um ponto de vista enviesado.
Autoatribuição: caras é mérito nosso, coroa é azar. Todos nós temos um relativamente frágil sentido de autoestima e um dos mecanismos-chave para o proteger é o viés da autoatribuição, a tendência de atribuir bons desfechos à nossa habilidade e os maus desfechos ao azar. Este viés constitui um dos mais fortes limites à aprendizagem que os investidores encontram. Este mecanismo de defesa impede-nos de reconhecer os erros que cometemos e, desta forma, de aprendermos com os erros cometidos no passado. Como disse George Santayana, "a história repete-se e esquecer o passado é estar condenado a repeti-lo".
Quando questionado sobre se os investidores iriam aprender algo com a crise financeira em 2008 e 2009, Jeremy Grantham, estratego chefe da gestora de ativos GMO, respondeu: "Iremos aprender muito no curto prazo, alguma coisa no médio prazo, e absolutamente nada no longo prazo."
Recuando no tempo, John K. Galbraith dizia que os mercados financeiros são caracterizados pela "extrema brevidade da memória financeira. Consequentemente, os desastres financeiros são rapidamente esquecidos. Quando as mesmas ou similares circunstâncias se repetem, são saudadas por uma nova, frequentemente jovem e sempre confiante, geração como uma descoberta brilhantemente inovadora no mundo económico e financeiro. Poucos são os campos da atividade humana em que a história é tão pouco importante como no mundo das finanças".
Hindsight: eu já sabia. Um dos mais perigosos vieses que enfrentamos é o viés do retrovisor (hindsight). Refere-se ao facto de, após um evento ter tido lugar, nós estarmos convencidos de que sabíamos o que se iria passar. O melhor exemplo do viés do retrovisor nos investidores é a bolha tecnológica do final dos anos 90. Na altura, chamar a atenção dos investidores para a bolha tecnológica resultava em "ameaças físicas". Hoje, os mesmos investidores reescreveram a sua história. Todos eles sabiam que era uma bolha -- estavam todos investidos, mas sabiam que era uma bolha e que, mais cedo ou mais tarde, iria explodir.
Obviamente, se todos estão convencidos de que conseguem prever o passado, é natural que estejam excessivamente certos de que conseguem prever o futuro. Assim, o hindsight é o mais poderoso gerador de excesso de confiança.
Ancoramento: o irrelevante tem valor. Quando confrontados com a incerteza, todos temos a tendência de nos agarrarmos ao irrelevante como se fosse uma muleta ou uma âncora. Esta incorporação do irrelevante acontece frequentemente sem qualquer reconhecimento consciente do facto.
Que âncoras influenciarão os investidores? A toda a hora, os preços das ações são publicitados: nos jornais, na internet, no ticker que está permanentemente a rodar na parte inferior dos canais financeiros de televisão. Os investidores agarram-se a estas miragens de preços e, erradamente, fazem-nos equivaler ao valor dos negócios subjacentes.
Representatividade: tiro conclusões com base na aparência e semelhança. As pessoas julgam os eventos pela sua aparência e semelhança, não pela probabilidade deles acontecerem. É o chamado viés da representatividade. Este viés tem muitas aplicações no mercado de capitais. Por exemplo, as boas empresas são bons investimentos? Podem não ser, se estiverem a transacionar a preços acima do seu valor justo.
Nos mercados financeiros, os analistas também sofrem deste viés. Preveem que as empresas com forte crescimento dos resultados nos últimos cinco anos irão continuar a crescer ao mesmo ritmo nos próximos cinco anos. O que os analistas estão a dizer é "esta empresa é excecional e, portanto, continuará a sê-lo". O que ignoram (inconscientemente) é que o crescimento de resultados é um processo altamente reversivo para a média, em períodos de cinco anos. Um portefólio de empresas com crescimento mais lento consegue quase a mesma taxa de crescimento de longo prazo do que um portefólio de empresas de crescimento rápido. Efetivamente, os analistas avaliam as empresas pelo que parecem ser e não pela probabilidade de conseguirem sustentar as altas taxas de crescimento. Como salienta Philip Fisher, autor do livro Common Stocks and Uncommon Profits: "O mercado bolsista está cheio de indivíduos que sabem o preço de tudo e o valor de nada."
Experiência direta: não é isso de que me recordo. As nossas mentes não são supercomputadores. Não são sequer bons arquivos. No entanto, estamos convencidos de que as nossas memórias são perfeitas como fotografias ou postais. De uma forma geral, as pessoas recordam-se melhor de informação vívida, bem publicitada ou mais recente. O efeito proximidade temporal é também reforçado pelo facto de as pessoas tenderem a confiar mais nas suas experiências em detrimento de estatísticas ou de experiências alheias.
Estudos concluem que a experiência direta é frequentemente muito mais ponderada do que a experiência geral, mesmo quando esta é igualmente objetiva e relevante. Uma possível razão para a importância excessiva da experiência pessoal é o impacto da emoção: informação diretamente experimentada desencadeia reações emocionais ausentes das experiências alheias. Desta forma, se as pessoas utilizarem a sua experiência pessoal para avaliar a probabilidade de eventos, irão exagerar o peso de eventos improváveis porque passaram e subestimar o peso daqueles que não experimentaram em primeira mão.
A experiência recente da maior parte dos investidores em Portugal é de perdas significativas. Os títulos mais disseminados na Bolsa portuguesa são os que maiores perdas acumulam. Recentemente, um dos jornais económicos noticiava que, diariamente, mais de 700 investidores deixavam de ter ações. Os investidores atribuem maior ponderação à sua experiência pessoal do que a todos os estudos que comprovam o sucesso do investimento em valor. Este comportamento reflete também o efeito da proximidade temporal: o investidor acredita que o futuro será sempre este. Esta atitude verifica-se nos dois extremos do mercado ampliando, assim, os efeitos das bolhas e dos crashes.
Para investir em valor, compre bons ativos baratos, venda-os, pelo menos, ao seu preço justo e, no intervalo entre a compra e a venda, ignore as cotações de mercado
Porque existem investidores excecionais?
No dia a dia, tomamos decisões de consumo, poupança e investimento. Grande parte de nós não tem formação financeira para as tomar no seu melhor interesse. Os vieses comportamentais de que sofremos são também handicaps com que temos de lidar. A história está repleta de bolhas: no mercado bolsista, no mercado imobiliário, nas matérias-primas e até as tulipas excitaram muitos investidores, no século XVII.
Alguns dos melhores investidores do mundo ultrapassaram estes vieses comportamentais que afetam as decisões de investimento e reduzem os retornos à esmagadora maioria dos investidores. Entre 1929 e 1934, Benjamim Graham e David Dodd testemunharam o melhor e o pior nos mercados financeiros. Da escalada até ao pico de 1929, até ao crash em Outubro do mesmo ano e a implacável Grande Depressão. Desta sua experiência no mercado financeiro e do vasto conhecimento da teoria financeira, os dois professores da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, construíram um modelo com o qual os investidores podiam filtrar centenas ou até milhares de ações e obrigações e identificar aquelas em que valia a pena investir. Esta filosofia de investimento é conhecida como o investimento em valor e o seu mais famoso praticante, aluno de Benjamin Graham, é Warren Buffett.
Em 1992, Tweedy, Brown Company LLC, gestora de patrimónios muito conceituada, publicou uma compilação de 44 estudos intitulada "O que funciona no investimento". O estudo concluiu que o que funcionou é muito simples: as ações baratas conseguem, consistentemente, melhores retornos do que as ações caras; e as ações cujo preço teve pior performance (em períodos de três e cinco anos) conseguiram melhores rentabilidades, nos períodos seguintes, do que as ações cujos preços tiveram melhor performance nos mesmos períodos.
Ao longo dos últimos 54 anos, Warren Buffett conseguiu rentabilidades médias de 20,2% ao ano. Quando questionado sobre o seu sucesso como investidor, responde: "O nosso método é muito simples. Tentamos selecionar negócios com fundamentos económicos soberbos, geridos por pessoas honestas e capazes e compramo-los a preços sensatos. É só isto que tentamos fazer."
Warren Buffett escreveu um artigo, em 1984, intitulado "Os superinvestidores de Graham e Doddsville". Nesse artigo, Buffett elenca alguns investidores que, ao longo de vários anos, conseguiram retornos muito acima do mercado. Walter Schloss ganhou, durante 20 anos, 21,3% ao ano; Tom Knapp, da Tweedy Browne, conseguiu retornos de 20% ao ano; Bill Ruane, da Sequoia Funds, conseguiu 17,2% anuais; Charlie Munger, sócio de Warren Buffett, ganhou, num período de 13 anos, 19,8% anuais. Segundo a teoria dos mercados eficientes, estes investidores foram simplesmente bafejados pela sorte. No entanto, argumenta Buffett, todos estes investidores têm um patriarca intelectual em comum, Benjamin Graham. Eles trabalham em locais diferentes e investiram em ativos diferentes, a única coisa em comum é a estratégia que seguem, o investimento em valor. O seu sucesso, portanto, não pode ser atribuído apenas à sorte; é o triunfo da estratégia certa. Por outras palavras, o investimento em valor funciona.
O que é o investimento em valor?
É investir em bons ativos, que produzem rendimentos, comprados a desconto do seu valor justo e que sejam geridos por gente capaz e honesta. É simples, mas está longe de ser fácil.
O investidor em valor é avesso ao risco e portanto a decisão de investimento é um processo de avaliação profunda dos dados fundamentais das empresas, dos negócios que lhe estão subjacentes e da sua capacidade de gerar um rendimento crescente no futuro. A partir dos balanços e demonstrações financeiras da empresa, avaliam-se a qualidade do negócio, as margens operacionais, a evolução dos lucros, a rentabilidade dos capitais investidos, os níveis de endividamento, as vantagens competitivas dentro do sector e a capacidade de remunerar o acionista. As palavras de Benjamin Graham resumem bem este processo: "A análise deve ser penetrante, não profética."
No entanto, o investimento em valor não se resume apenas à análise das demonstrações financeiras. Uma vez que nem todos os elementos que afetam o valor da empresa são revelados pelo escrutínio dos documentos contabilísticos, a experiência, a capacidade de julgamento e o ceticismo são fundamentais para estimar o real valor da empresa.
Uma vez estimado o valor da empresa, confrontamo-lo com o preço a que está a cotar no mercado. Preço é o que se paga, valor é o que se recebe e da diferença entre o preço a que estamos a comprar e o valor intrínseco do ativo, obtemos a margem de segurança, a "almofada" necessária para proteger os valores investidos. Disciplina e paciência para esperar pelo preço certo de compra são essenciais para que o método tenha sucesso. Quando a cotação no mercado refletir o valor da empresa, é altura de vender.
Poucos investidores são suficientemente disciplinados para manter padrões rigorosos de avaliação e aversão ao risco. É em tempos de grande incerteza e de conjunturas negativas que a prática de um método de investimento conservador e seguro -- o investimento em valor -- é particularmente fundamental.
Sir John Templeton, pioneiro dos fundos de investimento e considerado pela revista Money como o melhor investidor global do século xx, mantinha sob vigilância um conjunto de excelentes empresas que transacionavam a preços muito elevados e os preços a que gostaria de as comprar. Quando o mercado caía e arrastava as ações para os níveis desejados, as compras eram executadas. Templeton sabia que, no dia em que o mercado caísse, ele não teria a disciplina para comprar. No entanto, ao determinar, a priori, os preços de compra, retirava da equação a emoção e os seus vieses mentais. Um processo disciplinado e objetivo é essencial ao sucesso.
Em agosto passado, na Casa de Investimentos, aplicámos este processo. Aproveitámos a reação negativa do mercado ao downgrade da dívida americana - uma queda de cerca de 20% em duas semanas - investimos nalgumas empresas excecionais que, sem qualquer justificação fundamental, ficaram baratas.
Por que tão poucos seguem esta filosofia
Apesar dos resultados excecionais de grandes investidores em Valor e de inúmeros estudos que os comprovam, poucos são os investidores que seguem este método de investimento. Warren Buffett, para lá da publicação trimestral das suas transações, escreve na imprensa, de tempos a tempos. Em 17 de outubro de 2008, aconselhou, em carta aberta no The New York Times ("Buy American, I Am"), o investimento em empresas americanas. Em fevereiro passado, escreveu na revista Fortune reiterando a sua preferência pelo investimento em ativos que produzam rendimento, isto é, ações.
Os professores universitários Gerald Martin e John Puthenpurackal, num paper de 2008, concluíram que, imitando as compras de Warren Buffett um mês após a sua divulgação pública, qualquer investidor bateria o S&P 500 por uma média de 10,75% ao ano, no período de 1976 a 2006. Este resultado é extraordinário tendo em conta que a performance de Warren Buffett, no mesmo período bateu o S&P 500 por 11,14% ao ano.
Muito antes de neurocientistas e psicólogos terem descoberto a importância destes vieses, Benjamin Graham refletia que o investidor deveria estar preparado, financeira e psicologicamente, para as flutuações do mercado e explicava-o através de uma metáfora a que chamava Sr. Mercado: "Imagine que é proprietário de parte do capital de uma pequena empresa e que essa participação lhe custou 1000 euros. Um dos seus sócios, chamado Sr. Mercado, é muito prestável. Todos os dias, ele diz-lhe qual é o valor, na opinião dele, da sua parte da empresa e oferece-se para comprá-la ou para lhe vender uma participação adicional ao mesmo preço. Por vezes, a avaliação do Sr. Mercado parece plausível e justificada pelos desenvolvimentos e perspetivas futuras do negócio. Frequentemente, contudo, o Sr. Mercado é levado pelo entusiasmo ou pelo medo e o valor que ele propõe é pouco menos do que ridículo. Se o leitor é um investidor prudente ou um empresário sensato, vai deixar que as comunicações diárias do Sr. Mercado determinem a sua convicção do que vale a sua participação de 1000 euros na sua empresa? Apenas nos casos em que concorda com o Sr. Mercado ou quando está disposto a negociar com ele. Poderá vender a sua participação quando o Sr. Mercado lhe propõe um preço ridiculamente alto, assim como poderá comprar uma participação adicional quando o preço é baixo. No tempo restante, poderá formar as suas próprias opiniões acerca de quanto realmente vale a sua participação, baseado nos relatórios da empresa sobre as suas atividades e situação financeira. O verdadeiro investidor está nesta posição quando tem ações de uma empresa cotada. Ele pode tirar partido do preço diário de mercado ou ignorá-lo. As flutuações de preço têm apenas um significado para o verdadeiro investidor. Elas oferecem oportunidades para compras inteligentes quando o preço cai bastante e oportunidades para vendas inteligentes quando os preços ultrapassam o valor da empresa. No resto do tempo, o investidor deverá ignorar o mercado e concentrar-se nos dividendos e resultados operacionais das suas empresas."
Por outras palavras, compre bons ativos baratos, venda-os, pelo menos, ao seu preço justo e no espaço de tempo entre a compra e a venda, ignore as cotações de mercado. Ou, como Warren Buffett recomenda: "Encare as flutuações de mercado como amigas e não como inimigas; lucre com a loucura em vez de participar nela."
O medo e a ganância têm separado muitos investidores do seu dinheiro. Quando o mercado de ações cai porque as notícias são más e a conjuntura macroeconómica difícil, os investidores vendem a qualquer preço ativos de grande valor. Porque muita gente o está a fazer, os investidores ignoram a qualidade dos ativos que têm e adotam o comportamento de rebanho. Do mesmo modo, quando a conjuntura é favorável ou as notícias para determinada empresa são muito positivas, é fácil perder o bom senso e seguir a multidão, comprando a qualquer preço.
O público investidor festeja o lucro fácil. Mas as bolhas inevitavelmente estouram. E o provérbio é confirmado: "Aquilo que o sábio faz no princípio, o tolo faz no fim"
Demasiadas pessoas investem no mercado de capitais com o objetivo de enriquecerem da noite para o dia. As ações, em vez de serem encaradas como uma "fatia" do negócio subjacente que, ano após ano, cria riqueza para os seus acionistas, são vistas apenas como papel que troca de mãos, frequentemente mais de uma vez por dia. A satisfação imediata, a falta de convicção com que se compram e vendem ativos e a busca de excitação no mundo do investimento potenciam decisões irrefletidas, tomadas por impulso. Muitos consideram que investir em Bolsa continua a ser um jogo de sorte e azar.
A especulação e as bolhas
A definição de investimento expandiu-se muito nos últimos 20 anos: desde selos, arte, vinhos, ouro, petróleo, todo o tipo de produtos financeiros exóticos e até apostas desportivas. Muitos destes ativos não são produtivos e quem os compra tem a esperança de que no futuro alguém venha a pagar mais por eles. Quem investe assim, não é inspirado por aquilo que o ativo produz, mas, sim, porque acredita que outros o desejarão ainda mais no futuro. Esta é, na sua essência, a definição de especulação. É desta forma que surgem as bolhas especulativas.
Nos últimos 15 anos, tanto as ações tecnológicas como o mercado imobiliário demonstraram os excessos extraordinários que podem ser criados pela combinação de uma tese de investimento sensata (na sua génese) e bem publicitados preços crescentes (o ouro é um bom exemplo). Nestas bolhas, um exército de investidores, a princípio cético, sucumbe à prova entregue pelo mercado e o grupo de compradores expande-se -- durante algum tempo -- o suficiente para manter a roda a girar. O público investidor festeja o lucro fácil. Mas as bolhas inevitavelmente estouram. E o velho provérbio é mais uma vez confirmado: "Aquilo que o sábio faz no princípio, o tolo faz no fim."
Canais de televisão de negócios, jornais, revistas, analistas e comentadores alimentam diariamente um público vasto e em expansão. Este é o "circo" que é montado diariamente à volta do mercado financeiro e que precisa de fazer crer que, durante o dia, irão passar-se eventos extraordinariamente importantes.
A quantidade de informação -- completamente irrelevante para a vida diária das empresas -- é espremida ao máximo. As "dicas para ganhar dinheiro hoje" encurtam ainda mais o horizonte de investimento. Mais informação não é melhor informação, apenas reforça no investidor a ilusão de controlo, o excesso de otimismo e de confiança.
Larry Summers, ex-secretário do Tesouro americano, investigou os 50 maiores movimentos no mercado de ações americano entre 1947 e 1987. Summers e os seus colegas vasculharam a imprensa na tentativa de encontrar alguma razão para os movimentos do mercado. Concluíram que, "na maioria dos dias com maior movimento, a informação que a imprensa avança como causa não é particularmente importante". Dito de outra forma, mais de metade dos maiores movimentos nos mercados não tem qualquer relação com os fundamentos económicos das empresas ou da economia.
A indústria financeira tem sido a grande promotora de toda esta "festa". Se por um lado está a satisfazer necessidades novas aos seus clientes, como argumenta, por outro, está a promover o curtíssimo prazo e o comissionamento excessivo. No seu livro The Battle for the Soul of Capitalism, John Bogle, fundador da Vanguard, expõe com grande clareza os conflitos de interesses dos grandes grupos financeiros e como a glorificação do curtíssimo prazo triunfou sobre os tradicionais valores da fidúcia. As comissões pagas, entre 1997 e 2002, pelos investidores norte-americanos aos bancos, corretoras e fundos de investimentos excederam os 1,275 triliões de dólares. No final dos anos 90, as previsões dos analistas e dos especialistas em estratégia tornaram-se mais importantes do que nunca nos mercados financeiros. Infelizmente, não se tornaram mais precisas e os exemplos são imensos. Existem hoje previsões sobre todo o tipo de indicadores, desde a inflação, as taxas de juro, o desemprego, os resultados trimestrais das empresas, passando pelos preços das ações e das obrigações, das matérias-primas, etc. Quando os números reais observados são divulgados, raramente coincidem com as previsões. Estão assim reunidas as condições para que os mercados se comportem com grande volatilidade. Isto não faz qualquer sentido. As previsões -- que criam a ilusão de controlo sobre o que pode ser o futuro -- vêm limitar a capacidade de tomar decisões baseadas em processos lógicos.
Para Warren Buffett, "as previsões políticas e económicas de curto prazo são uma distração muito cara para os investidores. A prazo, as notícias sobre os mercados financeiros serão positivas. No século xx, os Estados Unidos passaram por duas Guerras Mundiais e outros conflitos militares dispendiosos, uma Grande Depressão, uma dúzia de recessões, vários pânicos financeiros, choques petrolíferos, etc. No entanto, o Dow Jones subiu dos 66 para os 11497 pontos."
Os analistas e gestores de dinheiro são também vítimas destas armadilhas mentais. Têm acesso a demasiada informação e precisam de proteger o seu posto de trabalho. Se seguirem o rebanho e estiverem errados, fizeram o que toda a gente fez. Se não seguirem o rebanho e estiverem errados, o seu emprego está em causa. A evolução tecnológica, a internet, a grande difusão de informação e a engenharia financeira contribuíram para potenciar negativamente os nossos vieses comportamentais.
Conclusões
O investidor deverá ter a disciplina e a coragem de se manter fiel aos seus princípios. Como Benjamin Graham declarou: "Se acredita que o investimento em valor é um conceito sólido, deverá devotar-se a esse princípio. Mantenha-se fiel e não se deixe arrastar pelas modas, pelas ilusões e pela perseguição constante do lucro rápido de Wall Street. Não é preciso ter uma inteligência de génio para ser um investidor em valor de sucesso. O que é necessário é, em primeiro lugar, uma inteligência razoável; em segundo, bons princípios de atuação; e terceiro e mais importante, firmeza de caráter."
Só dominando estes três elementos é que o investidor inteligente será capaz de agir de forma contrária -- comprar quando todos vendem e vender quando todos compram.
Nunca deixaremos de ser suscetíveis aos vieses comportamentais. Reconhecendo as nossas limitações, estaremos mais bem preparados para que os processos lógicos assumam o controlo. Só com processos sólidos de tomada de decisões será possível obter resultados consistentes a médio e a longo prazo.
O co-autor de estudos sobre 117 anos de retornos de cinco classes de ativos nos mercados globais explica que os investidores que assumiram o risco tiveram mais sucesso que os conservadores.
'O Triunfo dos Otimistas' é o título do livro publicado pelo economista Elroy Dimson (com Paul Marsh e Mike Staunton) em 2002 baseado no estudo de 101 anos dos retornos dos investimentos globais. é também o título da conferência organizada pela Casa de Investimentos e pelo Jornal Económico nos dias 15 (Lisboa) e 16 de novembro (Braga), na qual Dimson irá explicar as bases e as conclusões do estudo que foi sendo atualizado e engloba agora cinco classes de ativos em 23 países e ao longo de 117 anos.
Doutorado pela London Business School, Fimson é chair da Newton Centre for Endowment Asset Management na Cambridge Judge Business School e Emeritus Professor of Finance na London Business School. Na sua vasta bibliografia, constam a co-autoria dos livros "Financial Markets History" (2017) e "Global Investment Returns Yearbook" (2017), entre vários outros.
Como, quando e porquê desenvolveu a ideia de escrever "O Triunfo dos Otimistas"?
O esforço maior na pesquisa dos retornos dos investimentos globais iniciou-se no final dos anos 90. Com os meus colegas Paul Marsh e Mike Staunton, pretendíamos inicialmente fazer um estudo a ser publicado no novo milénio, no ano 2000. No início, pensávamos apenas em estender os dados do Reino Unido (UK) até 1900, uma aspiração estimulante. O nosso objetivo era comparar as experiências de investimento no longo prazo nos Estados Unidos (US) e no UK. No entanto, como todos sabemos, os projetos de pesquisa evoluem à medida que o estudo é levado a cabo. Este acabou por ser também o nosso caso.
Mark Brown, o (então) responsável pelo Research no ABN Amro, sugeriu a publicação de um livro, patrocinado pela sua empresa. Com este encorajamento, iniciamos a expansão do conjunto de países a incluir no livro. Descobrimos muitas pessoas que estavam a trabalhar isoladamente na compilação de registos para os mercados nacionais respetivos. O nosso estudo inicial (publicado pelo ABN Amro em 2000) englobava 10 mercados, com mais de um século de dados sobre os retornos anuais das principais classes de ativos em cada país.
Eventualmente, com a cooperação de um painel crescente de outros investigadores interessados em participar, encontrámos 16 mercados nacionais que incluímos em "O Triunfo dos Otimistas", publicado pela Princeton University Press em 2002, de Dimson, Marsh e Staunton ("DMS"). Fomos afortunados. A investigação teve grande impacto e o seu alcance expandiu-se ao longo do tempo, cobrindo múltiplos tópicos em várias edições do nosso Global Investment Returns Yearbook. O nosso estudo inclui atualmente os principais mercados norte americanos, asiáticos, europeus e africanos desde 1900 até hoje, englobando cinco classes de ativos em 23 países e três regiões transnacionais.
Quais são as principais vantagens que um investidor, ou potencial investidor, pode obter através da análise de uma tão longa série de retornos de mercado?
Para compreendermos o risco e retorno, devemos analisar longos períodos de história. Isto porque os retornos dos ativos, e especialmente das ações, são bastante voláteis. Mesmo em períodos de 20 anos ou mais, podem observar-se retornos "invulgares". Isto é facilmente ilustrável pela história recente. O Séc. XXI teve início com um dos bear markets mais selvagens da história. Os danos causados infligidos às ações globais tiveram início em 2000 e, em março de 2003, as ações americanas tinham recuado 45%, os preços das ações no UK caíram para metade e as ações alemãs perderam dois terços. Os mercados encetaram então uma recuperação notável, com ganhos substanciais que reduziram e, em muitos países, eliminaram completamente as perdas do bear market. Os mercados mundiais registaram novos máximos em finais de outubro de 2007, apenas para mergulhar noutro épico bear market impulsionado pela Crise Financeira Global. Os mercados fizeram mínimos em março de 2009 e encetaram nova recuperação admirável. No entanto, em termos reais, só em 2013 é que muitos dos maiores mercados mundiais atingiram novamente os níveis do início de 2000.
A nossa pesquisa sumariza as evidências históricas globais de longo prazo dos retornos de ações, obrigações, bilhetes de tesouro e taxas de câmbio, todas ajustadas para a inflação, ao longo dos 117 anos desde 1900. Atualizamos e expandimos os dados originalmente publicados no nosso livro de 2002, "O Triunfo dos Otimistas". Dada a volatilidade dos retornos, os dados históricos de longo prazo são essenciais para a compreensão dos retornos dos ativos e as séries longas são necessárias não só para a minimização de erros de medição, mas também para a cobertura da mais larga banda possível de condições históricas de mercado.
Como define um otimista? Quais as suas caraterísticas? Estas evoluíram ao longo do tempo?
O título do livro resume a conclusão mais marcante da nossa investigação. Ao longo do Séc. XX, aqueles que assumiram o risco e, com otimismo, investiram em ações conseguiram muito melhores retornos do que os seus homólogos mais conservadores que mantiveram obrigações de governos mais "seguras". No longo prazo, os otimistas triunfaram: as ações bateram a inflação; as ações bateram o dinheiro; e as ações bateram as obrigações soberanas de longo prazo. Não apenas no UK e nos US, mas em todo o lado.
Os Professores Elroy Dimson, Paul Marsh e Mike Staunton estudaram os retornos dos mercados financeiros ao longo dos últimos 117 anos. Quais foram as maiores alterações verificadas na composição dos principais mercados financeiros analisados?
Em 1900 - a data de início da nossa base de dados de retornos globais - praticamente ninguém tinha conduzido um carro, feito uma chamada telefónica, utilizado luz elétrica, visto um filme ou ouvido música gravada; ninguém tinha voado num avião, ouvido rádio, visto televisão, utilizado um computador, enviado um e-mail ou utilizado um smartphone. Não existiam radiografias, scanners corporais, testes de ADN ou transplantes; ninguém tinha tomado antibióticos. Devido a isto, muitos morreriam mais jovens. A humanidade beneficiou de uma vaga de inovação transformativa com origem na Revolução Industrial, continuou ao longo da Idade de Ouro da Invenção nos finais do Séc. XIX e estende-se agora pela atual era da informação. Estas transformações criaram novas indústrias - eletricidade e geração de energia, automóveis, indústria aeroespacial, companhias aéreas, telecomunicações, petróleo e gás, farmacêuticas e biotecnologia, computadores, tecnologia de informação, media e entretenimento. Entretanto, fabricantes de carruagens e carroças puxadas a cavalo, barcas, locomotivas a vapor, velas e fósforos viram as suas indústrias a entrar em declínio. Verificaram-se enormes alterações no que é produzido, como é fabricado e na forma como as pessoas vivem e trabalham.
Estas alterações podem ser observadas na evolução do tipo de empresas cotadas nos US (ver abaixo) assim como noutros mercados. No início do Séc. XX, os mercados eram dominados por empresas ferroviárias. No UK, as empresas ferroviárias representavam quase metade do valor do mercado acionista, enquanto que nos US tinham um peso de 63%. 117 anos mais tarde, as ferroviárias caíram ao ponto da quase extinção no mercado acionista, representando menos de 1% nos US e quase zero no UK.
Das empresas americanas cotadas em 1900, mais de 80% do seu valor estava em indústrias que atualmente são pequenas ou extintas; o número no UK é de 65%. Para além das ferroviárias, outras indústrias que sofreram declínios vertiginosos foram, os têxteis, ferro, carvão e aço. Estas indústrias ainda existem, mas foram transferidas para locais mais baratos, em países emergentes. No entanto, as semelhanças entre 1900 e 2015 são também aparentes. As indústrias bancárias e de seguros continuam a ser importantes. Similarmente, as indústrias da alimentação e bebidas (incluindo álcool), tabaco e utilities estavam presentes em 1900, tal como estão hoje. E no UK, as empresas mineiras cotadas eram importantes em 1900 e continuam a sê-lo atualmente, em Londres.
Mas mesmo as indústrias que à primeira vista parecem similares sofreram alterações radicais. Comparem, por exemplo, a telegrafia em 1900 com os smartphones de 2017. Ambos são, no seu tempo, alta tecnologia. Ou contrastem os transportes em 1900 - transportes marítimos, elétricos, docas - com as suas contrapartes modernas, companhias aéreas, autocarros e camiões. Dentro do sector manufatureiro e industrial, a lista de empresas de 1900 incluía o então maior fabricante de velas do mundo assim como o maior fabricante de fósforos.
Outra estatística que se destaca é a elevada proporção das empresas atuais cujas indústrias eram pequenas ou não existentes em 1900 - 62% do valor para os US e 47% para UK. As maiores indústrias em 2017 são tecnologia (principalmente nos US), petróleo e gás, banca, saúde, o grupo das outras indústrias, minas (no UK), seguros, telecomunicações e retalho. Destas, petróleo, gás, tecnologia, saúde (incluindo farmacêuticas e biotecnologia) eram praticamente inexistentes em 1900. As telecomunicações e os media, tal como os conhecemos hoje, são também, na realidade, novas indústrias.
Como compararia as diferentes classes de ativos em termos de retorno ao longo de tão extenso período? As conclusões são semelhantes em todos os países, incluindo Portugal?
Analisamos os retornos reais anualizados de ações, obrigações e bilhetes do tesouro ao longo dos últimos 117 anos em 21 países com histórias de investimento contínuas mais o índice mundial, o índice mundial ex-US e Europa, ordenados por ordem ascendente de performance do mercado acionista. Os retornos reais das ações foram positivos em todos os locais, tipicamente a um nível de 3% a 6% por ano. As ações foram a classe de ativos com melhor performance em todo o lado. Outrossim, as obrigações bateram os bilhetes de tesouro em todos os países. Este padrão global, ações batendo obrigações e obrigações batendo bilhetes do tesouro, é o expectável no longo prazo, uma vez que as ações são mais arriscadas do que as obrigações e as obrigações mais arriscadas que os bilhetes do tesouro.
O gráfico de barras abaixo mostra que, embora na maior parte dos países as obrigações tenham um retorno real positivo, quatro países têm retornos negativos. A maioria destes países encontra-se também entre aqueles com pior performance nas ações. A sua fraca performance tem origem na primeira metade do Séc. XX e estes foram os países que mais sofreram com a devastação da guerra e com períodos de alta ou hiperinflação, tipicamente associada com as guerras e o seu rescaldo. O gráfico mostra que Portugal bate cinco mercados acionistas, ficando assim colocado na metade inferior na ordenação dos países por retornos reais ajustados para a inflação. Nos mercados obrigacionistas, Portugal bate também cinco países, caindo nos 50% centrais dos mercados obrigacionistas ordenados por retornos reais ajustados para a inflação ao longo de 117 anos.
Investimento em valor ou em crescimento?
Elroy Dimson compara os retornos de ações baratas que o mercado ignora, mas que têm potencial de subida com ações que têm uma apreciação de capital superior e cujo preço está a subir.
Ao longo dos últimos 117 anos, passámos por duas guerras mundiais e vários outros conflitos militares, uma grande depressão, duas crises petrolíferas, o crash de 87, a bolha tecnológica de 2000, a grande recessão de 2008-09 e várias recessões pelo caminho. Qual é, na sua opinião, o papel das ações na proteção da riqueza, no longo prazo, contra estes eventos e contra a erosão da inflação?
As ações são um armazém de valor. As fortunas dos mercados individuais variaram, como ilustra o gráfico abaixo, que reporta a proporção do mercado acionista global representado anualmente pelos vários mercados acionistas nacionais.
O professor Dimson mencionou num evento recente que vivemos num mundo de baixos retornos e que assim continuaremos. Compararia este a algum período da história recente? O que poderão os investidores aprender com esta experiência e como se deverão preparar em termos de alocação de ativos para retornos futuros?
Eis uma comparação entre os retornos historicamente altos da geração baby boomer e a geração millennial e uma projeção para o futuro de longo prazo baseada nos nossos dados e análise. Olhando para o futuro, as baixas taxas de juro sinalizam um mundo em que os baixos retornos serão a norma.
Em anos recentes, temos testemunhado intervenções massivas de bancos centrais nos mercados financeiros sem consequências negativas de maior e sem inflação. O que pensa poderá acontecer aos retornos das diferentes classes de ativos quando os bancos centrais reduzirem os seus balanços?
Após subidas de taxas de juro, quase todos os ativos, em média, geram retornos inferiores. Isto é ilustrado abaixo e é descrito em maior detalhe no nosso Yearbook de 2016.
No seu estudo, identifica o valor como um fator da melhor performance das ações. Considera que os últimos anos em que este estilo de investimento teve performances inferiores são o advento de um novo paradigma ou apenas um ciclo adverso que eventualmente se inverterá?
O investimento em valor procura ações baratas que o mercado ignora, mas que oferecem o potencial de subida assim que as pessoas acordem para o seu verdadeiro valor.
O investimento em crescimento (growth) foca-se em ações que têm uma apreciação de capital superior, isto é, o preço da ação está a subir. As mais proeminentes são as ações FAANG (Facebook, Apple, Amazon, Netflix e Google (Alphabet) que estão a subir entre 23% (Google) e 53% (Apple) versus perto de 15% para o S&P500, este ano.
O investimento em valor sofreu comparado com o investimento em crescimento desde que os mercados acionistas recuperaram após a crise financeira. Isto tem sido atribuído ao dinheiro barato do QE (Quantitative Easing) e aos investidores que procuram crescimento rápido; o crescimento dos gigantes da tecnologia; fundos passivos que querem grandes posições em grandes empresas tecnológicas. No entanto, ao longo dos últimos dois anos, o crescimento e o valor têm performances muito próximas.
Paul Marsh, Mike Staunton e eu próprio analisámos o investimento em valor e outras regularidades no mercado acionista - recuando no tempo 117 anos. Analisámos a performance de longo prazo, em 23 países diferentes, de duas estratégias de seleção de ações com base no valor. A primeira estratégia é investir em ações com um elevado rácio de valor contabilístico para valor de mercado por ação (book-to-market). A segunda é investir em ações com elevadas taxas de dividendos em detrimento de ações com taxas baixas.
A série mais longa para a seleção de ações com base no book-to-market é para os US: desde o final de 1926 até ao final de 2016, as ações de valor bateram as ações de crescimento por uma margem de 3,3% anuais. Os dados para o Reino Unido, que começam em 1955, indicam um prémio ainda mais elevado. A série mais longa para a seleção de ações com base nas taxas de dividendos é para o UK: entre 1899 e 2015, as ações com taxas de dividendos mais elevadas batem as ações com taxas baixas por uma margem anual de 2,8%. Os dados para os US, que têm início em 1927, indicam um prémio ligeiramente inferior para as ações com elevados dividendos. Os dados para outros países favorecem também o investimento em valor (DMS 2016).
Se me pergunta, no entanto, se as evidências a favor do investimento em valor são claras, tenho algumas reservas. Em primeiro lugar, o prémio varia de mercado para mercado. Segundo, os intervalos durante os quais o valor é uma estratégia vencedora são episódicos; por vezes, as ações de crescimento têm melhor performance. Na realidade, historicamente, verificam-se longos períodos em que a performance relativa das estratégias de crescimento foi superior. O quadro varia conforme nos focamos no valor contabilístico, taxas de dividendo, período de amostra ou o país.
Mas historicamente, a diferença de retornos entre ações de valor e de crescimento tem sido substancial, com um prémio de cerca de 3% ao ano. A recompensa histórica do investimento em valor parece tão atrativa que devemos ter cautela na sua extrapolação. No entanto, no longo prazo, eu espero que as ações de valor vençam.
Na sua opinião, qual poderá ser o impacto nos mercados financeiros da proliferação da indexação e das estratégias passivas?
Penso que os perigos estão a ser sobrestimados. O capital está a deslocar-se de mandatos de gestão ativa para mandatos passivos. A principal questão é a menor quantidade de dinheiro gasta em comissões e advisory. Isto origina um ambiente mais desafiante para as empresas de investimento, mas oferece aos investidores mais escolha.
Hoje, quais são os principais fatores de risco para os otimistas?
A persistente subida no preço dos ativos financeiros que geram rendimento, juntamente com a sede dos investidores por estratégias orientadas para o rendimento, levantam a questão se as estratégias high-yield e high-coupon não se estarão a tornar sobrelotadas. Isto poderá afetar tanto os portfolios tradicionalmente geridos assim como os factor driven.
A minha maior preocupação, no entanto, é que demasiados investidores esperam ainda que a performance dos investimentos lhes permita manter o consumo a taxas insustentavelmente altas. Isto é um perigo para as instituições - planos de pensões e endowments - e para os investidores individuais. A maioria das pessoas não está a poupar o suficiente para as suas necessidades financeiras futuras. Precisam de consumir menos, baixar as suas aspirações financeiras e seguir o conselho de investir para o futuro.
Em “The Little Book that Still Beats the Market”, Joel Greenblatt apresenta a sua fórmula magica para ter sucesso no investimento: comprar negócios excecionais quando estão baratos.Esta abordagem requer disciplina e tempo para esperar que o mercado reconheça o seu verdadeiro valor.
“No curto prazo, o Sr. Mercado determina o preço de uma ação baseado nas suas emoções, mas no longo prazo o que realmente importa é o valor intrínseco do negócio”
No livro, “The Little Book That Builds Wealth” (2008), Pat Dorsey explica-nos o que são vantagens competitivas e porque são determinantes para ter retornos no investimento a longo prazo.
“A menos que uma empresa tenha um fosso económico que proteja o seu negócio, a concorrência depressa chegará aos seus portões e corroerá os seus lucros. Wall Street está repleta de carcaças de empresas que foram de bestiais a bestas num piscar de olhos.”
Antes de 1870, a humanidade vivia em extrema pobreza, com um lento arrastar de inovação que não conseguia acompanhar o crescimento demográfico. Então irrompeu uma grande mudança: a inovação acelerou o passo, duplicando as nossas capacidades tecnológicas a cada geração e transformando completamente a economia, uma e outra vez. Os nossos antepassados assumiriam que teríamos utilizado tais poderes para construir uma utopia global. Mas não foi assim. Quando 1870-2010 terminou, o mundo acordou para o aquecimento global; depressão económica, incerteza e desigualdade; e a ampla rejeição do status quo. Slouching Towards Utopia, do economista Brad DeLong, conta a história de como ocorreu esta explosão de riqueza material sem precedentes, como ela transformou o mundo e por que motivo não nos conseguiu levar à utopia. De notável amplitude e ambição, este livro revela que o século passado não foi tanto uma marcha em direção ao progresso, mas sim um cambalear na direção certa.
The Perfection Trap, de Thomas Curran, professor da London School of Economics, explora como a busca pela perfeição pode tornar-se uma obsessão perigosa que leva ao esgotamento e à depressão - impedindo-nos de alcançar os nossos objetivos.Hoje, o esgotamento e a depressão estão em níveis recorde, impulsionados por uma combinação de intensa competição no local de trabalho e redes sociais opressivamente omnipresentes.A sociedade publicita continuamente a necessidade de querer mais e de ser perfeito.Nesta obra, Curran sugere introspecção e mudanças sociais mais amplas. Mostra-nos o que podemos fazer como indivíduos para resistir à pressão moderna de sermos perfeitos e, ao fazê-lo, conquistarmos para nós próprios uma vida com mais propósito.The Perfection Trap dirige-se a todos aqueles que já se sentiram oprimidos pela necessidade esmagadora competir para além de qualquer racionalidade.
Um guia em forma de manualPara que todos os clientes possam entender melhor a filosofia de investimento e como este processo de seleção é posto em prática, a Casa de Investimentos lançou, este ano, o Manual do Investidor. O livro é um guia e também uma promessa para todos os clientes e quer mostrar que temos uma filosofia de investimento bem estruturada. Só as melhores empresas servem, conforme explicou Emília Vieira, CEO e fundadora da Casa de Investimentos.O manual contém as linhas mestras do investimento, de um processo que passa por analisar profundamente estas empresas e fazer uma análise qualitativa, a história da empresa, os seus processos. Não há caminhos rápidos. E rápidos também não são os ganhos. É por isso que a gestora tem um foco de longo prazo, ignorando o ruído de curto prazo.Investir em ações não é um jogo de sorte e azar, realçou Emília Vieira, notando que todos nós somos vítimas dos nossos vieses comportamentais. Cada um valoriza a experiência que tem. Mas, nos últimos mais de 100 anos, o ativo que melhor rentabilizou o capital foram as ações.
Uma sondagem de 2020 concluiu que 60% das pessoas pensam que o ritmo de mudança nas suas vidas é muito rápido. As gerações anteriores, confrontadas com motores a vapor ou elevadores pela primeira vez, provavelmente também pensavam assim. Mas, segundo Azeem Azhar, analista de tecnologia e empresário, entramos de facto num período de mudança desestabilizadora e sem precedentes: uma era totalmente nova da sociedade humana e da organização económica a Era Exponencial.Azhar identifica a computação e inteligência artificial, eletricidade renovável e armazenamento de energia, biotecnologia e manufatura (por exemplo, a impressão 3D) como as áreas em que as inovações surgem a um ritmo exponencial: inventam-se e escalam-se novas tecnologias a um ritmo cada vez mais rápido, e simultaneamente, diminuem-se rapidamente os preços.O problema é que, embora a mudança tecnológica esteja a acelerar rapidamente, a nossa sociedade evolui a um ritmo mais gradual e incremental. Resultado? Está a abrir-se uma divisão entre a tecnologia e a sociedade, a denominada, segundo Azhar, lacuna exponencial.Temos vindo a inventar novas tecnologias desde os tempos dos machados de pedra e das pás de madeira. De acordo com Azhar, no entanto, temos muita dificuldade como espécie em compreender a mudança exponencial: As nossas mentes evoluiram para um mundo que ainda não tinha descoberto o poder da mudança rápida.No entanto, indivíduos e empresas ignoram esta mudança rápida por sua conta e risco. Em 2007, Steve Ballmer, da Microsoft, descreveu o iPhone, dizendo: Isto não tem a mínima hipótese de ganhar quota de mercado significativa. Como Azhar observa: Ballmer caiu na lacuna exponencial.Segundo Azhar existe agora um abismo de incompreensão mútua entre os tecnólogos e o resto da sociedade. Os políticos mostram muitas vezes uma profunda ignorância até mesmo das tecnologias mais básicas: Eles são como pessoas que tentam abastecer um carro enchendo a bagageira com feno.Azhar é assumidamente otimista quanto ao poder da tecnologia: Estamos a entrar numa era de abundância. O primeiro período da história humana em que a energia, comida, computação e muito mais serão trivialmente baratos de produzir.
Nesta obra, John Kay, escreve: O setor financeiro cresceu em demasia, distanciou-se dos negócios normais e da vida quotidiana e transformou-se numa indústria que, na maior parte das vezes, faz negócios consigo própria, fala sozinha, e julga-se a si mesma com os padrões que ela própria criou. E o mundo cá fora adotou esses padrões, salvando as instituições financeiras que nos falharam com a sua ganância e incompetência.Numa análise crítica ao que se tornou o negócio do setor financeiro, Kay realça que o livro pretende apresentar um plano provisório para as autoridades se prepararem para a próxima crise. É hora de voltar ao trabalho: o negócio sério e responsável de gerir o dinheiro das outras pessoas.
O que quer que a liberdade financeira signifique para nós viver a vida que quisermos, não trabalhar de acordo com os horários dos outros, ser dono do nosso destino ou qualquer outro sonho a forma de a atingir é investir.Neste livro conciso e acessível, Ben Carlson e Robin Powell mostram como tomar o caminho da liberdade financeira através da poupança e do investimento.Não se trata de ficar rico de um dia para o outro. Criar riqueza através do investimento com o objetivo de longo prazo da liberdade financeira exige disciplina, sacrifício e tempo.Mas é possível, e quase qualquer um pode fazê-lo, se munido das informações corretas.Invest Your Way to Financial Freedom partilha connosco todas as etapas que precisamos de seguir para alcançar os nossos objetivos e inclui respostas claras e simples para as seguintes perguntas:Porque é que poupar é importante?Porque é que investir é a melhor forma de criar riqueza?O que podem os investidores esperar do mercado de ações?É tarde demais se não começarmos cedo a poupar e a investir?
Os nossos objetivos pessoais precisam de uma estratégia de longo prazo.Assim como alguns CEOs privilegiam os lucros trimestrais em detrimento dos investimentos estratégicos necessários para o crescimento de longo prazo, o mesmo acontece nas nossas vidas pessoais e profissionais.Todos sabemos intelectualmente que o sucesso duradouro exige persistência e esforço. No entanto, a pressão implacável omnipresente no mundo moderno leva-nos a escolher o que parece fácil, garantido ou o que está na moda.Em The Long Game, Dorie Clark defende um caminho diferente. Clark partilha princípios que podemos aplicar à nossa situação específica, bem como histórias da sua própria carreira e experiências de outros profissionais. Todos temos as mesmas vinte e quatro horas, mas com as estratégias certas, podemos aproveita-las de forma mais eficiente.Este não é um processo que dará resultados da noite para o dia, mas a recompensa a longo prazo é imensa.
Qualidade. Todos nós fazemos diariamente julgamentos sobre a qualidade. No entanto, articular uma definição clara de qualidade no contexto do investimento é um desafio. Este livro aborda esse desafio e destila anos de experiência prática de investimento numa sistematização definitiva desta filosofia de investimento.A teoria financeira afirma que os resultados anormais não perduram, que o desempenho excecional rapidamente se tornará mediano. Investir em qualidade implica procurar empresas com os atributos certos para superar essas forças de reversão à média e, mais importante, investir nessas excelentes empresas para o longo prazo.Este livro aponta e analisa as características que aumentam as probabilidades de uma empresa ter sucesso ao longo do tempo - bem como aquelas características que impedem esse sucesso. Ao longo do livro são abordadas uma série de fascinantes casos de estudo reais que ilustram os traços que significam qualidade.
Numa mistura inovadora de ciência e imaginação, o ex-líder da Google China e um dos mais importantes escritores de ficção especulativa unem forças para responder a uma pergunta: como vai a inteligência artificial mudar o nosso mundo nos próximos vinte anos?A IA vai definir o século XXI, mas muitas pessoas sabem muito pouco sobre ela, exceto as visões de robots distópicos ou carros voadores. Embora o termo exista há já meio século, é só agora, defende Kai-Fu Lee, que a IA está prestes a revolucionar a nossa sociedade, tal como tecnologias como a eletricidade e smartphones o fizeram antes. Nos últimos cinco anos, a IA mostrou que pode aprender jogos como o xadrez em poucas horas - e vencer sempre os humanos . A IA ultrapassou os humanos no reconhecimento de fala e objetos, superando até mesmo os radiologistas nos diagnósticos do cancro do pulmão. Dentro de duas décadas, teremos dificuldades em reconhecer a vida cotidiana.Neste livro provocador que alia a narrativa especulativa e a ciência, Lee, um dos maiores especialistas em IA do mundo, juntou-se ao célebre escritor Chen Qiufan para revelar como a IA vai invadir todos os aspectos do nosso mundo, em 2041.
Um livro profundamente relevante de um dos principais escritores financeiros do mundo, The Price of Time explica a situação financeira global atual e como aqui chegámos.No início era o empréstimo, e o empréstimo tinha juros. Há pelo menos cinco mil anos que as pessoas pedem dinheiro emprestado e emprestam dinheiro com juros. Esta prática nem sempre foi popular no mundo antigo, a usura era geralmente vista como exploradora, um caminho potencial para a servidão e escravidão.No entanto, à medida que o capitalismo se estabeleceu a partir do final da Idade Média, as críticas aos juros foram sendo atenuadas porque os juros eram uma recompensa essencial para que os credores aplicassem o seu capital. E o juro desempenha muitas outras funções vitais: incentiva as pessoas a poupar; permite que valorizem ativos preciosos, tais como casas e todos os tipos de títulos financeiros; e permite-nos pôr um preço no risco.Todas as atividades económicas e financeiras acontecem ao longo do tempo. O juro é frequentemente descrito como o preço do dinheiro, mas na realidade é melhor descrito como o preço do tempo: o tempo é escasso, o tempo tem valor, o juro é o valor do dinheiro no tempo.Nas duas primeiras décadas do século XXI, as taxas de juros caíram mais do que nunca. O dinheiro fácil após a crise financeira global de 2007/2008 causou vários efeitos nefastos, incluindo o aparecimento de várias bolhas de preços de ativos, um abrandamento no crescimento da produtividade, desencorajando a poupança e exacerbando a desigualdade e forçando investidores sedentos por rendimento a assumir riscos excessivos.O mundo financeiro encontra-se agora num lugar difícil e Edward Chancellor está aqui para nos explicar porquê.
Este livro defende que as forças subjacentes da demografia e da globalização farão em breve reverter três tendências globais de várias décadas a inflação e as taxas de juros vão subir, mas levarão a um retrocesso na desigualdade.O que quer que o futuro reserve, argumentam os autores, nada será como o passado.Os ventos deflacionários das últimas três décadas devem-se principalmente a um enorme aumento na oferta de mão de obra disponível no mundo, devido a tendências demográficas muito favoráveis ??e à entrada da China e da Europa Oriental no sistema comercial mundial.Este livro mostra como estas tendências demográficas estão prestes a reverter-se drasticamente, coincidindo com um recuo da globalização.O resultado? Pode-se esperar que o envelhecimento aumente a inflação e as taxas de juros, trazendo uma série de problemas para uma economia mundial superendividada, mas também deverá aumentar a participação do trabalho, de modo que a desigualdade diminua.Abarcando muitos fatores sociais e políticos, bem como aqueles que são mais puramente macroeconômicos, os autores abordam temas como envelhecimento, demência, desigualdade, populismo, aposentadoria e financiamento de dívidas, entre outros. Este livro merece a atenção de qualquer pessoa que esteja interessada em saber para onde vai a economia mundial.
A sugestão de hoje surge-nos de Hugo Palma, informático de profissão e formação, filósofo e desportista por paixão, inconformado com o desinteresse por natureza. Leitor de menos livros de ficção do que por vezes gosta de admitir, mas os temas não ficcionais ganham quase sempre na constante batalha do próximo livro a atacar."O otimista diz O copo está meio cheio. O pessimista diz O copo está meio vazio. O racionalista diz Este copo é o dobro do tamanho que precisa de ser.Para muitos filosofia é sinónimo de algo desprovido de aplicação prática, uma ciência romântica da qual pouca utilidade poderá ser espremida. Proponho que repensem a filosofia como a base para toda a lógica argumentativa mas sem perder de vista o sentido de humor e a capacidade de rir de nós próprios. Neste livro são abordados conceitos basilares da filosofia antiga através de pequenas histórias e anedotas numa voz livre de preconceitos e classicismos. Se filosofia sempre foi aquele tema que pareceu aborrecido ou se simplesmente quer uma resumida e divertida passagem pelos principais filósofos antigos, este é o livro para si."
Mais uma obra-prima de um dos meus autores favoritos. . . Se procura saber mais sobre muitas das forças fundamentais que moldam a vida humana, este é o livro a ler. É um tour de force Bill Gates Nunca tivemos tanta informação ao nosso alcance e, no entanto, a maioria de nós não sabe como o mundo realmente funciona. Este livro explica sete das realidades mais fundamentais que governam a nossa sobrevivência e prosperidade. Desde a produção de energia e alimentos, passando pelo mundo material e pela globalização, até aos riscos que ameaçam a nossa civilização, o meio ambiente e o seu futuro, How the World Really Works oferece-nos uma verificação de realidade muito necessária no fim de contas, antes de podermos enfrentar os problemas de forma eficaz, temos que compreender os factos.Neste livro ambicioso e provocador, vemos, por exemplo, que a globalização não é inevitável - os perigos de permitir que 70% das luvas de borracha do mundo sejam fabricadas em apenas uma fábrica tornaram-se evidentes em 2020 - e que as nossas sociedades têm vindo a aumentar cada vez mais a sua dependência dos combustíveis fósseis, tornando cada vez mais improvável a sua completa e rápida eliminação. Por exemplo, cada tomate cultivado em estufas exige, para a sua produção, o equivalente a cinco colheres de sopa de gasóleo; e ainda não temos formas comercialmente viáveis ??de fabricar aço, amónia, cimento ou plástico, à escala exigida globalmente, sem combustíveis fósseis.Vaclav Smil não é pessimista nem otimista, é um cientista; ele é o perito líder mundial em energia e um polímata surpreendente. Com base na ciência mais recente, Smil responde à pergunta mais profunda dos nossos tempos: estamos irrevogavelmente condenados ou espera-nos uma utopia mais brilhante? Convincente, rica em dados e revisionista, esta obra-prima interdisciplinar encontra falhas em ambos os extremos. Olhar o mundo através desta lente quantitativa revela verdades ocultas que alteram a forma como encaramos o nosso passado, presente e futuro incerto.
Por ocasião das eleições presidenciais americanas, recomendmos a leitura de Washington: A Life.Um retrato emocionante do primeiro presidente dos Estados Unidos pelo autor de Alexander Hamilton, a biografia mais vendida do New York Times que inspirou o musical.O célebre biógrafo Ron Chernow fornece um retrato ricamente matizado do primeiro presidente dos Estados Unidos. Com uma profundidade única, esta vívida narrativa transporta o leitor aos seus primeiros anos de aventura, as suas façanhas heróicas com o Exército Continental durante a Guerra Revolucionária, a sua presidência da Convenção Constitucional e sua desempenho como presidente. Chernow destrói o mito de George Washington como uma figura impassível e sem emoção e traz à vida um homem arrojado e apaixonado de opiniões inflamadas e muitos humores.
Vaclav Smil é um dos autores favoritos de Bill Gates.A sua última obra, Growth - From Microorganisms to Megacities, é alvo de uma entusiástica recomendação do fundador da Microsoft.Leia-a aqui
A economia americana moderna foi criada por quatro homens: Andrew Carnegie, John D. Rockefeller, Jay Gould e J. P. Morgan. Eles foram os gigantes da Era Dourada, um momento de crescimento desenfreado que confirmou a América como o país mais rico, inventivo e produtivo do planeta.Charles R. Morris descreve vividamente os homens e os tempos em que viveram. O cruel e competitivo Carnegie, o imperial Rockefeller e o provocador Gould eram obcecados pelo progresso, experiências e velocidade. Eles foram contrabalançados por Morgan, o cavalheiro empresário, que lutava pela confiança global nos negócios americanos.Com o seu antagonismo e entusiasmo, eles construíram um gigante industrial - e um país de consumidores de classe média. The Tycoons conta a incrível história de como estes quatro homens determinados puxaram a economia para a era moderna, inventando uma nação de plena participação económica que, apenas algumas décadas antes, não poderia ter sido imaginada.
"Nos últimos tempos, tem-se falado muito sobre prestar atenção ao nosso corpo e à nossa mente através da mindfulness, que é uma adaptação moderna da meditação que Buda ensinou há dois milénios e meio. Assim como aqueles que meditam estão cientes de cada respiração para viverem uma vida plena sem serem arrastados pelo caos, a saúde das nossas finanças pessoais também depende do nível de atenção que lhes damos. Nesse sentido, escrevi o livro Money Mindfulness (consciência do dinheiro) como uma via direta para deixarmos de ser esmagados por algo que foi criado para nos ajudar. Ao entendermos o dinheiro e nos responsabilizarmos por ele, assumimos as rédeas das nossas vidas. E isso permite-nos ser livres, independentemente de termos muito ou pouco. Não tem nada a ver com o que possuímos, mas com a atenção que damos ao dinheiro, assim como a pessoa que medita faz com o ar que passa pelas suas narinas.O método que proponho combina a atenção plena com os segredos dos homens e mulheres de negócios com maior sucesso no mundo. Aprenderemos a gerar, economizar e fazer crescer o nosso dinheiro, através de nove leis e pequenos hábitos diários, aplicáveis a todos, que se tornam uma excelente preparação para grandes decisões. As três primeiras leis são sobre como gerar dinheiro. As três seguintes ajudam-nos a poupá-lo. As três últimas são sobre como fazê-lo crescer. Nunca devemos esquecer que muitas coisas que nos fazem felizes não podem ser compradas com dinheiro, mas, para desfrutá-las, precisamos de duas coisas: tempo e serenidade. E ambos dependem da saúde de nossas finanças, crescendo silenciosamente, sem desperdício ou investimentos malucos, enquanto capturamos o melhor da vida."Cristina Benito é economista e graduada do Company Executive Program da IE Business School. Trabalhou nos últimos 20 anos como consultora financeira da Morgan Stanley e também como auditora do Governo da sua região autónoma.Viajou por cinquenta países para encontrar novas formas de progredir na vida quotidiana.Os media afirmam que é a Marie Kondo das finanças pessoais. Coloque ordem no seu bolso e você colocará ordem na sua vida, poderia dizer-se. Isto deve ter algo de verdade, uma vez que o livro Money Mindfulness desta autora de Rioja, que atualmente reside em Lisboa após uma longa estadia em Londres, foi reeditado apenas alguns dias após o seu lançamento e já foram assinados os respetivos direitos de tradução para vários países, como França, Itália , Grécia, Brasil, Portugal e Polónia.
Em Richer, Wiser, Happier, William Green, jornalista financeiro que já escreveu para a Time, Fortune, Forbes e The New Yorker, partilha connosco entrevistas que conduziu ao longo de 25 anos a muitos dos maiores investidores do mundo. Os investidores mais bem-sucedidos são rebeldes e iconoclastas que questionam a sabedoria convencional e lucram com a sua capacidade de pensar de forma mais racional, rigorosa e objetiva. Tal como Green explica, os melhores investidores podem ensinar-nos não apenas como ganhar dinheiro, mas também como melhorar a forma como pensamos, tomamos decisões, avaliamos riscos, evitamos erros dispendiosos, construímos resiliência e utilizamos a incerteza a nosso favor.Green apresenta-nos mais de quarenta superinvestidores, visitando-os nos seus escritórios, casas e até mesmo nos seus locais de culto. Richer, Wiser, Happier reúne o pensamento de muitas das maiores mentes do investimento, de Sir John Templeton a Charlie Munger, Jack Bogle a Ed Thorp, Will Danoff a Mohnish Pabrai, Bill Miller a Laura Geritz, Joel Greenblatt a Howard Marks. Ao explicar como eles pensam e por que ganham, este livro fornece-nos lições que nos enriquecerão, não apenas financeiramente, mas também profissional e pessoalmente.
Lidar com o dinheiro tem mais a ver com a forma como nos comportamos do que com aquilo que sabemos. E este comportamento é muito difícil de ensinar, mesmo a pessoas realmente inteligentes.O dinheiro - investimentos, finanças pessoais e decisões de negócios - é ensinado como algo baseado na matemática, onde os dados e as fórmulas nos dizem exatamente o que fazer. Mas, no mundo real, as pessoas não tomam decisões financeiras com base no Excel. Tomam-nas à mesa de jantar ou numa sala de reuniões, onde a história pessoal, a sua visão única do mundo, ego, orgulho, marketing e incentivos estranhos se misturam.Em The Psychology of Money, Morgan Housel, presença assídua nas nossas newsletters, partilha 19 histórias que exploram as formas peculiares como as pessoas pensam sobre dinheiro e ajuda-nos a compreender melhor um dos tópicos mais importantes das nossas vidas. Howard Marks, a propósito de Morgan Housel, diz, As observações de Housel atingem um duplo alvo: dizem coisas que nunca antes forma ditas e que fazem sentido.
Don't Fall For It de Ben Carlson, presença assídua nas nossas newsletters, explora algumas das maiores fraudes financeiras e mais bem-sucedidos charlatões, golpistas e vigaristas de todos os tempos. Estas histórias reais incluem os relatos de como essas fraudes foram levadas a cabo e discussões sobre o que podemos aprender com elas. Partilhando lições que se aplicam a negócios, gestão de dinheiro e investimentos, este livro responde a questões, tais como: Por que motivo até os mais inteligentes de nós caem vítimas de golpes financeiros? O que torna os vigaristas bem-sucedidos? Por que motivo é mais difícil permanecer rico do que enriquecer? A História está repleta de fraudes e esquemas financeiros sensacionais. A Enron foi forçada a declarar falência após alegações de fraude contabilística maciça, destruindo 78 mil milhões de dólares de capitalização bolsista. Bernie Madoff, o maior charlatão individual da história, construiu um esquema de Ponzi de 65 mil milhões de dólares que resultou numa condenação a uma pena de prisão de 150 anos. Não importa se é um agricultor que anseia por uma cura milagrosa ou uma estrela de Hollywood que procura um lucro rápido - ninguém é imune a ser enganado quando há dinheiro envolvido.
Escrito num estilo direto e realista, Invent and Wander oferece aos leitores uma lição sobre valores de negócios, estratégia e execução:? A importância de uma mentalidade de pioneiro? Por que razão é tudo uma questão de longo prazo? O que significa realmente ser obcecado pelo cliente? Como começar novos negócios e criar um crescimento orgânico significativo numa empresa já bem-sucedida? Por que motivo a cultura é um imperativo? Como a disposição para falhar está intimamente ligada à inovação? O que a pandemia Covid-19 nos ensinouTodos, desde CEOs a empreendedores que acabaram de abrir uma loja, até aos milhões que utilizam os produtos e serviços da Amazon nas suas casas ou empresas, compreenderão os princípios que impulsionaram o sucesso de um dos inovadores mais importantes de nosso tempo.
No mundo dos investimentos, o nome Warren Buffett é sinónimo de sucesso e prosperidade com este livro, o leitor pode aprender como Warren Buffett conseguiu isso e como ele também pode conseguir.Construindo do zero, Buffett escolheu as suas ações sabiamente e com cuidado, por sua vez acumulando a enorme fortuna pela qual agora é famoso. Mary Buffett, ex-nora deste lendário génio financeiro e uma empresária de sucesso por seus próprios méritos, juntou-se ao famoso Buffettologist David Clark para criar Buffettology, um guia de investimento único que explica as estratégias vencedoras do mestre.
Nesta edição da nossa Newsletter, partilhamos a sugestão de Carlos Lucena, Presidente do Conselho de Administração da TELLES.ESTRADA LESTE-OESTEO livro Estrada Leste-Oeste, de Philippe Sands, mereceu a minha escolha para efeitos de um breve comentário neste local, depois de inicialmente ter estado perto de fazer a minha opção pelo livro Le Naufrage des Civilizations de Amin Maalouf . Um e outro contribuíram de forma decisiva para o meu ano de 2019.Philippe Sands é um brilhante advogado inglês exercendo a sua atividade internacionalmente na área dos direitos humanos, que escreve maravilhosamente, neste livro, a propósito dos Julgamentos de Nuremberga, subsequentes ao final da segunda guerra mundial, a história da sua família.Nesse contexto, evidencia um profundíssimo conhecimento da evolução da europa central nos anos decisivos posteriores à grande guerra de 1914/1918 e até ao período da guerra fria, relata espantosamente episódios terríveis do período nazi, distingue claramente as realidades inglesa e americana, com relevo para o setor do ensino, evidencia um controlo rigoroso de noções jurídicas como as de crime contra a humanidade e de crime de genocídio, difíceis de precisar e hoje ainda mundialmente tão relevantes, descreve parte importante dos referidos julgamentos, cuja importância na história do direito nunca é demasiado sublinhar, tratando-se da primeira vez que um conjunto de responsáveis por um país foram julgados pelo seu papel durante uma guerra, ao mesmo tempo que descreve o percurso da sua família, cujos membros, por serem judeus, tiveram, em diferentes campos de concentração, o destino trágico que milhões de outras pessoas conheceram.Tudo isto Philippe Sands descreve de uma forma elevada, rigorosa e escrupulosa, revelando um grande conhecimento dos homens e dos seus comportamentos, nas diferentes circunstâncias em que são chamados a viver, descrevendo objetivamente o percurso de famílias judias perseguidas e de famílias dos seus perseguidores, da história da segunda grande guerra, fazendo refletir o depoimento de filhos dos condenados de Nuremberga, tudo com recurso aos meios tecnológicos hoje ao nosso dispor, que só eles permitiram reconstituir a passagem por diferentes e longínquas partes do mundo de um conjunto vasto de pessoas que se cruzaram com os seus avós.Fica bem claro, quando se lê um livro como a Estrada Leste-Oeste, que o bem e o mal não são noções subjetivas, que há um critério comum dos mesmos que não pode deixar de reger os humanos e que, hoje, apesar de muitos anos decorridos desde que conhecemos a verdade da guerra de 39-45, há estradas como aquela que está na origem do nome desta obra que estão todos os dias a ser percorridas por seres humanos e que continuam a separar civilizações e comunidades.Leiam o livro!Recomendação de leitura por Carlos LucenaCarlos Lucena é sócio fundaddor da Telles desde 1992, foi seu Managing Partner até 2016 e é atualmente Presidente do Conselho de Administração. Intervém essencialmente nas áreas de Direito Comercial e Societário, Corporate Governance e Imobiliário. Tem grande experiência no acompanhamento de empresas familiares, family offices e de famílias ligadas a empresas. É Licenciado em Ciências Jurídico-Económicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1983).
"Sendo os administradores de tais empresas os gestores de dinheiro alheio, mais do que do próprio, não se pode esperar que o vigiem tão ansiosamente como os sócios particulares fazem com o seu. [...] A negligência e profusão, portanto, prevalecem sempre."
-- Adam Smith, A Riqueza das Nações
Nos últimos oito anos, os vinte maiores bancos do mundo pagaram mais de 235 mil milhões de dólares em multas pela violação de regulamentos financeiros. Estas multas afetaram os esforços dos bancos em reforçar os seus capitais, reduziram dividendos e levaram a enormes perdas de riqueza para os seus acionistas e reduziram os montantes disponíveis para emprestar à economia. Quando parece que todos perderam, a questão que se coloca é como foi possível e em benefício de quem?
1 . Wells Fargo - uma entrevista há cerca de um ano o CEO do Wells Fargo, John Stumpf, declarou: "Não quero que ofereçam um produto a alguém que não sabe qual é o seu benefício ou que o cliente não o compreenda, não o queira ou não precise dele".
Nas últimas semanas ficamos a saber que pelo menos 5300 colaboradores do Wells Fargo, o banco mais valioso do mundo em capitalização bolsista, abriram, ao longo de cinco anos, dois milhões de contas falsas em nome de milhares de clientes sem o seu conhecimento e autorização. O Wells Fargo cobrou então pelo menos 1,5 milhões de dólares em comissões nessas contas que foram criadas simplesmente para aumentar a remuneração dos colaboradores cujos programas de incentivo os recompensavam pela abertura do maior número de contas possível. Algumas das contas foram encerradas imediatamente após o colaborador receber a comissão. O objetivo deste esquema era cumprir objetivos de aberturas de contas e não roubar vastas somas de clientes desprevenidos. Entretanto, ao longo de vários anos, o banco foi despedindo estes colaboradores.
O Wells Fargo, que se estima vir a ganhar este ano 20,6 mil milhões de dólares, foi condenado a pagar apenas 185 milhões de dólares de multa uma vez que os benefícios financeiros colhidos pelo banco nestas operações fraudulentas são relativamente pequenos.
O banco, que historicamente manteve sempre uma boa reputação não apenas na capacidade de gerir o risco das suas atividades, mas também na sua atividade de cross-selling, tem como maior acionista a Berkshire Hathaway, empresa de Warren Buffett, que detém cerca de 10% do banco. O Sr. Buffett até ao momento não fez qualquer comentário sobre este assunto. No entanto, a sua exigência no comportamento ético dos gestores é bem conhecida e discutida nas suas cartas anuais e Assembleias acionistas ao longo de décadas. É dele a famosa citação "Perca dinheiro para a empresa e eu serei compreensivo. Perca um pedacinho de reputação e eu serei implacável".
Passados oito anos sobre o início da grande crise financeira de 2008, a legislação que, entretanto, entrou em vigor não conseguiu reduzir os incentivos perversos que encorajam a indústria financeira a arriscar em demasia à custa dos clientes, dos acionistas e dos contribuintes.
Apesar de toda a regulação e de milhares de milhões de dólares gastos em compliance, como foi possível que tantos colaboradores estivessem envolvidos nesta atividade tão flagrantemente corrupta? Pressionados pela gestão para cumprir objetivos muito difíceis de alcançar, estes colaboradores optaram pela via mais fácil e não lucrativa para o banco. No final de contas, os clientes foram prejudicados e o banco nem sequer ganhou dinheiro com isto. O banco é o grande perdedor, com danos reputacionais enormes e a perda de confiança dos reguladores, acionistas e clientes.
2. Deutsche Bank - num artigo da revista The Economist, do passado dia 24 de setembro, "Não vai pagar! Não pode pagar?", revela-se que o Departamento de Justiça (DoJ) americano multou o Deutsche Bank em 14 mil milhões de dólares pela emissão e venda de títulos hipotecários entre 2005 e 2007. O Banco alemão já anunciou que vai recorrer e acredita que poderá negociar um acordo por valores menores. O DoJ já tinha multado a Morgan Stanley em 3,2 mil milhões, o Bank of America em 16,7 e o Citigroup em 7.
Segundo a The Economist, o Deutsche Bank terá muitas dificuldades em pagar esta multa sem recorrer a um enorme aumento de capital. Em 2015 teve prejuízos de 6,8 mil milhões de euros, eliminou o dividendo e avisou os acionistas que não iria ter lucros em 2016. Em 27 de setembro a cotação do DB estava em mínimos de 30 anos e a capitalização bolsista em cerca de 14,5 mil milhões.
A pergunta que se coloca é simples: o que levou os gestores da banca a enveredarem por uma estratégia de venda de produtos estruturados complexos, que a esmagadora maioria dos clientes não entende, que têm um comissionamento tão elevado que, na maior parte das vezes, resultam em perdas para os clientes e, como se pode ver pelos seus resultados, levam a uma perda de valor imensa para os seus acionistas, os verdadeiros donos do capital destes bancos?
3. Na semana passada, num artigo do Financial Times, é apresentado um estudo de Thomas Philippon Professor de Finanças na Universidade de Nova York. Este concluiu, analisando informação desde finais do séc. XIX, que o setor financeiro americano não teve absolutamente nenhuns ganhos de produtividade nos últimos 130 anos. Estas conclusões poderão ser extrapoladas para a maior parte dos países. Todos os outros setores da economia reduziram custos e aproveitaram a revolução informática para aumentar os seus ganhos.
Por que motivo foi o setor financeiro incapaz de oferecer um serviço melhor e mais barato? Porque é que as forças de mercado não conseguiram promover maior eficiência?
As respostas a estas perguntas podem ser encontradas no livro "What they do with your money" ("o que fazem com o seu dinheiro) de Stephen Davis, Jon Lukomnik e David Pitt-Watson. Segundo os autores, a cadeia de intermediários financeiros cresceu de tal forma que os donos do capital perderam de vista as várias camadas de intervenientes no mercado. A opacidade permite que aqueles que têm conhecimentos nesta área utilizem a sua capacidade para se servirem a eles próprios sem passar os benefícios aos clientes finais. Os ganhos de produtividade são distribuídos dentro da indústria sob a forma de comissões e retrocessões. O sistema é institucionalmente corrupto no sentido em que incentivos tóxicos encorajam os agentes financeiros a ignorar as suas obrigações fiduciárias e a servir-se, em benefício próprio, do dinheiro alheio.
Os autores do livro realçam o facto de que as comissões, escondidas e explícitas, cobradas pelas instituições financeiras, reduzirem significativamente os retornos para os fundos de pensões e os investidores ao longo do tempo. Salientam também que muita da actividade financeira se resume ao trading entre instituições financeiras.
4. Passados oito anos sobre o início da grande crise financeira de 2008, a legislação que, entretanto, entrou em vigor não conseguiu reduzir os incentivos perversos que encorajam a indústria financeira a arriscar em demasia à custa dos clientes, dos acionistas e dos contribuintes.
Os incentivos para enganar os mercados são enormes: os bónus são demasiado altos, a ameaça de cadeia para os prevaricadores é mínima e os chefes não são responsabilizados.
Segundo Sheila Bair, ex-presidente da FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation), "se os incentivos estiverem alinhados com os interesses dos clientes e acionistas, o capitalismo será visto como um instrumento de comportamento moral e não uma obstrução. A complexidade da legislação regulatória beneficia as grandes instituições que dispõem de enormes equipas jurídicas que encontram buracos na lei e conseguem acordos com os reguladores que impedem os processos criminais sobre os responsáveis dos bancos".
Sheila Bair conclui: "nestes acordos judiciais em que os bancos pagam multas de milhares de milhões de dólares, o dinheiro sai praticamente todo dos bolsos dos acionistas. O setor financeiro, traders e gestores que assumem grandes riscos na tentativa de conseguir lucros e bónus enormes só compreendem duas coisas: a pobreza ou a cadeia. Um novo código de ética não resolve problema algum".
Apesar da abundância de regulação produzida desde a crise de 2008, continuamos a assistir a uma enorme destruição de riqueza e confiança por parte do sistema financeiro. É, por isso, fundamental fazer um reboot do capitalismo no setor, simplificando a oferta de produtos, aumentando a transparência de custos e comissões, reestruturando a cadeia de incentivos, responsabilizando os gestores e implementando muitos dos princípios perdidos do governo das empresas. Só assim será possível restabelecer o laço fiduciário que deve constituir a essência do serviço prestado por uma instituição financeira.
Theresa May, recém-empossada primeira-ministra, declarou esta semana que o 'Brexit' vai ser um êxito. David Cameron, na saída, disse: "Eu fui o futuro outrora".
Passadas algumas semanas sobre o resultado do referendo no Reino Unido, os mercados acionistas recuperaram mas o futuro continua incerto. É natural que a volatilidade dos preços dos ativos se mantenha e que se continue a especular sobre os possíveis acordos que venham a ser negociados e o impacto económico desta separação.
Mesmo sem especular sobre o processo de separação, há uma série de efeitos que já são percetíveis e vão marcar os próximos tempos. Em primeiro lugar, este parece ser mais um capítulo nas guerras cambiais a nível global. Os bancos centrais já competiam para ver quem injetava mais liquidez na economia, levando as taxas de juro para níveis negativos num dos maiores confiscos da poupança da história. Para prevenir um pânico generalizado pós-'Brexit' e com a violenta desvalorização da libra, todos se disponibilizaram para continuar a conduzir políticas monetárias fortemente expansionistas e os EUA adiaram subidas de taxas de juro. Na prática, ninguém quer ver a sua moeda valorizar demasiado e perder competitividade para o vizinho.
Este é um efeito tremendo: os bancos centrais têm carta branca para continuar com políticas que não põem um custo no valor do dinheiro, aumentando a bolha nos ativos de taxa fixa. A emissão de dívida a 30 anos do Governo americano foi feita esta quarta-feira à taxa de 2,17%, o mínimo histórico. Já se paga para emprestar dinheiro ao Governo alemão a 10 anos, ao Governo japonês a 20 anos e ao Governo suíço a 50 anos. Esta distorção tremenda patrocinada pelos bancos centrais está a colocar os investidores numa busca desesperada por rendimento, que muitas vezes ignora os riscos subjacentes. Tendo em conta que as ações europeias estão a pagar um dividendo de cerca de 4%, a diferença entre o rendimento pago pelas ações face às obrigações de dívida pública é a maior desde os anos 50. Na próxima década, muito dificilmente as ações não serão um melhor investimento do que as obrigações de governos.
Poderemos assistir ao ressurgir de um neomercantilismo (bem presente no populismo de Donald Trump), que além das guerras cambiais faça regressar o espectro de tarifas e barreiras ao comércio. A WTO (Organização Mundial do Comércio) tem vindo a alertar para o reaparecimento de medidas protecionistas que prejudicam o crescimento mundial. O efeito de uma nova onda de políticas beggar thy neighbour (empobrecer o vizinho) pode constituir um retrocesso à globalização das últimas décadas e afetar negativamente o crescimento económico mundial.
Os bancos centrais têm carta branca para políticas que não põem um custo no valor do dinheiro, aumentando a bolha nos ativos de taxa fixa.
Por outro lado, a saída britânica vem colocar na ordem do dia duas reformas: a das instituições europeias e a do sistema bancário. Se a reforma da eurocracia de Bruxelas vai depender da vontade política e é necessária para solidificar o projeto europeu, a reforma do sistema bancário é muito mais premente e inevitável. Ao contrário dos EUA, que intervieram decisivamente no pico da crise para estabilizar o sistema financeiro, a resposta europeia foi fragmentada, país a país, e deixou uma série de bancos em situações complicadas. As notícias dos últimos dias, com a suspensão de resgates em fundos imobiliários ingleses e o arrastar de uma solução para a banca italiana, começa a lembrar o início da crise financeira em 2007. E grande parte da banca europeia negoceia em níveis que indicam a necessidade de fortes aumentos de capital, seja em Itália, Alemanha ou Portugal.
Acima de tudo, o 'Brexit' vai ser uma excelente desculpa para gestores e políticos. Já tivemos alguns exemplos nas últimas semanas, mas nos próximos meses (porventura anos) vamos ver uma série de grandes empresas e governos a culpar o processo de secessão britânica pelos resultados falhados. Mas tirando alguns sectores que estão diretamente expostos e são afetados por ele (veja-se o caso do sector imobiliário de Londres), o 'Brexit' não deveria afetar quem tem boas políticas de gestão ou de investimento.
Na conferência de acionistas da Berkshire Hathway, em abril passado, quando questionado sobre a possível saída do Reino Unido, Warren Buffett frisou que achava melhor o Reino Unido manter-se na União Europeia. No entanto, mesmo que soubesse antecipadamente o resultado do referendo, não mudaria absolutamente nada nas suas decisões de investimento.
Um bom investimento não deve depender de cenários macroeconómicos. Deve ser feito pela qualidade do ativo e o desconto a que se consegue comprar face ao seu valor intrínseco. A incerteza pode ser amiga do investidor de longo prazo.
Há uns anos, John Kay, reputado economista escocês e colunista do Financial Times, relatava num artigo de opinião a parábola do Touro, que transcrevo abaixo:
"Em 1906, o grande estatístico Francis Galton assistiu, numa feira rural, a um concurso onde se tentava adivinhar o peso de um touro. Participaram oito centenas de pessoas. Galton, como estatístico que era, fez testes estatísticos sobre os números. Descobriu que a estimativa média era extremamente próxima do peso real do touro. Esta história foi contada por James Surowiecki, no livro "The Wisdom of Crowds".
Poucas pessoas sabem o que se passou de seguida. Alguns anos mais tarde, a balança do concurso parecia estar a ficar cada vez menos fiável. A reparação seria muito dispendiosa; no entanto, o organizador da feira teve uma idéia brilhante. Uma vez que os concorrentes eram tão bons na estimativa do peso do touro, era desnecessário reparar a balança. O organizador simplesmente recolheria as estimativas de todos os concorrentes e calcularia a média.
Da mesma forma, a psicologia do investimento em rebanho movimenta-se num padrão regular, tal como um pêndulo. Do optimismo ao pessimismo; da credulidade para o cepticismo; do medo de perder oportunidades ao medo de perder dinheiro; da vontade de comprar à urgência em vender.
Surgiu, no entanto, um novo problema. Uma vez que estes concursos eram cada vez mais populares, alguns participantes tentavam fazer batota, ao ponto de procurarem conseguir informações privilegiadas do agricultor que tinha criado o touro. Temia-se que, se algumas pessoas tivessem essa vantagem, as outras se recusariam a participar nos concurso de adivinhação do peso. Com apenas alguns participantes, não se poderia confiar na sabedoria da multidão. O processo de descoberta do peso poderia ficar comprometido.
Decidiu-se então introduzir regras rigorosas. O agricultor foi convidado a preparar boletins trimestrais sobre o desenvolvimento do seu touro. Estes boletins eram publicados nos portões do mercado para que todos pudessem ler. Se o agricultor partilhasse com amigos qualquer outra informação relevante sobre o animal, esta deveria ser também publicada nos portões do mercado.
Qualquer pessoa que participasse no concurso com conhecimento, sobre o touro, que não estava disponível para todos, seria expulso do mercado. Desta forma, seria mantida a integridade do processo de adivinhação do peso.
O conteúdo destes anúncios regulatórios era escrutinado por analistas profissionais que aconselhavam os seus clientes sobre as suas implicações.
Pagavam almoços e jantares aos agricultores; mas, a partir do momento em que os agricultores foram obrigados a ter cuidado com as informações que divulgavam, essas refeições tornaram-se menos frutíferas.
Alguns analistas mais inteligentes perceberam que a informação sobre a nutrição e a saúde do touro não era assim tão útil. Uma vez que já não se pesava o touro, a chave para o sucesso não era adivinhar corretamente o seu peso, mas sim adivinhar corretamente o que as outras pessoas iriam adivinhar. Ou o que os outros imaginariam que os outros iriam adivinhar. E assim por diante.
Algumas pessoas, como o velho agricultor Buffett, tentaram chamar a atenção para o fato de que os resultados deste processo estarem cada vez mais divorciados da realidade da criação de touros. Foi completamente ignorado. A verdade é que os animais do agricultor Buffett pareciam saudáveis e bem alimentados e a sua situação financeira era cada vez mais próspera; mas Buffett era um simples camponês que não compreendia como os mercados funcionavam.
Foram criados organismos internacionais para definir as regras de avaliação do peso do touro. Havia dois padrões concorrentes - Os Princípios de Pesagem do Touro Geralmente Aceites e os Padrões Internacionais de Pesagem do Touro. Ambos concordam, no entanto, com um princípio fundamental, consequência da necessidade de eliminar o papel da subjetividade individual. O peso do touro foi definido oficialmente como a média de todas as estimativas.
Por vezes, havia poucas ou mesmo nenhumas estimativas do peso do touro. Mas rapidamente se resolveu esse problema. Matemáticos da Universidade de Chicago desenvolveram modelos a partir dos quais era possível calcular a média das estimativas, se essas estimativas tivessem sido levadas a cabo. Deixou de ser necessário qualquer conhecimento de pecuária, apenas era preciso um computador potente.
Por esta altura, havia já uma enorme indústria de adivinhadores de peso profissionais, organizadores de concursos de adivinhação de peso e consultores que ajudavam, a troco de uma comissão, as pessoas a refinar as suas estimativas. Algumas pessoas sugeriram que seria mais barato reparar a balança. Foram, no entanto, ridicularizadas. Porque motivo se regressaria a um tempo em que se dependia apenas de uma pessoa quando podemos beneficiar da sabedoria agregada de tantas pessoas inteligentes? Entretanto, o touro morreu. No meio de toda esta atividade, ninguém se lembrou de o alimentar".
A importância da balança
John Kay ilustra, com a parábola do touro, que há uma complexidade totalmente desnecessária nos mercados financeiros e cujo resultado final para o investidor é praticamente zero ou negativo. Tanta atividade, tanta sofisticação, tantos recursos dispendidos e no final o touro morre?
A melhor fundação para um investimento de sucesso é o valor. A balança permite saber o peso, o que vale e o que se poderá extrair do bem. Temos que ter uma ideia sólida do que vale aquilo que estamos a pensar comprar.
A nossa perspetiva de valor tem que ter base em alicerces fatuais e analíticos sólidos. Só assim, saberemos quando comprar ou vender. Apenas uma forte ideia do valor pode dar-nos a disciplina necessária para realizar lucros num ativo altamente valorizado que todos acham que vai continuar a subir ou para manter em carteira e comprar mais durante uma crise mesmo que os preços caiam todos os dias. Obviamente, para que estes esforços dêem fruto, a nossa estimativa de valor não precisa de ser exata. Deve, no entanto, ser aproximada.
A relação entre preço e valor guarda a chave para o sucesso no investimento. Comprar abaixo do valor é o caminho mais fiável para o lucro. Pagar acima do valor raramente funciona.
No curto prazo, o mercado é uma máquina de votar - reflectindo um 'recenseamento' que requer apenas dinheiro e não inteligência ou estabilidade emocional mas no longo prazo, o mercado é uma máquina de pesar - uma balança.
Para além da Balança
A relação entre preço e valor é influenciada pela psicologia e fatores técnicos, forças que podem dominar os fundamentais no curto prazo. As variações extremas nos preços devidas a estes fatores fornecem oportunidades para grandes lucros ou grandes erros. Para conseguir os primeiros e evitar os últimos, devemos manter-nos fiéis ao conceito de valor e lidar com a psicologia e os fatores técnicos.
As economias e os mercados têm ciclos positivos e negativos. Qualquer que seja a direção que tomam em determinado momento, as pessoas acreditam que essa direção será eterna. Esta forma de pensar é muito perigosa uma vez que envenena os mercados, causa avaliações extremadas e inflaciona bolhas e pânicos aos quais muitos investidores não resistem.
Da mesma forma, a psicologia do investimento em rebanho movimentase num padrão regular, tal como um pêndulo. Do otimismo ao pessimismo; da credulidade para o ceticismo; do medo de perder oportunidades ao medo de perder dinheiro; da vontade de comprar à urgência em vender. O balançar do pêndulo faz com que grande parte das pessoas compre a preços altos e venda a preços baixos. Assim, fazer parte do rebanho é uma receita para o desastre enquanto que remar contra a maré nos extremos do mercado ajuda a evitar perdas e leva eventualmente ao sucesso.
O conforto de ser investidor em valor
Para a maioria dos gestores profissionais de fundos, prisioneiros da medição trimestral da performance - e de todo o sistema evidenciado na parábola do touro - o valor de um ativo é aquilo que alguém está disposto a pagar por ele.
Em contraste, para um investidor em valor e, portanto paciente, um ativo vale o mais alto do seu valor fundamental e do seu valor de mercado: se o preço de mercado é superior ao valor fundamental, o investidor em valor pode vender ao preço de mercado e procurar alternativas. Se o preço de mercado é inferior ao valor fundamental, o investidor em valor pode continuar a manter o ativo em carteira e beneficiar dos retornos dos cash flows estimados.
Como Ben Graham e Warren Buffett dizem há décadas, o volátil Sr. Mercado (que, por vezes, está disposto a comprar coisas por mais do que elas valem ou vendê-las por menos do seu valor) é nosso amigo, não inimigo. O investidor em valor tem uma vantagem no que diz respeito ao valor fundamental porque faz uso da "balança", dispensa as opiniões da maioria, os consultores desnecessários, os analistas adivinhos e atua baseado no valor do bem.
Os preços de mercado representam um concurso de popularidade (por vezes irracional) de curto prazo, semelhante a uma eleição mas, no longo prazo, tendem a ganhar em valor devido aos retornos no capital, crescimento económico e inflação (e para os investidores particulares, nos dividendos recebidos) - semelhante a uma balança. Este ano que agora termina foi um bom exemplo do que aqui escrevo. Faremos o seu balanço no próximo artigo.
Desejo um Bom Ano a todos.
"Os investidores perdem muito mais dinheiro a prepararem-se para correções ou a tentar antecipar correções do que nas correções propriamente ditas."
-- Peter Lynch
Apesar da valorização de alguns dos principais índices, os últimos tempos não têm sido fáceis para os investidores e parece que tudo conspira para que tomem as piores decisões possíveis:
1 - taxas de juro a zero e quase ausência de retorno em investimentos de taxa fixa;
2 - excesso de oferta de produtos financeiros e conselheiros/consultores financeiros - os chamados "ajudantes" - dispostos a abraçar qualquer estratégia "fácil" e com resultados rápidos;
3 - a falta de paciência para aguardar que os investimentos deem frutos;
4 - incertezas, que existem sempre, que por vezes não são ignoradas.
Nos primeiros dias de janeiro, alguns profetas da desgraça previram quedas de mais de 50% nos mercados acionistas. Apesar da maioria das pessoas não saberem quem são, o que fazem ou o que ganham com tais opiniões e sobretudo, se alguma vez estiveram certos ou se ganharam dinheiro para os seus clientes, tomaram decisões de investimento e de vendas de ativos, motivados por estas opiniões.
Para tornar tudo mais difícil, o ano de 2016 está marcado por dois eventos relevantes: em junho, a consulta popular no Reino Unido sobre a permanência ou saída da União Europeia - que resultou no Brexit - e pelas eleições americanas, a realizar já no dia 8 de novembro.
O ser humano está geneticamente programado para prestar mais atenção às más notícias. Os nossos antepassados nas savanas, quando ouviam um restolhar na erva, imaginavam sempre que era um predador e não apenas o vento. Esta era uma arma de sobrevivência: se se assustassem e fosse apenas o vento, não havia problema nenhum. Pelo contrário, se não prestassem a devida atenção e fosse um leão, perderiam a vida. Por isso, são impelidos para a ação, mesmo que posteriormente se verifique que esta era desnecessária.
Este comportamento verifica-se diariamente nos mercados: muitas vezes sem qualquer justificação os investidores entram em pânico e vendem as suas posições. Esta é uma forma de estancar as perdas potenciais dos seus investimentos. Outra abordagem muito comum é a tentativa de adivinhar a melhor altura para sair ou entrar, com base na probabilidade de determinados acontecimentos se verificarem. Preferem tomar decisões sobre acontecimentos que não conseguem controlar do que agir sobre aquilo que conseguem avaliar - a qualidade dos ativos.
Um jogo de soma negativa
Foi o que fizeram no dia em que se conheceram os resultados que confirmaram a saída do Reino Unido da União Europeia. Os mercados abriram com quedas muito elevadas porque os investidores foram surpreendidos pelos resultados. No entanto, a pressão vendedora demorou apenas dois ou três dias e passadas duas semanas os mercados haviam recuperado e alguns ultrapassado os máximos anteriores. Muitos investidores perderam nas comissões de transação e regressaram ao mercado para comprar a preços mais altos.
A história tem mostrado que as eleições não têm um impacto duradouro na performance global dos mercados. A eleição poderá causar alguma volatilidade de curto prazo. No entanto, está comprovado que manter a disciplina é a estratégia de longo prazo mais acertada. Uma análise de como o mercado se comportou durante diferentes governos - democratas e republicanos - desde 1960 revela que, no longo prazo, não existem diferenças significativas.
Que impacto terão as eleições nos seus investimentos?
Nas últimas semanas a preocupação dos investidores tem estado centrada nos resultados das eleições americanas. Motivados pelo efeito de surpresa do referendo no Reino Unido, muitos reduziram a exposição a ações para a eventualidade do mercado cair caso o candidato republicano ganhe as eleições.
E se não ganhar? E se os mercados não caírem? Voltam a entrar a que preços?
A história tem mostrado que as eleições não têm um impacto duradouro na performance global dos mercados. A eleição poderá causar alguma volatilidade de curto prazo. No entanto, está comprovado que manter a disciplina é a estratégia de longo prazo mais acertada.
Uma análise de como o mercado se comportou durante diferentes governos - democratas e republicanos - desde 1960 revela que, no longo prazo, não existem diferenças significativas. Ambos os partidos conseguiram retornos anuais na ordem dos 12%.
Um bom conselho raramente muda
De uma forma geral, os investidores não conseguem seguir uma estratégia de investimento sensata e de longo prazo. São seduzidos pela atração do trading constante, caro e pouco produtivo. A consequência quase inevitável são resultados desapontantes.
Os bons conselhos raramente mudam enquanto que os mercados mudam constantemente. A tentação de agradar é quase irresistível. E embora as pessoas precisem de bons conselhos, o que querem ouvir são conselhos que soem bem, os que confirmam a sua crença ou opinião.
O conselho que soa melhor no curto prazo é sempre o mais perigoso no longo prazo. Todos querem o segredo, a chave, o mapa para o caminho rosado que leva ao El Dorado: o investimento mágico de alto retorno e baixo risco que dobra o dinheiro em muito pouco tempo. Todos querem apanhar os retornos dos produtos da moda e evitam aquilo que caiu em desgraça. O jornalismo financeiro, assim como as instituições financeiras, seguem um princípio básico do marketing: quando os patos grasnam, dêem-lhes de comer.
As emoções que nos condicionam
"Espíritos animais" é a expressão que John Maynard Keynes utilizou no seu livro de 1936, "A Teoria Geral do Emprego, Juro e Dinheiro", para explicar as emoções que influenciam e condicionam os nossos comportamentos e decisões: "A juntar à instabilidade devida à especulação, existe a instabilidade devida à característica da natureza humana que dita que uma grande proporção das nossas atividades depende de impulsos espontâneos e não de expectativas matemáticas ou económicas. Provavelmente, a maioria das nossas decisões apenas pode ser encarada como resultado de espíritos animais, isto é, uma tendência espontânea para a ação ao invés da inação e não como o resultado de uma média ponderada de benefícios quantitativos multiplicada pelas probabilidades quantitativas".
Segundo os neurocientistas, há um conjunto de situações em que somos mais suscetíveis de tomar decisões irracionais e que automaticamente nos conduzem a decisões emotivas: quando o problema é complexo, quando a informação está em permanente mudança e aparece de forma incompleta e confusa, quando os objetivos estão mal definidos, quando o stress é elevado, quando as decisões dependem da interação com terceiros e quando muito está em jogo. As decisões de investimento com que aforradores se deparam encaixam bem nas circunstâncias descritas.
Haverá sempre incertezas políticas, económicas e outras. E depois? A incerteza pode-nos ser favorável.
Haverá sempre opiniões contrárias, por isso é que há milhões de vendedores e compradores a fazer negócio. No entanto, nós sabemos que ter uma mente independente, por vezes contrária, é fundamental. Não nos tornamos investidores em valor para sentir a validação dos outros. Tornamo-nos investidores em valor porque esta é a melhor e talvez a única estrela polar para todos aqueles capazes de se manterem pacientes, orientados para o longo prazo e avessos a riscos desnecessários.
O verdadeiro investidor em valor tem cadeira permanente no mercado financeiro.
Ao longo dos últimos 6 anos o que fizemos foi manter firme a nossa estratégia de criação de valor. Porque razão haveríamos de vender ações em 2011 quando a agência de rating S&P baixou o rating da dívida americana? Os mercados recuaram temporariamente 18 a 20%. Nós aproveitámos para comprar ações americanas que estavam baratas: Walmart, Wells Fargo, Pfizer, General Electric, Microsoft, entre outras.
Porque razão haveríamos de vender no passado dia 24 de agosto de 2015 quando ações como a Johnson & Johnson caíram 20% sem qualquer notícia que tivesse a ver com a empresa? Nós aproveitamos para comprar esta e outras empresas que, passadas algumas horas, tinham recuperado grande parte das perdas.
Porque razão haveríamos de vender ações no dia seguinte ao referendo no Reino Unido que deu a vitória ao Brexit? Nós estivemos a comprar. Alguns dias depois, os mercados estavam acima dos níveis anteriores ao referendo.
Peter Lynch, que geriu o fundo Magellan entre 1977 e 1990, ganhou em média 29,2% ao ano. Numa das suas célebres citações disse:
"Não me recordo de alguma vez ter visto o nome de alguém que prevê o mercado na lista anual das pessoas mais ricas do mundo da Forbes. Se fosse realmente possível prever correções do mercado, acho que alguém já teria feitos milhões com isso".
A reação dos mercados financeiros ao voto britânico foi muito forte. Durante a sessão asiática, a libra caiu mais de 10% face ao dólar cotando mínimos dos últimos 30 anos e a queda face ao yen foi ainda mais acentuada. Os investidores reagem muito mal a surpresas e odeiam a incerteza que o resultado do referendo origina.
Os jornalistas e comentadores de televisão falam como se tivessem a roupa interior a arder e conseguem incutir ainda mais ansiedade e vontade de agir nos investidores, profissionais ou não. A surpresa faz com que sintamos mais urgência em agir do que o habitual mas isso é uma ilusão.
As questões e opiniões sobre que impacto económico o Brexit terá para os investidores e para o crescimento económico, que consequências políticas emergirão e como afetará a circulação de pessoas e bens são escalpelizadas com todo o tipo de cenários. É muito provável que o que na realidade vai acontecer seja significativamente diferente. Contudo, a especulação tomou conta do discurso e da ação nos mercados financeiros.
Na sexta-feira, dia 24, a revista inglesa The Economist escrevia o seguinte: "Os investidores iniciaram a fuga para a segurança das obrigações do tesouro americano. Com a abertura dos mercados na Europa, os principais índices seguiram a tendência asiática e caíram cerca de 10%. Mas as quedas nos mercados asiáticos são também, em larga parte, um julgamento preliminar do impacto do referendo na economia mundial. Claro que, muitas vezes, os mercados reagem excessivamente. A Grã-Bretanha representa apenas 3,9% da economia mundial; não é suficientemente poderosa para influenciar o clima económico mundial da mesma forma que os Estados Unidos ou a China. No entanto, a economia americana tem estado letárgica e a capacidade da China de escapar da sombra da sua gigantesca dívida tem causado grandes preocupações. A economia britânica tem grande influência na Europa, onde é uma consumidora fiável num continente que privilegia mais a poupança. Qualquer disrupção ao crescimento europeu, nesta altura, não é particularmente bem vinda. O Banco de Inglaterra declarou hoje que, "Estamos bem preparados para isto". Poderá cortar as taxas para 0,5%. Poderá até reativar o programa de recompra de ativos, comprando obrigações com dinheiro acabado de imprimir. No entanto, uma recessão em Inglaterra é altamente provável. O investimento das empresas será atingido pela incerteza quanto ao acesso tanto ao mercado único como a outros locais onde a Grã-Bretanha aproveitou a boleia dos acordos comerciais negociados pela União Europeia. Em tempos de agitação, as empresas adiam todas as despesas. O mesmo é verdade para os consumidores."
De tantas opiniões ouvidas nos últimos dias, o que seguramente se pode concluir é que ninguém sabe exatamente o que se vai passar. Sabe-se contudo, que as diversas autoridades monetárias estão preparadas para agir, mantendo o dinheiro muito barato e dando liquidez ao sistema financeiro para que as grandes variações cambiais e nos preços de matérias primas e ativos financeiros, possam acontecer sem que os choques causem maiores danos ou pânico. Nas grandes crises, o maior problema é a falta de liquidez, as "portas" estreitas por onde o rebanho quer sair ou entrar ao mesmo tempo.
O preço a que se faz negócio nessas situações é sempre muito desfavorável: os investidores pagam caro o otimismo e pagam barato o valor que o pessimismo gera.
Jason Zweig, colunista do Wall Street Journal e defensor do Investimento em Valor, escreve "Quanto mais doi, mais pode ganhar: Investir depois do Brexit". Realça a queda tão abrupta do ETF Vanguard FTSE Europe, que num só dia caiu 11,3%, a maior variação desde a sua criação em junho de 1990 e ultrapassando a queda de outubro de 2008 em plena crise financeira.
Zweig, admirador do trabalho do Professor de Cambridge Elroy Dimson, cita-o no artigo: "a surpreendente volatilidade que todos sentimos na sextafeira passada seria quase impercetível se se tivesse manifestado num horizonte temporal mais alargado". O Professor Dimson é uma autoridade mundial no estudo dos retornos de investimento de longo prazo nas principais classes de ativos e um dos autores do livro "O Triunfo dos Otimistas - 101 anos de Retornos de Investimentos Globais". Neste livro, concluem que os otimistas triunfaram e os otimistas foram aqueles que investiram em ações, a classe que nesse período melhores retornos proporcionou a nível mundial.
O Professor Dimson diz ainda, "para os que estão dispostos a ser investidores ativos e têm o horizonte de tempo para uma abordagem de longo prazo, tempos como este apresentam uma oportunidade"
Certamente que os investidores têm muitas questões que gostariam de ver respondidas: quando é que vamos ter o retorno? Onde investir? O que devo verdadeiramente recear nos investimentos que tenho em carteira? Quem devo ouvir?
1. Continua o assalto à poupança.
Com as taxas perto de zero ou negativas em muitas economias desenvolvidas, com a dívida pública alemã a cotar um rendimento negativo (yield) mesmo para maturidade a 10 anos, os investidores e aforradores que foram disciplinados e que pouparam, veem agora ser "transferida" parte da sua riqueza (o rendimento justo pelas suas poupanças) para quem se endividou demais, gastou o seu e o que lhe foi emprestado.
Quem investiu em em dívida alemã no início dos anos 80, teve rendimentos perto de 10% ao ano. Este foi o cenário um pouco por todo o mundo porque as taxas caíram de 15 ou 16% para quase zero. Ao longo destes 35 anos, os rendimentos foram caindo para mínimos de -0,122% às 16h10 de dia 29 de junho. Ou seja, segundo a opinião de Henrik Bohme, jornalista da Deutsche Walle (agência noticiosa que faz parte de um canal estatal) que escreve "Opinião: A maior bolha de todos os tempos", a propósito do investimento em obrigações. O jornalista diz mesmo "a Alemanha entra para o clube dos países em que se recompensa quem contrai dívidas. A partir do momento em que o BCE disse que "fará o que for necessário" para salvar o euro, iniciou-se a maior desapropriação dos aforradores em tempos recentes. Ou seja, quem investe neste e noutros títulos de dívida, com yields negativos, está no momento zero a entrar num investimento que dá prejuízo. Também já ouvimos recentemente que, para conservar dinheiro, os investidores terão que aceitar yields negativas. Mas o que é isto? A yield negativa não significa que se vai perder dinheiro nesse investimento? Então o que leva o investidor a fazer tal disparate? Porque não sabe o que está a fazer? Porque confiou a um consultor ou gestor de dinheiro o seu património? Porque tem medo e estes são os únicos investimentos que julga seguros? Porque tem medo de ter dinheiro parado (depósitos à ordem ou a prazo) exposto ao balanço dos bancos e ser chamado mais tarde a assumir perdas da instituição financeira?
2. A grande oportunidade.
Hoje os investidores têm neste contexto tão difícil uma grande oportunidade para traçar uma estratégia a prazo que preserve o capital e permita um retorno satisfatório, alocando gradualmente mais capital a ações de empresas sólidas que continuarão a criar riqueza e a produzir lucros.
Princípios fundamentais do investimento:
1. Não precisamos de ser especialistas para conseguir retornos satisfatórios no investimento. Devemos reconhecer as nossas limitações e seguir um caminho que garanta que as coisas corram razoavelmente bem.
2. Concentre-se na produtividade futura do ativo em consideração. Se não sentir conforto ao fazer uma estimativa "por alto" dos rendimentos futuros do ativo, esqueça-o. É fundamental compreendermos as ações que levamos a cabo.
3. Se, pelo contrário, nos concentrarmos num possível futuro aumento de preço do ativo que estamos a pensar adquirir, estamos a especular. Não conhecemos especuladores bem sucedidos. O facto de um ativo ter aumentado de preço no passado recente nunca é motivo para o comprar.
4. Pense apenas no que os investimentos que faz vão produzir, na sua qualidade e rendimento associado. Não se preocupe com as variações diárias. Mantenha-se firme na estratégia de valor. 5. Formar opiniões macroeconómicas ou prestar atenção às opiniões e previsões macroeconómicas de outros é uma perda de tempo. Na realidade, é perigoso porque pode baralhar a nossa perceção dos factos que são realmente importantes.
Procure prestar atenção aos melhores investidores do mundo, os que ganharam ao longo de décadas excelentes retornos para os acionistas e para os Clientes.
3. Se tivéssemos um canal de televisão, na sexta-feira passada poderíamos abrir desta forma o serviço de notícias:
Bom dia Sr. Telespectador, temos excelentes notícias para si. Se tem um horizonte de investimento de 4, 5 ou mais anos, disponibilidade para investir e quer garantir o seu poder de compra no futuro, aproveite este desconto: os mercados financeiros estão a cair e algumas das ações que já estavam baratas, estão ainda mais baratas. Desta vez não é o downgrade da dívida americana, a crise de dívida grega, os possíveis conflitos entre a Rússia e a Ucrânia, ou a queda dos índices de ações da china. Desta vez, para surpresa geral, o Reino Unido votou pela saída da União Europeia.
Mantenha-se sintonizado connosco, procuraremos ao longo do dia apresentar-lhe os saldos nos vários mercados, de onde teremos notícias dos nossos enviados especiais (investidores com histórias de décadas a criar valor).
Não sabemos o que mercado fará amanhã, daqui a um mês ou daqui a um ano. Por isso prevenimo-nos, avaliamos ativos de grande qualidade e temos sempre a nossa watch list recheada de ativos de grande qualidade para que, nestas situações, possamos transmitir-lhes a informação que precisa para tomar decisões reflectidas, com segurança e consistentes com uma estratégia de valor.
Note bem que não estamos a dizer-lhe que já caiu tudo e que a partir daqui subirá. E agora, já de seguida, a previsão metereológica, essa sim com previsões muito mais certeiras do que as dos analistas dos mercados financeiros e de grande parte dos comentadores dos principais canais de notícias financeiras. A capacidade para aguentar o choque da surpresa é o que separa os grandes investidores de todos os outros.
Jason Zweig colaborou com a revista Money, a Time e a CNN. É colunista do Wall Street Journal desde 2008, autor de vários livros, e um acérrimo crítico da "indústria financeira". O seu mais recente livro foi publicado no passado mês com o título "The Devil´s Financial Dictionary".
Zweig, neste livro satírico, avisa que se os investidores querem ser parceiros em vez de alvos, terão que dominar a linguagem que a indústria financeira utiliza para esconder e não revelar informação. Virar as palavras ao contrário e fazê-las significar o oposto não é exclusivo da indústria financeira; esta é a imagem de marca de muitas atividades humanas, personificada pelo Ministério da Verdade no Livro de George Orwell, "1984".
Mas, raramente está tanto em jogo no claro entendimento da linguagem: se formos enganados pela algaraviada da indústria financeira e investirmos no produto errado, o nosso sonho de uma reforma próspera pode ser reduzido a cinzas.
Este livro procura destilar as complexidades, obscuridades e as pomposidades da indústria financeira em "definições" que todos podem compreender. Deixo aqui uma pequena seleção de palavras e expressões a que a indústria financeira atribuiu significados muito peculiares:
Ação, o direito de propriedade de uma fração de um negócio; para muitos "investidores", o direito de jogar um jogo de vídeo. A palavra stock (ação em inglês) tem origem no teutónico stukko que significa tronco - esta antiga metáfora perdeu-se nesta era em que a TV e a internet reduziram a ideia de ação a um símbolo e a uma torrente de cotações num ecrã. O tronco de uma árvore é uma sólida fundação para inúmeros ramos que crescem cada vez mais alto a menos que sejam podados e, nesse caso, têm um novo impulso de crescimento.
Analista, um suposto especialista que, em teoria, estima o valor de uma empresa através da avaliação das suas partes constituintes mas que, na prática, funciona como um vendedor ou membro de uma claque.
Avesso ao Risco, indisponível para correr riscos - para já. Quando o preço dos ativos dobra ou triplica, até o investidor mais avesso ao risco quererá tê-los em carteira. Tal como o historiador económico Charles P. Kindleberger escreveu no seu livro Manias, Panics and Crashes, "Não há nada mais perturbador para o bem estar e bom julgamento de alguém do que ver um vizinho enriquecer".
Comportamento de Rebanho, a tendência dos investidores para ignorar o que está barato e agir como ovelhas, movendo-se em rebanho em vez de pensarem por si próprios. A multidão transmite segurança, por isso os investidores compram ativos, não porque estão subvalorizados mas porque toda a gente os está a comprar; e vendem-nos, não porque se verificou uma alteração nos fundamentos económicos da empresa mas porque todos estão a vender. O comportamento de rebanho é comum nos investidores individuais, nos analistas, nos traders de obrigações soberanas, nos traders de futuros, nos gestores de fundos de ações, nos gestores de hedge funds e nos grandes compradores de ETF's; é comum em todos os setores do mercado de capitais; e em todos os mercados de ações pelo mundo fora.
Compliance, o conjunto de procedimentos através dos quais as instituições financeiras obrigam os seus colaboradores a respeitar a letra da lei e, simultaneamente, os libertam para violar o seu espírito. Os departamentos de compliance das instituições financeiras estão a abarrotar de pessoal. Pelo contrário, os departamentos de consciência, que fazem respeitar o espírito da lei, sofrem de uma perene falta de recursos humanos. Tal como Warren Buffett notou: "Aqueles que seguem a estrada moral, na indústria financeira, encontram muito pouco trânsito".
Confiança, uma qualidade, semelhante à crença religiosa mas baseada em evidências menos fiáveis, que tende a ser elevada quando devia ser baixa e baixa quando devia ser elevada. Períodos de confiança elevada tendem a ser perniciosos; quanto melhor se sentem os investidores hoje, mais se vão lamentar mais tarde. Nessas alturas, poucos conseguem, no entanto, tomar consciência desse facto.
Consultor, na indústria financeira, um especialista que cobra comissões elevadas para aconselhar os clientes a investir em estratégias de investimento que estão na moda e que em breve ficam "ultrapassadas". De forma a gerar mais comissões, o consultor aconselha também os clientes a abandonarem estratégias ultrapassadas que estão prestes a ficar na moda. Os clientes, ano após ano, aceitam de boa vontade estes conselhos uma vez que, desta forma, têm sempre alguém a quem culpar pelos resultados abismais.
Fundo de Investimento, fundo em que os investidores partilham os riscos equitativamente e os gestores partilham as comissões.
Frugalidade, a prática, hoje obsoleta, de gastar menos do aquilo que se ganha; outrora considerada uma virtude, agora é encarada como um perturbador desvio comportamental.
Longo Prazo, na indústria financeira, uma expressão utilizada para descrever um período de tempo que terá início daqui a trinta segundos e terminará, no máximo, dentro de algumas semanas.
Maturidade, aquilo que todas as obrigações têm e que à esmagadora maioria dos traders em obrigações faz falta.
Obrigação, um compromisso contratual em que o devedor se obriga a pagar uma dívida com juros. Os credores que não prestam atenção ao seu investimento arriscam-se, no entanto, a não reaver o seu dinheiro. Bond (obrigação em inglês), um termo de provável origem teutónica, veio a simbolizar um compromisso. Shylock, da peça "O Mercador de Veneza" de Shakespeare, concordou em emprestar a António 3000 ducados por três meses se, nas palavras de Shylock, António fosse ao notário e selasse a sua obrigação. António declarou: "Em dois meses, um mês antes de este empréstimo ser devido - espero ganhar mais de três vezes o valor desta obrigação". Embora António não estivesse a pensar apenas nas recompensas financeiras, a sua declaração torna claro que as obrigações estão, desde há muito, associadas a expectativas pouco realistas.
Paciência, qualidade aparente em formas de vida inferiores como tartarugas e caracóis mas rara entre humanos que investem em ativos financeiros. Cada compra ou venda de um ativo financeiro acarreta custos de transação e, a maioria, impostos. Numerosos estudos comprovam que, quanto mais transações os investidores fazem, menor é o seu retorno. Mas a vontade de enriquecer depressa é tão visceral que apenas os investidores mais disciplinados conseguem cultivar suficiente paciência para atingir os seus objetivos. Os outros conseguirão apenas empobrecer mais depressa. Tal como Ralph Waldo Emerson escreveu no seu ensaio. "Prudência": "Se a colmeia é perturbada por mãos estúpidas e apressadas, em vez de mel, oferece abelhas."
Performance, um espetáculo montado para entreter a audiência e satisfazer os egos dos "artistas". Há muito tempo e, por certo, não por coincidência, a indústria financeira escolheu esta palavra para descrever aquilo que procura para os seus clientes. Infelizmente, os membros da audiência sentir-se-ão entretidos enquanto que os seus portfólios perderão dinheiro. Os egos dos gestores, pelo contrário, não sofrerão qualquer dano.
Preço, um número que frequentemente é uma ilusão e, quase sempre, uma distração. O preço dado a uma ação ou outro ativo financeiro muda com uma velocidade frenética - milhares de vezes ao dia - causando danos intelectuais corrosivos. Frequentemente tem pouco a ver com o valor embora seja mais interessante e mantenha os media financeiros bastante ocupados. O fluxo contínuo e a precisão espúria do preço provoca uma ilusão de certeza.
Produto Estruturado, produtos de investimento especialmente estruturados para serem lucrativos para os emitentes e incompreensíveis para os clientes.
Risco, a probabilidade de um investidor não saber o que está a fazer mesmo que pense que sabe; pré-requisito para perder mais dinheiro num período de tempo mais curto do que alguma vez imaginaria possível. Elroy Dimson, professor de finanças da London Business School, definiu filosoficamente o risco desta forma: "Risco significa que mais coisas podem acontecer do que aquelas que realmente acontecem." No fim de contas, o risco é a diferença entre o que os investidores pensam que sabem e o que acabam por aprender - sobre os seus investimentos, sobre os mercados financeiros e sobre si próprios.
Rumor, na indústria financeira, o equivalente a um facto.
Seguro, um termo utilizado para promover um investimento que está prestes a explodir.
Valor, uma fonte de enorme confusão, tal como quando os jornalistas escrevem: "A ação perdeu 20% do seu valor na sessão de hoje...". Na realidade, não perdeu 20% do seu valor; perdeu sim 20% do seu PREÇO. O valor do negócio subjacente variou, com certeza, muito menos - se é que variou. O preço é medido momento a momento; o valor desenvolve-se ao longo de meses e anos. Tal como Benjamin Graham ensinou Warren Buffett: "Preço é o que paga, valor é o que recebe".
O valor é o que um ativo vale para um comprador sensato com acesso a toda a informação necessária para a avaliação, com base no dinheiro que o ativo gerará ao longo de toda a sua vida. O valor de uma ação depende do potencial de criação de dinheiro do negócio subjacente, que pouco varia de trimestre para trimestre e muito menos de dia para dia.
Valor Intrínseco, o que uma ação vale com base no valor presente de todo o dinheiro que se espera que o negócio subjacente irá gerar no futuro, levando em conta quanto o seu dinheiro renderia nesse período de tempo e o facto incontornável que esses cash flows futuros estão envoltos em incerteza. Uma vez que o valor intrínseco é apenas uma aproximação e deverá ser visto como um intervalo de estimativas, a maioria dos investidores prefere focar-se no preço que, minuto a minuto, é absolutamente preciso - e muitas vezes errado.
Desejo um Próspero Ano Novo e mais Investidores em Valor.
Todos sabemos que os políticos, gestores de dinheiro, empresários e gestores de curto prazo procuram vida fácil, e nos últimos dias temos visto que o "Brexit" vai ter as costas largas e servir de desculpa para tudo.
O Reino Unido representa 3,9% da economia mundial, é a quinta maior potência. A sua moeda, a libra, tem nesta altura um peso de 4,9% nas reservas mundiais de moeda. Apesar de não ter o mesmo impacto na economia mundial que têm os EUA ou a China, a saída da União Europeia terá certamente impacto na economia mundial. O verdadeiro impacto económico, político e social irá saber-se a prazo. Para já, a especulação assumiu o comando nos mercados financeiros e na retórica dos políticos.
Hoje, 30 de junho, os mercados já recuperaram grande parte das quedas verificadas nos dias 24 e 27. No entanto, os mercados cambiais continuam muito perturbados com grandes quedas da libra face ao dólar, ao iene e ao euro. A organização mundial de comércio (WTO) veio alertar para o aumento do protecionismo no G20 e para os desafios que coloca ao investimento global. A livre circulação de pessoas e bens será afetada e terá custos para os negócios. Muitas decisões de alocação de capital nas empresas serão adiadas.
Os mercados odeiam a incerteza. Os bancos centrais estão em alerta para "assistir" os mercados e assegurar a liquidez do sistema bancário. O Banco de Inglaterra está disposto a imprimir dinheiro e a baixar as taxas de juro. A Reserva Federal dos EUA adiará a subida de taxas de juro e o BCE está disponível para aumentar o programa de recompra de dívida e injetar mais liquidez nos mercados financeiros.
Este é um dos primeiros efeitos do 'Brexit': vamos continuar a seguir políticas que não põem um custo no valor do dinheiro e que só vêm agravar a irracionalidade nos mercados obrigacionistas. Esta bolha também rebentará um dia. Além das obrigações de vários governos europeus, onde se destaca a Alemanha com juros negativos até aos 10 anos, as obrigações das empresas europeias com melhores níveis de 'rating' cotam com taxas de rendimento negativas até 3, 4 e 5 anos. Quando não se recebe juros por um investimento a 10 anos, não é fácil de perceber que algo está tremendamente errado nesta classe de ativos? Continuamos a assistir ao maior "assalto" à poupança de que há memória e à recompensa de quem contrai dívidas e é indisciplinado.
Ou seja, com esta incerteza quanto ao futuro, a fuga dos investidores para as obrigações e a disposição dos bancos centrais em acomodar os mercados, acentuou-se ainda mais a discrepância que se tem vindo a observar na última década: o dividend yield do MSCI Pan Europe ronda os 4% enquanto os títulos a 10 anos do governo alemão conferem uma ligeira perda aos seus detentores até à maturidade. O diferencial entre os dois é o maior do histórico do índice e ultrapassou agora o valor registado durante a crise financeira de 2008, em que se verificou o "cruzamento de 'yields'" (o rendimento dos dividendos das ações passou a ser superior ao dos governos de longo prazo). Mas os valores atuais são de tal forma extremos que muito dificilmente as ações não baterão as obrigações na próxima década.
Nos próximos tempos é de esperar uma quantidade anormal de ruído. Vai-se ouvir de tudo um pouco: negociações de saída, cenários de recessão, empresas a sair do Reino Unido, segundo referendo, países que querem seguir o Reino Unido. Os analistas vão continuar a falhar nas suas previsões. Para enfrentar esta incerteza vai ser fundamental manter um passo firme e uma estratégia consistente de valor nas decisões de investimento. Estamos convictos que estas perturbações vão continuar a gerar oportunidades para comprar boas empresas a grandes descontos do seu valor intrínseco. Para nós, isto não muda nada. É preciso manter o rigor na avaliação, a disciplina no desconto a que queremos comprar face ao valor e a paciência para que o investimento mostre todo o seu potencial de criar riqueza.
Entretanto, todos sabemos que os políticos, os gestores de dinheiro e os empresários e gestores de curto prazo procuram vida fácil, e nos últimos dias temos visto que o 'Brexit' vai ter as costas largas e servir de desculpa para tudo: para que políticos populistas e sem escrúpulos se demitam de governar com rigor, para que gestores de dinheiro sem dever de fidúcia e horizonte de investimento não assumam as suas responsabilidades e façam o seu trabalho no melhor interesse de todas as partes. Ao invés de alicerçarem as relações com aqueles que representam em honestidade e confiança, transformam-se em ilusionistas e vendilhões.
A mediocridade será assegurada. A culpa vai ser do "Brexit".
O investimento inteligente não é complexo, o que não significa que seja fácil. O que o investidor precisa é da capacidade de avaliar correctamente investimentos devidamente "selecionados".
As melhores empresas são aquelas que conseguem investir largas quantidades de capital com taxas de retorno elevadas, acima da média do sector e do mercado. São estas que nos interessam.
Warren Buffett explica as vantagens competitivas como o instrumento que permite às empresas manterem os concorrentes à margem. Os concorrentes tentarão sempre obter uma parte desses lucros e, na maior parte das vezes, conseguem-no, reduzindo as rentabilidades do negócio. Há, no entanto, empresas que conseguem manter e aumentar as suas vantagens competitivas durante décadas. São as superestrelas, as que produzem sustentadamente uma remuneração acima do seu custo de capital.
Importa determinar o motivo pelo qual a empresa teve sucesso em manter os seus lucros. É fundamental estar numa indústria atraente e beneficiar de uma estratégia que potencie vantagens competitivas.
De uma forma geral, existem cinco formas de uma empresa conseguir uma vantagem competitiva durável:
- Criar uma diferenciação de produto real através de funções, tecnologia ou patentes,
- Criar a percepção de diferenciação do produto através da reputação da marca,
- Cortar custos e oferecer um produto ou serviço similar a um preço mais baixo,
- "Prender" os clientes com custos de mudança elevados e,
- Afastar concorrentes através da criação de barreiras à entrada.
Como podemos avaliar as vantagens competitivas e a sua durabilidade?
- Analisar os lucros históricos e verificar se a empresa tem sido capaz de gerar retornos sólidos nos seus ativos e capitais próprios.
- Se a empresa consegue retornos sólidos e lucros consistentes, o que impede os concorrentes de lhe "roubar" os lucros?
- Quanto tempo durarão estas vantagens competitivas?
- Como competem entre si as empresas desta indústria? Há muitas firmas lucrativas ou apenas se sobrevive?
O investidor deve procurar um conjunto de boas empresas cujos negócios subjacentes tenham fundamentos económicos soberbos, que sejam geridas por gestores capazes e honestos e comprá-las a preços sensatos. Ocasionalmente, estes negócios cotam preços que nos dão margem de segurança para investir. É aí que compramos.
Desta forma, estamos a maximizar algo que conseguimos prever - a performance financeira da empresa - e a minimizar aquilo que não conseguimos adivinhar - o entusiasmo ou pessimismo do mercado.
Lembre-se, uma empresa vale o valor presente de todo o dinheiro que vai ganhar no futuro.
1. Swaps "bola de neve"
Na semana passada, foi julgado em Londres o caso dos swaps que envolvem o Banco Santander Totta e as empresas de transportes públicos portuguesas. Matt Levine, da agência noticiosa Bloomberg, escreve mais uma vez sobre o assunto:
"Um dos principais objectivos de um banco de investimento é tirar o risco financeiro das mãos dos clientes. Um determinado cliente tem um risco que não o deixa dormir, dirige-se a um banco de investimento e o banco vende-lhe um produto que lhe retira o risco em troca de uma comissão choruda.
Mas não é possível fazer desaparecer este risco. Quando o banco se responsabiliza pelo risco, para onde é que ele vai? Para os credores do banco? Para os depositantes ou contribuintes? Isso não seria o ideal. A melhor resposta, do ponto de vista do banco, é encontrar outro cliente a quem possa passar o risco. Frequentemente, isto encaixa na perfeição, uma vez que o risco de um cliente pode ser uma oportunidade para outro e assim o banco pode intermediar a compra e a venda do risco (o exemplo clássico são as companhias aéreas que fixam os preços do combustível com as empresas petrolíferas). Às vezes, conseguem encontrar-se clientes que gostam de risco e querem mais: hedge funds agressivos ou fundos de pensões com horizontes de investimento mais longos poderão querer ser portadores de riscos de vários tipos e se um banco consegue tirar risco a outros clientes e transferi-lo para estes fundos, pode ganhar dinheiro e ao mesmo tempo fazer do mundo um sítio melhor.
Mas o mundo não é um paraíso e outra coisa que os bancos de investimento fazem é procurar clientes que não querem mais risco financeiro mas que podem ser convencidos a aceitá-lo mediante uma comissão. Às vezes, isto funciona muito bem mas quando não funciona - quando o risco se materializa - é sempre um pouco embaraçoso. Porque motivo, poderemos interrogar-nos, anda um sofisticado banco de investimento a vender risco financeiro a uma empresa de, por exemplo, transportes públicos?
Se o banco está a retirar risco dos clientes, eles pagam-lhe. Na realidade, pagam a mais. O banco cobra mais do que o valor justo do risco porque é assim que os bancos ganham dinheiro. Se são os clientes a tirar risco ao banco, o banco paga-lhes mas abaixo do valor justo."
A Metro do Porto e mais três empresas portuguesas de transporte públicos contrataram junto do banco Santander uns swaps "bola de neve", já conhecidos como o pior trade do mundo. As empresas deixaram de pagar em 2013 e devem já ao banco 1,3 mil milhões de euros.
Apesar deste ser um negócio absolutamente ruinoso, o tribunal decidiu a favor do Santander e de que as empresas devem pagar. No acordão, o negócio e a sua motivação são explicados: estas empresas, com um endividamento para além do razoável, tinham encargos com juros muito elevados que pretendiam reduzir. Entre 2005 e 2007, foram ao mercado financeiro à procura de uma solução que lhes permitisse baixar esse custo. Eis o que acordaram com o Santander:
1. o Santander pagaria às empresas uma taxa variável;
2. as empresas pagariam ao Santander uma taxa fixa;
3. as empresas pagariam também um spread extra se a taxa variável estivesse acima de 6% ou abaixo de 2%;
4. o spread de cada trimestre seria somado ao spread do trimestre anterior: se a taxa variável em determinado trimestre fosse 6,25%, o spread para esse trimestre seria de 0,25%; se no trimestre seguinte fosse de 6,50%, o spread seria 0,75% (0,25+0,50) e assim por diante. Esta é a "bola de neve".
O swap "bola de neve", em circunstâncias normais, seria muito mais barato que um swap de taxa fixa normal e só em circunstâncias pouco comuns é que seria desfavorável para as empresas de transportes. O problema é que as circunstâncias menos comuns têm maior probabilidade de acontecer do que a teoria nos ensina e, neste caso, as consequências são terríveis. Com a crise financeira de 2008, as taxas caíram para menos de 2% e estão negativas há vários meses. A taxa que o Metro do Porto teve que pagar pelos swaps ultrapassou os 40% e as outras empresas estão com o mesmo problema.
Há muitas questões que se podem colocar neste negócio, desde logo: Os responsáveis nas empresas públicas foram assim tão incompetentes ou jogadores? O Santander agiu de má fé e enganou todos estes técnicos que trabalhavam ( e às tantas ainda trabalham) nestas empresas? Segundo o juíz do caso, Sir William Blair, existem algumas indicações que o Santander agiu talvez com um pouco de má fé:
"É necessário que se diga desde já que existem documentos que, embora não sejam típicos de toda a documentação, não são nada favoráveis à imagem do banco. Uma apresentação de 2005 da Global Treasury (portanto não tendo origem em Portugal) com o objectivo de aumentar a venda de "produtos exóticos" encoraja os funcionários do banco a "Pensar em grande: não se critiquem. recompensem a agressividade".
Apesar do exposto, o juíz concluiu que o banco não cometeu ilegalidade nenhuma e que as empresas portuguesas tinham obrigação de saber no que se estavam a meter.
2. Produtos Estruturados
Em fevereiro de 2010, um estudo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) reportado pelo Expresso alertava os investidores para o facto dos produtos estruturados oferecerem menos que os depósitos tradicionais. Estes produtos, com exposição à evolução de sectores no mercado de ações, matérias-primas, taxas de juro e outros ativos subjacentes, criam a ilusão ao investidor de poder beneficiar do potencial de valorização destas ações ou produtos com risco muito baixo. A sua remuneração depende da evolução de cenários futuros, podendo garantir a totalidade do capital aplicado ou não. Estes cenários possíveis são construídos atribuindo uma probabilidade muito baixa a eventos desfavoráveis para os investidores. Nesse estudo, a CMVM diz: "a distribuição de pagamentos entre diferentes estados de natureza (cenários) é difícil de apreender pelos investidores, mesmo os mais sofisticados ou com maiores conhecimentos em matéria de natureza financeira".
Estes produtos são publicitados com rentabilidades potenciais elevadas, embora exista "uma forte probabilidade de ocorrência do cenário de não ser pago qualquer retorno ou apenas o retorno mínimo consagrado na ficha técnica do produto", como referece o estudo da CMVM.
Para a estruturação destes produtos, são utilizados produtos derivados muito complexos, o que torna quase impossível ao investidor saber do que se trata e permite à instituição, que o estrutura e vende, ganhar comissões muito elevadas sobre o dinheiro dos seus clientes.
O que isto realmente demonstra é uma grande capacidade comercial destes bancos para conseguirem não perder clientes ou encontrar sempre outros dispostos a perder dinheiro. Das duas uma, ou estas instituições não estão interessadas em manter clientes para o longo prazo ou então julgam-nos incapazes para avaliar se ganharam ou perderam. Como se faz este trabalho, ano após ano, sem deixar de ter com quem fazer negócio?
Estes são dois casos em que a complexidade e a falta de transparência de quem vende estes produtos, devem servir de aviso aos investidores. As instituições financeiras procurarão sempre maximizar os seus retornos à custa dos seus clientes e, muitas vezes, fazem-no sem escrúpulos.
3. Taxas de juro negativas
Vivemos num momento estranho da história com taxas de juro negativas e ninguém consegue dizer quando tempo se manterão. Ao emprestar dinheiro a um excelente pagador poderá ter que o fazer a taxas negativas, ou seja, pagar para emprestar o seu dinheiro. As obrigações de vários governos europeus estão negativas: no caso suíço até aos 10 anos, no alemão até aos 7, no francês e holandês até 5 anos. Cerca de 7 biliões de dólares (biliões europeus) estão a transaccionar com yields negativas. Do mesmo modo, obrigações das melhores empresas europeias têm yields negativas. Os investidores parecem preferir perder dinheiro a tê-lo parado ou alocá-lo a outras classes de activos.
Quem é que comete esta irracionalidade? Na maioria dos casos são os gestores institucionais, os Fundos de Investimento, os Fundos de Pensões e os Planos de Poupança Reforna, que são obrigados, pela própria concepção legal destes produtos, a ter os valores investidos nos chamados "ativos sem risco". São também os investidores particulares que, ao subscreverem fundos de investimento de obrigações, estão a pagar comissões de gestão elevadas para que lhes façam este "magnífico" trabalho e paguem aos emitentes para serem donos desta dívida. Este é um exemplo de como uma falha institucional dos limites mínimos impostos para estes produtos e investidores institucionais os "obrigam" a manter-se investidos em ativos, que, nesta conjuntura extraordinária, não fazem qualquer sentido.
Estas conjunturas são claramente propícias para que os investidores relaxem os critérios a emprestar o seu dinheiro e que o façam a troco de uma taxa um pouco melhor. Acontece ainda, que, não raras vezes, nestes chamados investimentos de risco baixo, encontram-se obrigações da Argentina, e de outras empresas falidas ou em processo de reestruturação das suas imensas dívidas que obrigarão os investidores a perder parte significativa dos valores investidos. Classificar estas obrigações como ativos com baixo risco é ser incompetente, estar distraído ou actuar com má fé.
Em resumo, o atual ambiente de taxas de juro e política monetária cria as condições para que a indústria financeira crie e proponha produtos que não servem os interesses dos investidores.
Escolha uma filosofia simples de valor e mantenha-se fiel a ela nos bons e nos maus momentos.
Investir numa carteira diversificada de acções de excelentes empresas mundiais compradas a desconto significativo do seu real valor - com margem de segurança - é a melhor forma de proteger e valorizar o património financeiro.
O mundo do investimento está virado do avesso. Hoje, ao emprestar dinheiro a um bom pagador, poderá ter que o fazer a taxas negativas, ou seja, terá que pagar para emprestar o seu dinheiro. As obrigações dos governos suíço, alemão, francês e holandês estão negativas até aos 6 a 8 anos e as obrigações das melhores empresas europeias também têm yields negativos. Os investidores parecem preferir perder dinheiro a tê-lo parado ou alocá-lo a outras classes de activos.
O que fizeram ao valor temporal do dinheiro? Perante esta realidade, quais são as melhores alternativas que garantam segurança do capital e retornos satisfatórios?
O que realmente funciona no investimento e tem produzido retornos consistentes é a filosofia de Investimento em Valor. Nas últimas seis décadas, Warren Buffett e Charlie Munger, entre outros excelentes investidores, são a prova do seu enorme sucesso. O investimento em acções de boas empresas mundiais, com balanços sólidos, rentabilidades acima da média, vantagens competitivas duráveis e geridas por gestores capazes e honestos, compradas a desconto do seu valor justo, continua a ser a preferência destes investidores extraordinários.
Numa altura em que o mundo financeiro parece não fazer sentido é ainda mais importante ter uma filosofia de Valor e mantermo-nos fiéis a ela.
Investir em valor é comprar 1 euro por 50 cêntimos, é comprar muito valor com pouco dinheiro. O segredo do investimento em acções pode ser resumido à avaliação profunda dos activos e da sua capacidade de gerar lucros no futuro e à disciplina e paciência para só comprar quando está barato e vender quando o preço justo é atingido.
A generalidade dos investidores tem muita dificuldade em executar uma receita tão simples: comprar quando a maioria está a vender - porque as notícias são más - e vender quando a maioria está a comprar - porque as notícias são boas. Contudo, quase todos fazem o contrário. As instituições financeiras preferem estratégias com mais transações e que lhes permitem ser, não raras vezes, o maior beneficiário da riqueza dos clientes.
Num mundo em que todos sabem o preço de tudo e poucos sabem o verdadeiro valor dos activos, grande parte dos investidores não tem horizonte de investimento nem o temperamento adequado para aplicar esta receita e beneficiar da capitalização dos retornos ao longo do tempo. O investidor individual, que pode e deve ter um horizonte de investimento de décadas, deve expor uma parte significativa do seu património a acções, a classe de ativos que nos últimos 115 anos, melhor remunerou o capital: 9,5% de média anual, apesar de neste período se terem vivido duas guerras mundiais, várias recessões e a grande depressão e a crise financeira de 2008.
Investir numa carteira diversificada de acções de excelentes empresas mundiais compradas a desconto significativo do seu real valor - com margem de segurança - é a melhor forma de proteger e valorizar o património financeiro. "Coleccionar" estes negócios dá-nos o direito aos dividendos - hoje muito superiores às taxas de juro dos depósitos e das obrigações - e aos ganhos de capital a prazo. Estas empresas são verdadeiras máquinas de fazer dinheiro para os seus acionistas.
O segredo do investimento é que não tem segredos: é investir com margem de segurança, comprando a pessimistas e vendendo a otimistas.
O PIB português é de 179 mil milhões de euros e o espanhol é de 1077 mil milhões, seis vezes maior que o nosso. A Bolsa portuguesa tem uma capitalização de 53 mil milhões e a espanhola de 898 mil milhões, dezassete vezes maior. A diferença poderia ser uma questão de valorização, as acções portuguesas poderiam estar muito mais baratas que as espanholas, mas não é o caso. Quando se comparam métricas como receitas e lucros, percebe-se que a Bolsa portuguesa representa uma fatia muito menor da economia do que nos mercados desenvolvidos, em particular na Europa e nos EUA.
Na última década, a Bolsa portuguesa foi um fracasso. Os accionistas, os verdadeiros donos das empresas, assistiram a uma destruição de valor enorme e a experiência foi terrível: 100 mil euros aplicados no PSI-20 transformaram-se em 74 mil. O mesmo montante aplicado num índice de ações europeias como o MSCI Pan Europe valeria hoje 136 mil; e aplicados em ações dos EUA (no S&P500) seriam 210 mil. De quem foi a culpa? Na verdade, de quase todos: da economia, do sector financeiro, das empresas, dos reguladores, do Estado e, em parte, dos investidores que procuram sempre o lucro fácil.
Na última década, por várias razões, a economia portuguesa deixou de crescer e, pior, entrou numa recessão que pôs tudo em risco. Uma Bolsa é o espelho que reflecte o sector empresarial de uma economia e a sua eficiência. E, nos últimos anos, não reflecte nada de bom. O Estado e as empresas, inebriados pelo dinheiro fácil, a juros baixíssimos, endividaram-se demais. Muitos gestores não tomaram as melhores decisões de alocação de capital e não agiram no melhor interesse dos verdadeiros donos do capital, os accionistas. A PT e o BES, duas das maiores capitalizações, evaporaram-se entre erros de gestão e fraudes contabilísticas. Nestes casos, tudo falhou: corporate governance, os gestores, os reguladores e os accionistas de referência. Sendo estes os casos mais graves, os exemplos de destruição de valor para os accionistas aconteceram em muitas outras empresas.
Por outro lado, tivemos imensas situações em que os minoritários foram o parceiro pobre dos negócios, ficando à mercê dos gestores e dos interesses dos "parceiros maioritários". A Cimpor é um exemplo em que uma pequena fatia de minoritários ficou pendurada numa empresa quase sem float. O resultado é a destruição da cultura de investimento em acções, com investidores desalentados com o massacre a que foram sujeitas as suas poupanças. Não admira que muitos nem queiram ouvir falar em investir em acções. Apesar de a realidade lá fora ser bem diferente, a sua experiência pessoal - as perdas que sentiram e a forma como foram separados do seu dinheiro - não lhes permite beneficiar do investimento naquela que é a classe de activos que, historicamente, melhor remunera o capital.
Nos EUA, desde 2006, aconteceu uma série de desastres: AIG, Lehman, Fannie Mae, Madoff. No entanto, quem investisse 100 mil euros no S&P500 teria agora 210 mil euros. Porquê? Porque, por cada falência, centenas de empresas criaram riqueza e multiplicaram o valor dos accionistas, grandes e pequenos.
A verdadeira função de uma Bolsa de Valores é permitir aos empreendedores o acesso a uma fonte de financiamento e aos investidores, como donos de parte do negócio, participarem no seu sucesso e nos seus lucros. Ou seja, permitir à poupança partilhar das maravilhas do capitalismo.
Segundo o dicionário Webster, "o capitalismo é um sistema económico baseado na propriedade do capital com o investimento a ser determinado por decisão privada e com os preços, a produção e a distribuição de bens e serviços determinados num mercado livre". A isto acrescentaria que o capitalismo deve ser alicerçado na honestidade, decência e confiança. O desafio da Bolsa Portuguesa é recuperar estes valores.
1. As Convertíveis da Volkswagen
A Volkswagen receberá capital "grátis" graças à maturidade, no próximo mês, de uma obrigação de 3,7 mil milhões de euros. A estrutura desta obrigação não significa que este valor se vai juntar aos problemas financeiros do construtor automóvel. Os portadores desta obrigação, com maturidade a 9 de novembro, serão pagos em ações da VW e não em dinheiro uma vez que as obrigações são obrigatoriamente convertíveis em capital da empresa. Com as ações esmagadas pelo escândalo das emissões poluentes, os investidores receberão ativos com menos valor do que o preço original das obrigações.
Estas obrigações subordinadas foram emitidas com um cupão anual de 5,5% e, na maturidade, o investidor recebe obrigatoriamente ações da Volkswagen ao preço fixado aquando da emissão: 173,40 euros. Esta obrigação chegou a cotar a 150% do valor facial, acompanhando desde a sua emissão a cotação das ações.
As ações a entregar são as preferenciais, que estiveram já a cair 50% face ao preço de conversão. No dia anterior às notícias que davam conta do escândalo na Volkswagen, estas obrigações cotavam a 100,8%. A cotação actual é de 72% e a cotação da acção é de 105,15 euros. Um porta-voz da Volkswagen, Claus-Peter Tiemann, declarou que as condições da dívida se mantêm inalteradas.
Hoje, muitos acham que a marca VW, assim como o seu acesso futuro aos mercados, está comprometida e que as futuras emissões de obrigações serão profundamente escrutinadas pelos investidores. Infelizmente a história mostra-nos uma e outra vez que os investidores se esquecem depressa.
2. Millennium BCP - a conversão de obrigações
Em maio passado, o Millennium BCP propôs aos detentores de duas obrigações a sua conversão para ações. Estas obrigações haviam sido emitidas em setembro e outubro de 2008, com vencimento em 2018. Nos dois casos, os cupões eram variáveis e de cerca de 1,43%.
O Banco propôs aos seus detentores a conversão daquele crédito que tinham sobre o banco em ações BCP, numa altura em que as obrigações cotavam a cerca de 92,5% do valor da emissão e as ações a cerca de 0,0876 euros. Foi proposto como preço de referência para as ações 0,0836. Neste caso, os investidores abdicaram, ao preço de 92,5%, de um yield de 4,09% até à maturidade em outubro de 2018, para terem hoje uma menos valia na ação de mais de 40% face ao valor a que converteram.
Esta operação financeira originou a emissão de cerca de 5 mil mihões de novas ações diluindo mais uma vez os antigos acionistas. Agora, em vez de serem divididos por 54 mil milhões de ações, os lucros do banco serão divididos por 59 mil milhões de ações.
Esta troca de obrigações por ações foi um aumento de capital de mais 9%. O Millennium BCP fez, desde a sua fundação, 34 aumentos de capital, passando de 3,5 milhões de ações para os 59 mil milhões!
3. Abengoa - o excesso de dívida e aumento de capital
Depois da empresa ter anunciado que os bancos concordaram em subscrever um aumento de capital por emissão de novas ações, a maioria das obrigações desta empresa espanhola de energias renováveis, permanece abaixo dos 60% do valor facial. Os investidores da Abengoa não estão convencidos que um aumento de capital bem sucedido possa restaurar a saúde financeira da empresa e receiam que este negócio não seja suficiente para a empresa suportar os mais de 6,5 mil milhões de euros de dívida líquida consolidada.
O balanço muito alavancado da empresa obrigou-a sempre a pagar o dinheiro mais caro para conseguir atrair os investidores. Estas obrigações também foram vendidas pela banca no nosso país, com taxas de juro muito elevadas. Na esmagadora maioria dos casos, é de supor que os clientes da banca que as colocou não foram alertados para o excesso de dívida desta empresa e para o facto destas taxas implicarem riscos elevados.
É natural que os clientes procurem um retorno elevado. Quem não quereria, se fosse possível, uma coisa ao estilo do Madoff, em média 11% ao ano, garantido e sem ter que ver a carteira de investimentos variar muito ao longo do ano? Mas isto não existe. Num "mundo" com taxas de juro próximas de zero, é de esperar que quando alguém paga garantidamente estas taxas, esteja a tentar "manter a cabeça fora da água" ou a incorrer em operações excessivamente arriscadas, que podem ser bem sucedidas, ou não.
Os investidores procuram rendimentos mais elevados para o seu dinheiro agarrados à ideia que uma obrigação é dinheiro garantido. Com tantos exemplos tão maus em que perdem sempre dinheiro, é difícil de entender porque razão continuam a ter disponibilidade para atirar dinheiro para a fogueira, na expectativa que o seu desta vez não arda. É surpreendente porque continuam a confiar nestes "conselheiros".
4. Hedge Funds - o trade que era suposto salvar o ano está a arruiná-lo
Os gestores de hedge funds e de private equity têm estado a investir, ao longo do último ano, em dívida emitida por empresas de energia em dificuldades na expectativa, com a recuperação dos preços de petróleo, de verem o preço das obrigações recuperarem.
Para angariarem montantes consideráveis junto de investidores, venderam-lhes a ideia de que esta era a oportunidade de uma vida. Com a queda continuada dos preços do crude, os prejuízos de muitas destas empresas têm vindo a agravar-se e as empresas mais alavancadas, onde teoricamente os ganhos potenciais poderiam ser maiores, têm provocado grandes perdas a estes investidores. A desvalorização do yuan em Agosto e a queda abrupta das empresas farmacêuticas devido a preocupações acerca dos preços dos medicamentos, têm contribuído negativamente para os resultados alcançados este ano.
"As pessoas foram esmagadas. Foram completamente destruidas" declarou Stephen Schwarzman, CEO do Blackstone Group LP, durante a apresentação de resultados.
As empresas de private equity podem esperar que a turbulência passe uma vez que não têm que devolver o dinheiro aos clientes nos próximos anos. Os gestores dos hedge funds não dispõem desse luxo. Durante anos, os gestores de hedge funds queixaram-se da falta de oportunidades num período de relativa placidez nos mercados. Contudo, agora que a volatilidade está de regresso, poucos foram capazes de aproveitar.
Para além da energia, grandes gestores de dinheiro, como Fortress Investment Group LLC estão a encerrar fundos que estavam em actividade há muito tempo enquanto que outros, como a Greenlight Capital Inc de David Einhorn, registam, este ano, perdas de dois dígitos.
5. Relação entre desemprego e inflação parece ter-se rompido
Os mercados financeiros esperam que as taxas se mantenham historicamente baixas durante os próximos anos. Esta era de condições monetárias pouco convencionais não mostra sinais de terminar. Se os bancos centrais do mundo desenvolvido quiserem regressar à normalidade desejada, o conjunto de ferramentas tradicional pode não ser suficiente.
No curto prazo, os economistas acreditam que o desemprego e a inflação se deveriam mover em direcções opostas: desemprego elevado deveria pesar nos preços e baixo desemprego, com o aumento de salários, deveria aumentar inflação.
Infelizmente, em muitos países esta relação habitual entre desemprego e inflação parece ter-se rompido. Em 2008, o crescimento económico desabou e o desemprego cresceu brutalmente mas a inflação caiu gradualmente para baixo das previsões. Em contraste, agora, o desemprego caiu para níveis extraordinariamente baixos nos Estados Unidos, Inglaterra e na Alemanha e, apesar disso, a inflação mantém-se anémica. Isto confunde os bancos centrais.
É cada vez mais provável que as taxas de juro se mantenham muito baixas nos próximos 3 a 5 anos. Com o aumento de estímulos por parte do BCE, é cada vez mais provável que as taxas negativas das obrigações alemãs possam estender-se até aos 10 anos.
Este é um contexto muito difícil para os investidores ganharem dinheiro em investimentos de taxa fixa. Actualmente o dinheiro é quase de graça. Estas circunstâncias extraordinárias confundem o investidor e levam-no a correr riscos que não serão recompensados.
Cuidado, há muita gente por aí a tentar separá-lo do seu dinheiro.
As variações entre preços máximos e mínimos observadas dia 24 de agosto são o resultado do trading automático, do uso de instrumentos especulativos e com enorme alavancagem, de milhões de pessoas poderem comprar e vender ativos a partir do seu computador - sem qualquer preparação para o fazer - e da falta de convicção, da maior parte dos gestores profissionais de dinheiro, nas empresas em que investem. Estas atitudes potenciam variações enormes, que se verificam em minutos, como aconteceu. O "entusiasmo" da comunicação social empurra os investidores para más decisões e o factor medo assume o controlo na tomada de decisões.
Por si só, esta volatilidade não significa mais risco. Antes pelo contrário. Com o mesmo valor, podemos comprar uma fração maior da empresa.
Não sabemos a que preços cotarão os mercados na próxima semana ou daqui a um mês ou um ano. Sabemos, no entanto, que a maior parte das maiores e melhores empresas do mundo continuarão a fixar novos records de lucros daqui a 3, 5 ou 10 anos e que os seus acionistas serão largamente recompensados.
Com certeza que os investidores têm razão para estarem preocupados com as empresas excessivamente endividadas, com as empresas com posições competitivas fracas e que hoje estão excessivamente caras. Contudo, não faz sentido terem medo acerca da prosperidade das melhores empresas do mundo, que hoje podemos comprar com descontos substanciais.
Objectivo do nosso trabalho
O nosso objectivo de investimento é o crescimento de capital a longo prazo. Na prossecução deste objectivo, investimos em títulos que acreditamos estarem subvalorizados na altura da compra e que têm potencial de crescimento. O princípio orientador é a consideração das acções como uma fracção de propriedade de um negócio e a sua compra quando o preço a que cotam é baixo relativamente ao valor total do negócio.
Para sabermos o valor do negócio, analisamos profundamente o balanço e o histórico de resultados da empresa nos últimos 10 anos para chegar a uma estimativa do valor fundamental. Investimos maioritariamente em títulos de empresas americanas e europeias. Procuramos negócios com história consistente de criação de riqueza para os accionistas. Gostamos que estes negócios sejam geridos por gestores capazes e com participação no capital da empresa.
Por muito bom que seja o negócio e a empresa, gostamos de comprar a preços sensatos.
A queda no preço das matérias-primas
Há uma década atrás começou a corrida às matérias-primas e foi definida uma nova era: "os preços subirão para sempre". A procura da China, que consome cerca de 50% da produção mundial de metais como o ferro, alumínio ou zinco e a depreciação do dólar americano - a moeda que serve de cotação para quase tudo que é extraído do solo - contribuíram para o boom dos preços. Os especuladores e o sistema financeiro, como sempre, regaram o fogo com gasolina, adicionando todo o tipo de produtos derivados e alavancados, estruturados ou "encapotados", que permitiram criar a bolha e gerar elevadas comissões.
O fortalecimento do dólar e o abrandamento da economia chinesa provocaram uma grande queda nos preços. O índice de 22 matérias-primas compilado pela Bloomberg está a preços de 1999. A recuperação da economia americana não é suficiente para promover preços altos. Hoje, o grande problema para os produtores de matérias primas é o excesso de oferta. Quando os preços caem muito e durante muito tempo, a produção tende a ser reduzida e os grandes produtores compram as empresas mais pequenas e mais alavancadas, vendem ativos não relacionados com o negócio e preparam a próxima década. Nessa altura, que pode ser de largos anos, um novo ciclo de subida de preços recomeça.
Para as empresas transformadoras e para o consumidor final, os preços deprimidos das matérias-primas resultam em aumentos de margens e de poder de compra e não constituem pressão sobre a inflação. Por si só, no mundo desenvolvido, este impacto é positivo.
China
O que é mau para a China não é necessariamente mau para o resto do mundo. Este ano, a economia chinesa deverá crescer 7%, a taxa mais baixa dos últimos 25 anos. O governo chinês tem procurado reorientar a economia do investimento para o consumo. O abrandamento económico chinês, que explica muito da queda de 40% nos preços da matérias-primas, desde o seu máximo em 2011, tem impacto para um pequeno grupo de países exportadores de ferro e minerais. Segundo a empresa Emerging Advisors, as exportações de países desenvolvidos para a China representam menos de 9% das exportações totais desses países. À medida que a economia é orientada para mais consumo, é natural que os países mais ricos sejam os maiores beneficiários dessa transformação. As exportações dos Estados Unidos para a China representam apenas 0,9% do PIB americano.
A correcção no mercado acionista chinês, que desde o início do ano é de 9,5%, tem provocado as mais variadas reações sobre o seu impacto no abrandamento da economia mundial. A verdade é que este mercado tem ainda um peso surpreendentemente pequeno: as ações disponíveis para negociação (free-float) equivalem a 1/3 do PIB do país, enquanto que nas economias desenvolvidas tem um peso superior a 100%. Os ativos financeiros dos agregados familiares investidos em ações são inferiores a 15%. Este é o motivo pelo qual as subidas tão elevadas registadas nos últimos anos nos mercados acionistas contribuiram pouco para aumentar o consumo e as quedas não causarão grandes estragos. Muitas ações foram compradas com crédito e a desalavancagem forçada explica porque razão as iniciativas levadas a cabo pelo governo Chinês não foram suficientes para estancar a sangria. Estes financiamentos representam apenas 1,5% dos ativos totais do sistema bancário chinês. No dia 25 de agosto o PBC, banco central chinês, anunciou a redução das reservas que os bancos deverão manter, libertando liquidez para o sitema bancário e reduzindo as taxas de juro.
As variações cambiais
Nos últimos anos, temos assistido a uma "guerra cambial" entre as principais potências económicas. Esta é a forma mais rápida de dar competitividade à economia de um país, aumentando as suas exportações. No entanto, o valor da moeda de um país tenderá, a prazo, a reflectir os fundamentos macroeconómicos da economia que lhe está subjacente.
Nas últimas semanas, a desvalorização da moeda chinesa, o Yuan, tem motivado correcções consideráveis nas moedas dos países com maiores relações comerciais com a China. No entanto, mesmo depois desta desvalorização, a moeda chinesa continua mais forte do que há um ano atrás, resultando numa depreciação pequena face às moedas com quem tem mais relações comerciais.
O nível das taxas de juro
Os investimentos em taxa fixa continuam a não ser alternativa de rendimento às ações. O que pagam hoje as obrigações de vários países, a prazo, atarão os investidores a rendimentos medíocres para 10 anos ou obrigarão a assumirem perdas para sair destes ativos antes do vencimento. As obrigações a 10 anos do tesouro Americano, pagam 2,16%, o tesouro Alemão paga 0,77% (têm taxas negativas até 4 anos), o Japão paga 0,395%, a França paga 1,13%, a Inglaterra paga 1,9% e o Canadá paga 1,43% e até Portugal emitiu recentemente dívida com yields negativos.
Não sabemos quando nem a que ritmo subirão as taxas no mundo desenvolvido. As economias não registam pressões inflacionistas e a queda nos preços das matérias primas e nos combustíveis permitiram à Reserva Federal Americana manter os níveis atuais de taxas e não ter pressa para subidas abruptas. A economia americana continua a recuperar e está agora a atingir uma situação considerada de pleno emprego - taxa de desemprego a rondar os 5%. A subida das taxas de juro fará subir o apetite por ativos americanos e, potencialmente, tornará o dólar americano ainda mais forte.
O Norges Bank, que gere o maior fundo soberano do mundo, reportou uma perda de 2,2%, no trimestre, na sua carteira de obrigações .
O medo e a ganância
Procuramos estar preparados, financeira e psicologicamente, para as variações do mercado. Em Agosto de 2011, a propósito das quedas de 18% verificadas nos mercados acionistas mundiais, motivadas pelo downgrade da dívida americana, escrevemos no Jornal i "Ignore a Multidão". Ficámos sem liquidez nas carteiras dos nossos Clientes e durante cerca de 2 meses algumas ações que comprámos estiveram a perder vários pontos percentuais. Quase todas essas posições foram vendidas em 2012, 2013 e 2014. As rentabilidades foram excepcionais, como muitos dos Clientes bem recordam e se encontra documentado nos nossos Relatórios e Contas, disponíveis no site.
Em 19 de Setembro do ano passado, escrevi aqui um artigo, "Cash is KING - A dolorosa decisão de manter dinheiro parado". No penúltimo parágrafo dizia o seguinte:
"Ao contrário de 2008 e 2009, hoje achamos que cash is king (dinheiro é rei). Embora não sejamos adeptos de ter dinheiro parado, a estes níveis de mercado, ter liquidez significa poder aproveitar as oportunidades de valor que surjam. A questão não é se, mas quando".
Nas últimas duas semanas as oportunidades de valor têm surgido e ter dinheiro disponível para as aproveitar permitirá retornos mais consitentes e maiores aos nossos Clientes do que se tivessemos seguido a maioria que investe no mercado sem margem de segurança.
Muitos investidores teimam em estar sempre errados nos movimentos extremos de mercado. Haverá sempre uma justificação a posteriori para que grande parte dos investidores institucionais estejam hoje fora do mercado. Quanto mais não seja, estão a proteger o seu posto de trabalho e a sua carreira. Estes são os que ganham muito quando os Clientes ganham alguma coisa.
Nestas ocasiões sabemos que muitos investidores que estão totalmente em dinheiro ou em equivalentes (depósitos a prazo e obrigações) se sentem confortáveis. Não deviam. Estão a optar por um ativo terrível para o longo prazo, que paga quase zero e que deverá perder valor. As políticas seguidas pelos governos mundiais para resolver a crise trarão pressões inflacionistas a prazo e isso acelerará a queda do valor real dos ativos em dinheiro ou equivalente.
As ações conseguirão melhor performance que estes investimentos e seguramente por uma margem substancial. Esperar pelo conforto das boas notícias nos mercados é abdicar duma parte significativa da sua valorização.
Há certamente problemas preocupantes nas economias mundiais. Há sempre incerteza sobre o que será o futuro. Se tudo estivesse bem, não conseguiríamos comprar bons ativos a desconto do seu valor.
Contudo, se os investidores não estiverem no mercado financeiro para correr os 100 metros e estiverem preparados para a maratona, tal como faz um bom empresário, os resultados serão muito satisfatórios.
Porque o faz nas ações?
Todos os investidores sabem que comprar barato e vender caro é a fórmula segura para ganhar dinheiro. Então, que sentido faz querer vender quando o mercado cai e querer comprar quando sobe?
Comprar num mercado a cair é muito difícil, não apenas para o comum dos investidores, mas sobretudo para os gestores de dinheiro. Primeiro, obriga a que se faça o contrário da maioria dos investidores, o que exige saber o que se está a fazer, disciplina para executar e firmeza de carácter para aguentar opiniões contrárias. Segundo, é muito provável que não se acerte nos mínimos das ações que queremos comprar e que, durante algum tempo, tenhamos que ver as nossas posições negativas, por vezes de forma substancial. Explicar aos investidores, que não gostam de ver o seu património financeiro desvalorizar, que esta é a melhor altura para adicionar novas posições agora baratas ou reforçar as já existentes, porque estão mais baratas, é ainda mais difícil.
Por isso, a maioria das instituições financeiras não faz o esforço para contrariar as decisões, tomadas por impulso e medo, dos investidores. Estas instituições ganham mais quantas mais transações de compra e venda se fizerem. É fácil concordarem e aconselharem a vender e a regressar ao mercado quando as notícias forem boas e tudo estiver a subir. Nessa altura, os investidores pagarão mais por esse conforto. Esta não é uma estratégia de criação de valor consistente e com boas rentabilidades.
Em 16 de outubro de 2008, Warren Buffett recomendou, num artigo no New York Times, que comprassem ações americanas e que ele próprio estava a comprar. Desde esse dia até aos mínimos de mercado, em 6 de março de 2009, o índice das maiores 500 empresas americanas recuou cerca de 26%. Durante este período, o melhor investidor de todos os tempos foi criticado nos canais de televisão, blogs etc. Na verdade, quem comprou quando Buffett aconselhou, teria ganho cerca de 22% até final do ano seguinte. Os investidores que ficaram de fora do mercado acionista porque investiram nos chamados investimentos "seguros" ou porque ficaram à espera de melhores notícias, estiveram sempre à espera do melhor ponto de entrada. Esses tiveram um custo de oportunidade muito grande porque quando tiveram conforto com as notícias positivas que surgiram, já o mercado tinha recuperado mais de 70% das perdas. Isto não aconteceu apenas aos pequenos investidores. Muitos estudos publicados em 2013 e 2014 demonstraram que muitos investidores institucionais falharam o rally nas ações.
O que sabe o Mercado sobre o Valor dos ativos?
A história repete-se tantas vezes. Os investidores cometem sempre os mesmos erros e não conseguem ignorar o preço a que a toda a hora o mercado cota as suas ações. Quando vêm um imóvel a ser vendido por menos 20 ou 30% compram-no e criam até uma tese, por vezes demasiado otimista, para o possível rendimento futuro. A grande diferença é que o mercado financeiro todos os dias apresenta uma cotação para essas ações. Na realidade, enquanto a sessão está aberta, o mercado apresenta muitos preços. A maioria dos investidores não diferencia o preço do valor. Preço é o que está a cotar em determinado momento. Valor é o que intrinsecamente resulta da capacidade da empresa ganhar lucros para o futuro. Não há dúvida que se o tal imóvel cotasse todos os dias num mercado muito líquido, teria variações muito maiores e veríamos a mesma volatilidade que vemos nas ações.
Ou seja, aquela que é uma enorme vantagem, a capacidade de tornar os ativos caros em dinheiro ou comprar ativos muito baratos que produzam bons rendimentos, torna-se para a maioria dos investidores numa enorme desvantagem, porque psicologicamente não conseguem aguentar o mercado a cair e querem "cortar as perdas": "não vou ficar sentado a ver a carteira cair". Nestas alturas, deviam aproveitar para comprar muito valor por pouco dinheiro. A maioria dos investidores no mercado têm um conhecimento muito limitado do que valem os ativos e, por isso, têm medo e ancoram-se no preço, considerando que o mercado está certo, sabe mais do que eles individualmente e é melhor vender.
Na semana passada, em carta aos clientes, Howard Marks, conceituado investidor em valor, dizia o seguinte: "nestas correções, muito investidores imputam inteligência ao Mercado e esperam que ele lhes diga o que se está a passar e o que devem fazer. Este é um dos maiores erros que podem cometer. Tal como Benjamin Graham diz, o Mercado no dia a dia não é um analista fundamental; é um barómetro do sentimento dos investidores. Não devemos levá-lo muito a sério. Os agentes que participam no Mercado têm uma compreensão limitada daquilo que realmente se está a passar em termos de fundamentos económicos e qualquer inteligência que possa estar por trás das suas compras e vendas é anulada pelas suas variações emocionais. Seria errado interpretar as recentes quedas globais como um sinal de que o Mercado "sabe" que se avizinham tempos difíceis."
O Mercado é o conjunto de pessoas que participam nele e do seu conhecimento coletivo. Todos os que transacionam no mercado votam na formação dos preços, pessoas de todos os níveis de conhecimento e habilitações juntam-se para formar o preço. Estas pessoas variam em termos de conhecimento, experiência e emoções. O Mercado não atribui peso superior a umas pessoas em detrimento doutras, especialmente no curto prazo. Quando milhares de pessoas entram em pânico é muito natural que influenciem muitas mais. Como comprar e vender está ao alcance de um telemóvel ou qualquer computador, é natural que não se reflita nas tomadas de decisão.
Sabemos todos que o Mercado é muito mais emotivo do que racional e que quando as notícias são adversas, o pessimismo é exagerado, os média procuram os profetas da desgraça e potenciam ainda mais as quedas.
Qual é o principal objetivo do investimento?
O principal objetivo do investimento deve ser a segurança do capital e obter um retorno muito satisfatório a prazo. Para isso, é preciso comprar barato, comprar coisas cujo preço subestime o valor dos ativos ou lucros subjacentes. Ou seja, procuramos situações em que o Mercado está errado, não está a cotar o verdadeiro valor dos negócios subjacentes destas empresas. Já escrevemos aqui várias vezes que o investidor contrário deve fazer, em geral, o oposto do Mercado, especialmente nos seus extremos.
Charlie Munger, sócio de Warren Buffett, aconselha: "Procure mais valor, em termos de cash flow futuro, do que o que está a pagar. Aja apenas quando tiver uma vantagem. É muito básico. Tem que compreender as probabilidades e ter a disciplina de só investir quando as probabilidades estão a seu favor". Hoje somos da opinião que as probabilidades estão muito favoráveis para o investidor de longo prazo.
O que nos diz um Mercado em queda acerca do Valor?
As desvalorizações nos mercados financeiros dizem apenas o que aconteceu e como os investidores reagem, não o que vai acontecer. Não nos dizem nada acerca de eventos futuros. Seguir a opinião dos comentadores ou previsores também não ajuda a investir melhor. Muitas vezes o mercado não avalia bem os ativos e o seu preço difere muito do valor. O mercado avalia de forma diferente os setores e há os que estão a desfavor com os investidores. O que realmente nos diz o que valem os ativos é a análise profunda dos fundamentais das empresas, do seu modelo de negócio, das suas margens operacionais, da sua capacidade de fortalecer vantagens competitivas, da solidez dos seus balanços, da capacidade dos seus gestores a alocar capital e, consequentemente, da capacidade de gerar lucros para o futuro.
Os investidores médios não avaliam o valor intrínseco no dia a dia e fazem um trabalho pior em tempos de crise. Assim, os movimentos de curto prazo dos preços não nos dizem nada sobre os fundamentos dos negócios. Não se esqueça: os fundamentos económicos de uma empresa não variam muito de dia para dia. As variações diárias dos preços têm mais a ver com as variações nas emoções dos investidores.
Existe apenas uma forma inteligente de investir: saber o que algo vale e comprar abaixo desse preço. Vender porque está a cair não tem nada a ver com o valor do ativo - vende-se apenas porque se tem medo que o preço vá cair ainda mais. Seguir os conselhos do Mercado, do que a maioria está a fazer, não nos ajuda a conseguir resultados acima da média.
O que fazem os melhores investidores do mundo?
Os melhores investidores sabem que as flutuações de preço de curto prazo não são fundamentalmente significativas e que os melhores resultados serão atingidos se as posições forem mantidas ignorando a volatilidade. Ao contrário, a maioria dos investidores vendem pelas mais variadas razões: porque têm medo, porque estão alavancados, porque alguém os aconselha a isso. Vender nestas circunstâncias pode transformar uma flutuação temporária numa perda de capital permanente impedindo que a recuperação subsequente seja totalmente aproveitada. Este, na nossa opinião, é um grave erro que muitos investidores cometem.
Os movimentos futuros dos preços dos ativos só podem ser previstos com base na relação entre o preço e os fundamentais económicos da empresa - os lucros. Dada a volatilidade e a irracionalidade do Mercado no curto prazo, apenas podemos fazer isso no longo prazo.
O verdadeiro investidor não vende nestas correções. Comporta-se como um dono do negócio e mantém a sua atenção no valor que estas empresas têm quando comparadas com o preço a que transacionam. Aproveitam, quando existe dinheiro disponível, para reforçar as suas posições que desvalorizaram e para adicionar bons títulos que recuaram muito de preço. É isso que também temos feito e continuamos a não ver alternativas de investimento tão seguras e rentáveis a prazo.
Desta vez não é diferente e o que realmente tem valor muito acima do preço, voltará a refleti-lo.
Quando um gestor com uma reputação brilhante assume a gestão de um negócio com uma má reputação económica, é a reputação do negócio que se mantém intacta
-- Warren Buffett
Porque motivo empregam as empresas de genéricos exércitos de advogados na procura de buracos nas leis de patentes? Porque as grandes empresas farmacêuticas como a Pfizer, Novartis ou Merck são imensamente lucrativas e basta um pequeno sucesso no levantamento de uma patente para que se consigam receitas consideráveis. No final dos anos 90, as empresas de capital de risco financiavam qualquer start-up na área das redes de informática porque a Cisco estava a crescer 40% ao ano com margens operacionais de 25%.
O capital procura sempre as áreas com maior retorno esperado. Os investidores avaliam as empresas procurando aquelas que aumentaram mais os lucros e, quase sempre, assumem que esta tendência se manterá para o futuro. Muitas vezes, as empresas que parecem fantásticas no espelho retrovisor acabam por ter performances mais fracas no futuro. Se uma empresa está a gerar grandes lucros, atrai a concorrência. A natureza básica de qualquer mercado livre é que, quanto maiores forem os lucros, mais forte será a concorrência.
O conceito de vantagens competitivas, ou fossos económicos, é crucial para a forma como analisamos as ações das empresas e o valor que lhes está subjacente. Michael Porter, professor de Harvard, e Warren Buffett foram os pioneiros a estabelecer os princípios da análise da estratégia competitiva e dos fossos económicos. Porter diz que "vantagem competitiva é o coração da performance da empresa em mercados livres" e o seu livro, que trata este assunto, pretende mostrar como uma empresa pode criar e manter as vantagens competitivas na sua indústria e como pode implementar estratégias que as fortaleçam para o futuro. Buffett explica as vantagens competitivas como os atributos que a empresa tem que lhe permite manter os concorrentes à margem. A este conjunto de vantagens competitivas chama-lhe moat, ou fosso, como os que existiam à volta dos castelos medievais para proteger dos inimigos. Ou seja, a empresa cria à sua volta um fosso que lhe permite manter os concorrentes afastados e continuar a beneficiar de lucros acima da média do setor. Certamente que os concorrentes tentarão sempre obter uma parte dessses lucros e, na realidade, a maior parte das vezes, conseguem-no, reduzindo as rentabilidades do negócio.
O que realmente interessa ao investidor em valor é encontrar os negócios com grandes vantagens competitivas e que têm elevada probabilidade de as manter para o futuro. Mais importante do que comprar um negócio razoável em saldo, é comprar um negócio excecional a preços sensatos. O que torna um negócio excecional é o seu poder de criar valor para os acionistas da empresa (através de lucros sólidos e crescentes para o futuro) e para os clientes (através da oferta de valor presente nos serviços e produtos que vende).
Warren Buffett diz que demorou quase 20 anos a compreender este facto: um negócio excecional comporá sempre os retornos, ano a ano, a taxas excecionais. Um negócio razoável, pode ser comprado barato, mas continuará a compor retornos a taxas medíocres. Acrescenta, aliás, que foi o seu sócio, Charlie Munger, que o fez compreender e adoptar esta estratégia ao longo do tempo.
Como podemos avaliar as vantagens competitivas e a sua durabilidade?
Para analisar as vantagens competitivas de uma empresa devemos analisar os últimos 10 anos da sua atividade:
1º Avaliar os lucros históricos e verificar se a empresa tem sido capaz de gerar retornos sólidos nos seus ativos e nos seus capitais próprios. Esta análise permite determinar se a empresa conseguiu construir o dito fosso à volta do seu negócio.
2º Avaliar a origem dos lucros: se a empresa conseguiu retornos sólidos e lucros consistentes, o que impede os concorrentes de lhe "roubar" os lucros?
3º Devemos estimar quanto tempo poderão durar estas vantagens competitivas. Algumas empresa conseguirão fazê-lo durante anos, outras conseguem fazê-lo décadas.
4º Importa analisar a estrutura competitiva da indústria. Como competem entre si as empresas desta indústria? Importa saber se a indústria é atrativa, com muitas empresas lucrativas, ou se é uma indústria em que as empresas lutam pela sobrevivência.
Analisar as vantagens competitivas é uma atividade complexa. O que procuramos são empresas que conseguem lucros em excesso do seu custo de capital - empresas que conseguem gerar substanciais somas de dinheiro relativamente aos investimentos feitos. Para o fazer, usamos algumas métricas, que na realidade são atalhos, que permitem fazer o trabalho de identificação das empresas que têm realmente vantagens competitivas:
1- A empresa gera free cash flow? Se sim, quanto? Às empresas que geram free cash flow sobra dinheiro depois de reinvestirem o que é necessário para manter o negócio a funcionar. Ou seja, este é o dinheiro que pode ser retirado todos os anos da empresa sem danificar o negócio. Se dividirmos o free cash flow pelas vendas (ou receitas) isto diz-nos qual é a proporção de cada euro, ou dólar, em vendas que a empresa é capaz de converter em lucros em excesso. Se este quociente resultar em 5% ou mais, é muito povável que tenhamos encontrado uma máquina de fazer dinheiro e é um excelente sinal de que a empresa tem fosso económico.
2 - Quais as margens líquidas da empresa? A margem líquida é a receita líquida em relação às vendas e diz-nos quantos lucros a empresa gera por euro de vendas. Empresas que conseguem 15% ou mais estão a fazer um bom trabalho.
3 - Que retornos tem no capital próprio (Return on Equity, ROE) ? É a receita líquida em relação aos capitais próprios e mede os lucros relativamente a cada dólar de capital que os acionistas investiram na empresa. Embora com algumas falhas, esta medida é útil como ferramenta para avaliar os lucros globais. As empresas que consistentemente geram 15% ou mais, estão a gerar retornos sólidos com o dinheiro dos acionistas.
4 - Quais são os retornos nos activos, (Return on Assets, ROA)? É a receita líquida em relação aos ativos da empresa e mede a eficiência com que a empresa transforma os seus ativos em lucros. Se a empresa consegue um valor superior a 6 a 7%, poderá ter uma vantagem competitiva face aos concorrentes.
Na análise da empresa e destas métricas, a consistência é essencial, uma vez que é a capacidade de manter os concorrentes afastados durante um longo período de tempo que torna a empresa valiosa. É essencial olhar para um histórico de 10 anos e verificar a consistência dos resultados.
Muitas vezes ouvimos dizer que um ativo vale aquilo que pagarem por ele. Não é verdade. Muitas vezes os ativos cotam preços muito diferentes do seu valor. Uma empresa vale o valor presente de todo o dinheiro que vai ganhar no futuro.
Na Casa de Investimentos, procuramos, na alocação dos valores que nos confiam à gestão, um conjunto limitado de boas empresas cujos negócios subjacentes tenham fundamentos económicos soberbos, que sejam geridas por gestores capazes e honestos e que estejam a transacionar a preços sensatos. Na realidade, não existem muitas centenas de negócios extraordinários e muitos deles transacionam normalmente a prémio. Só em circunstâncias extraordinárias, estes negócios vêm cotar preços que julgamos baratos. É nessas circunstâncias que estamos compradores.
Ao prestar grande atenção à avaliação das empresas, estamos a maximizar o impacto de algo que conseguimos prever (a performance financeira de uma empresa) nos nossos retornos de investimento e a minimizar aquilo que não conseguimos adivinhar (o entusiasmo ou pessimismo de grande parte dos participantes do mercado). Quando compramos uma ação, tudo o que precisamos de saber é que o preço a que compramos é bastante mais baixo que o valor provável do negócio e que seremos largamente compensados com lucros crescente para o futuro.
As empresas apresentadas na tabela são alguns exemplos de empresas com vantagens competitivas. Estes são negócios excepcionais e alguns são investimentos que fizemos no passado. Nunca devemos esquecer no entanto que, por muito boa que seja uma empresa, não vale um preço infinito. Muitos destes negócios estão caros. Isto não quer dizer que não subam. O investidor que os compra hoje está a confiar que haverá no futuro quem os deseje ainda mais.
Valor com muitos anosTítuloFundaçãoCapitalização *Retorno Acumulado %Retorno Anualizado %Johnson & Johnson1887276,833 USD8334,9115,64 desde 1985Microsoft1975369,208 USD63301,3024,80 desde 1986General Electric1878267,717 USD2440,7611,28 desde 1985Walmart1962237,386 USD6988,1315,11 desde 1985Berkshire Hathaway1965348,82 USD6844,0716,66 desde 1987Coca-Cola1886178,722 USD5773,4914,28 desde 1985Total1924108,718 EUR2111,0612,90 desde 1989Procter & Gamble1837222,547 USD4577,6713,45 desde 1985Wells Fargo1852294,843 USD14685,0017,79 desde 1985L'Oréal191994,284 EUR7478,2715,244 desde 1985Nike197296,291 USD66966,8023,77 desde 1985Nestlé1866229,46 USD1326,9810,98 desde 1989McDonald's195594,567 USD5353,4714,00 desde 1985Medtronic1949107,399 USD24659,5019,80 desde 1985BMW191660,566 EUR2083,2114,51 desde 1989Unilever1929122,177 EUR1241,3410,71 desde 1989Louis Vuitton198782,362 EUR1087,4910,18 desde 1989Oracle1977176,257 USD56797,5024,43 desde 19863M190292,261 USD3686,3712,65 desde 1985Heineken186441,679 EUR2595,4313,78 desde 1989Lindt184513,621 CHF2163,9913,00 desde 1989Novartis1758267,297 CHF1607,9911,76 desde 1989*Valores em milhares de milhões
Charlie Munger, sócio há muitos anos de Warren Buffett, aconselha: "Procure mais valor, em termos de cash flow futuro, do que o que está a pagar. Aja apenas quando tiver uma vantagem. É muito básico. Tem que compreender as probabilidades e ter a disciplina de só investir quando as probabilidades estão a seu favor".
Porque são diferentes os Investidores em Valor?
Desde o início da gestão, em 15 de Novembro de 2010 até 31 de outubro passado, conseguimos uma rentabilidade acumulada de 80,47%, com carteiras de investimento crescentes. Esta rentabilidade significa uma valorização de 12,63% ao ano. Poderíamos ter feito melhor, sobretudo no último ano e meio. No entanto, fizemos sempre, com a informação disponível na altura da decisão, o que era melhor para os nossos Clientes.
Comprámos quando muitos estavam pessimistas com o mercado acionista, comprámos quando muitos estavam a vender, como em agosto de 2011 com a descida do rating dos Estados Unidos. Pelo contrário, vendemos quando todos estavam a comprar, como aconteceu ao longo do último ano em que vendemos o que havíamos comprado em 2011 e início de 2012. Mantivémos dinheiro parado quando todos estavam mais optimistas e, por isso, mais disponíveis para o aplicar. No passado 24 de agosto e nas semanas seguintes, voltamos a comprar com mais volume e aplicámos grande parte dos valores disponíveis. Fizemos o contrário da maioria, não seguimos a multidão.
O nosso trabalho é comprar a pessimistas e vender a optimistas.
O verdadeiro segredo do investimento é que não tem segredos. Todos os aspectos importantes do investimento foram tornados públicos vezes sem conta, desde 1934, com a primeira edição do livro "Security Analysis". Que tanta gente falhe em adoptar uma estratégia de investimento intemporal e de baixo risco permite, a quem a adopta, ter sucesso consistentemente. São muito poucos os que seguem esta filosofia de investimento, que precisa de tempo e de muita disciplina para ser bem sucedida.
A génese da Casa de Investimentos
Há 9 anos, quando iniciámos a constituição da Casa de Investimentos, fizemo-lo na convicção plena que só assim teríamos independência para fazer a "coisa certa": tomar as decisões que melhor servem os interesses dos nossos clientes. Conscientes de que tínhamos a filosofia de investimento certa, só com independência poderíamos traçar objectivos a médio e longo prazo para criar riqueza. Era necessário que a nossa remuneração pela gestão do dinheiro dos nossos clientes não dependesse do comissionamento gerado pela venda de produtos criados pela "indústria" financeira mundial e vendidos para todos os intermediários financeiros ou das comissões de transação que, a ritmo acelerado, fazem os ativos mudar de dono em menos de um dia.
Nós temos tempo porque somos os donos e os gestores da Casa de Investimentos e quem, no longo prazo, ganha a confiança e respeito - a que atribuímos tanto valor - dos nossos Clientes.
Incomoda-me imenso que num país pobre onde é tão difícil poupar porque os salários são baixos, os impostos muito elevados e a nossa capacidade de criar riqueza diminuída pela máquina do estado, se trate a pontapé o dinheiro das pessoas. É isso mesmo: os últimos 5 anos mostraram que a banca e algumas grandes empresas destruíram muitos milhares de milhões de euros a quem colocou o dinheiro à sua guarda ou investiu nas ações destas empresas. Destruíram anos de trabalho e esforço de poupança e a liberdade de muitos poderem tomar decisões sobre o seu próprio destino.
Esta foi e continua a ser a nossa motivação: criar riqueza para os nossos Clientes, fazê-lo de forma compreensível, confiável e com boas rentabilidades.
O mercado accionista português
Nestes últimos 5 anos, os investidores portugueses que investiram em ações e que, em larga maioria, o fazem em ações nacionais, tiveram perdas muito grandes com os aumentos de capital da banca, a saída dos mercados da Brisa e Cimpor, a falência do Banco Espírito Santo, a destruição de valor da Portugal Telecom/Pharol, etc. O principal índice accionista, PSI20, registou um desvalorização de 17,96% incluindo os dividendos que foram distribuídos. Para além destas perdas, tiveram um elevado custo de oportunidade: 100 mil euros aplicados na Casa de Investimentos, valem hoje cerca de 180 mil euros. Os mesmos 100 mil euros, investidos nas ações do PSI 20, valeriam cerca de 82 mil euros.
Estes valores tão diferentes, mesmo que capitalizados à mesma taxa daqui para o futuro, resultariam em montantes muito diferentes daqui a 10 anos e muito mais a 20 anos. Os 82 mil euros, capitalizados a 12,63%, resultariam daqui a 10 anos em 269 mil e, daqui a 20 anos, em 885 mil euros. Os actuais 180 mil que teriam ganho na Casa de Investimentos, capitalizados à mesma taxa de 12,63% a 10 anos resultariam em 591 mil e a 20 anos resultariam em 1.942 mil euros.
Esta diferença enorme realça a dificuldade de recuperar de perdas, realça o impacto tão negativo que todos estes atores tiveram e terão na vida de quem lhes confiou o dinheiro ou seguiu os seus conselhos ou simplesmente investiu nas empresa que geriam.
Esta diferença enorme realça, sobretudo, a importância de investir numa carteira diversificada de ações de grandes empresas mundiais; as verdadeiras máquinas de criar dinheiro que, ao longo de décadas, estabeleceram e reforçaram vantagens competitivas duráveis - vendendo os seus produtos e serviços em todo o mundo e consolidando balanços em muitas moedas diferentes; que lhes permitem ganhar retornos acima da média, recomprar ações próprias quando as cotações caem, amontoar dinheiro no balanço para aumentarem, ano após ano, os seus dividendos e gerir a sua expansão com grande margem de segurança; para resistirem às conjunturas desfavoráveis, aos ataques da concorrência - que tentará sempre disputar mercados em que os retornos do capital são maiores - e que, depois das crises, recuperam mais fortes e ainda mais ricas. Da mesma forma que consumimos diariamente produtos e serviços produzidos por estas grandes empresas, é também nelas que devemos aplicar as nossa poupanças.
Devemos alocar o nosso dinheiro a quem o valoriza e o protege. Para que isso aconteça, é crucial investir em empresas sólidas e com gente competente e honesta.
Porque são diferentes os investidores em valor?
Apesar da nossa frustração, face aos retornos desde o início deste ano, estamos convictos que os fundamentos económicos positivos das empresas que temos em carteira se reflectirão nos seus preços de mercado e que com tempo, a sua cotação se aproximará do valor intrínseco destes negócios. Na sequência de outros períodos em que os receios macroeconómicos pesaram nos nossos retornos, conseguimos fortes retornos assim que esses receios se aliviaram. Em cada um desses períodos menos positivos, as empresas em que estamos investidos tinham características semelhantes às de hoje: preço/valor abaixo das médias de longo prazo, um crescente número de candidatos a comprar e perspectivas sólidas de crescimento. A nossa abordagem bottom up concentrada produz, historicamente, fortes resultados no longo prazo para os nossos Clientes. No entanto, o caminho para lá chegar não se fará sem solavancos.
A nossa confiança nos resultados futuros está baseada em três princípios fundamentais:
1. A filosofia, testada pelo tempo, do investimento em valor, baseada numa mentalidade de "dono" do negócio para o longo prazo e posta em prática por grandes investidores como Keynes, Graham, Templeton, Buffett e Seth Klarman, mantém-se válida em todo o mundo.
2. A nossa equipa de análise de investimentos tem a capacidade, experiência, disciplina e está alinhada com os interesses dos nossos clientes para aplicar com sucesso o investimento em valor.
3. É nossa forte convicção que as empresas que temos em carteira têm a força competitiva e a capacidade de gestão para fazer crescer o valor por acção. Têm também a margem de segurança entre o preço da acção e o valor da empresa capaz de conseguir retornos atractivos.
O conhecimento da história financeira, da forma como as instituições financeiras operam nos bons e nos maus momentos, o conhecimento da natureza humana e dos seus vieses comportamentais, o conhecimento da teoria financeira e a vontade em continuar diariamente a remover ignorância, permitirão tomar partido das oscilações dos mercados financeiros e da insanidade que de tempos a tempos, toma conta do sentimento da multidão. E isto acontece em todas as classes de ativos e não apenas nas ações.
O mundo do investimento está virado do avesso.
O que é visto como arriscado é quase certamente muito mais seguro do que aquilo que hoje é visto como sólido. Na última carta aos acionistas, Warren Buffett demonstra que, nos últimos 50 anos, o investimento em ações foi, por larga margem, o melhor investimento. O mesmo se verificou nos 50 anos anteriores em que tivémos duas guerras mundiais e a grande depressão. Os investimentos indexados ao dólar (obrigações e depósitos) perderam nos últimos 50 anos cerca de 87% do seu valor. O mesmo aconteceu para a maioria das moedas.
Com as novas regras "bail-in" aprovadas para a banca europeia, que entram em vigor em janeiro próximo, o princípio que se aplica é o da salvaguarda do dinheiro dos contribuintes. Esta lei vem tornar mais arriscados os depósitos a prazo e as obrigações emitidas pela banca. O risco pode vir de todo o lado: de produtos estruturados a partir de dívida, dos fundos de investimento que têm estas obrigações em carteira. Esta alteração tão profunda às regras do passado deveria obrigar os reguladores a uma enorme campanha de sensibilização e "educação" financeira para que cada um esteja mais preparado para se defender.
As folias da natureza humana, que resultam da busca da riqueza instantânea e do lucro sem esforço parecem estar sempre connosco. Enquanto as pessoas sucumbirem a este aspecto da sua natureza, o Investimento em Valor manter-se-á, como tem acontecido nos últimos 80 anos, uma abordagem sensata e de baixo risco ao investimento de longo prazo com sucesso.
Aos nossos Clientes agradecemos a confiança e paciência.
Obrigada.
Este ano, voltámos a Omaha, Nebraska, para ouvir Warren Buffett e Charlie Munger na Assembleia de Acionistas da Berkshire, onde estiveram presentes mais de 40 mil acionistas entre os quais conceituados investidores em valor com 3 e 4 décadas de resultados consistentes.
As credenciais para acesso ao Century Link tinham a seguinte mensagem:
"Celebrando 50 Anos de uma parceria rentável"
Esta devia ser a grande mensagem da Assembleia deste ano: os acionistas da Berkshire são os grandes beneficiários do investimento que fizeram. Este é na sua essência o capitalismo dos donos que gera um circulo virtuoso: criar riqueza para todos e quem o faz é devidamente recompensado por isso.
Infelizmente, o mundo é como é, e não como deveria ser, e esta não é a prática geral dos mercados financeiros.
Na sua carta aos acionistas de fevereiro passado, Warren Buffett recomenda um livro com o título que dá o nome a este artigo "Where are the Customers Yachts?", de Fred Schwed Jr. O autor do livro, escrito em 1940, começou a trabalhar em Wall Street em 1927 e, passados alguns anos, mudou de vida. A sua visão de Wall Street, retratada com humor, é arrasadora. O que Schwed faz neste livro é capturar completamente - numa linguagem enganadoramente simples - a loucura que se encontra no centro do negócio dos investimentos: a crença generalizada que existe alguém que nos consegue dizer como transformar, depressa, pouco dinheiro em muito.
Schwed diverte-se mais do que se indigna:"O corretor influencia o cliente com o seu conhecimento do futuro mas só depois de se convencer a si próprio. O pior que pode ser dito do corretor é que ele quer desesperadamente convencer-se e que por isso consegue convencer-se - de forma geral, mal".
Jason Zweig, colunista do Wall Street Journal, escreveu o prefácio da última edição, publicada em 2006. Segundo ele, "os nomes e os rostos e a maquinaria de Wall Street são completamente diferentes do tempo de Schwed mas o jogo mantém-se inalterado. O investidor individual continua situado no fundo da cadeia alimentar, um minúsculo plancton num oceano de predadores".
Schwed apresenta de forma soberba a diferença entre investir e especular: especulação é um esforço, provavelmente sem sucesso, de transformar pouco dinheiro em muito. Investimento é um esforço, que deverá ser bem sucedido, de impedir que muito dinheiro se transforme em pouco.
Hoje, tal como na altura de Schwed, as pessoas que tentam enriquecer depressa continuam a insistir em chamar-se, a si próprias, investidores - ainda que sejam claramente especuladores. Os computadores e o trading online não fizeram nada para melhorar as probabilidades de sucesso.
A Paixão pelas Profecias
A origem de Wall Street foi uma árvore onde compradores e vendedores se encontravam. Essa árvore cumpria a função de mercado; era um local que todos conheciam e onde iam para fazer negócios. Criou-se um conjunto de procedimentos que regulavam as transacções. Em breve, porém, os corretores adicionaram o negócio da profecia ao negócio da corretagem.
Quanto mais previsões forem feitas, mais negócios se fazem e mais comissões se podem cobrar. Até porque vão estar erradas e será "necessário corrigir a situação". Isto acontece uma e outra vez, ....
O croupier da mesa de roleta não diz que consegue adivinhar a ordem pela qual os números vão sair. Assegura-se apenas que as apostas são pagas e que a casa não é enganada - um trabalho que requer competência.
É muito difícil, no entanto, encontrar no sistema financeiro alguém que queira ser apenas o croupier, desde o assistente comercial, aos gestores, ao CEO. Os clientes têm o hábito de fazer perguntas acerca do futuro financeiro. Quando se coloca a um gestor de conta ou de dinheiro uma questão difícil, podemos ter a certeza que iremos receber uma resposta detalhada. Raramente recebemos a resposta mais difícil: não sei.
A Família Gotrocks e os "Ajudantes"
Na carta aos acionistas de 2005, Warren Buffett escreve uma parábola muito simples que talvez clarifique a loucura e a pouca produtividade do nosso vasto e complexo sistema de mercado. Apresento aqui um resumo:
Era uma vez uma família abastada chamada Gotrocks, que cresceu ao longo de gerações e inclui agora milhares de irmãos, irmãs, tias, tios e primos, possui 100% das acções dos Estados Unidos. Todos os anos, os Gotrocks colhem as recompensas dos investimentos: a totalidade do crescimento dos lucros que milhares de empresas geraram e a totalidade dos dividendos por elas distribuidos (os Gotrocks adquirem também todos os IPO's emitidos durante o ano). Todos os membros da família enriquecem ao mesmo ritmo e reina a harmonia. O seu investimento compõe retornos ao longo de décadas, criando uma riqueza enorme, porque os Gotrocks estão a "jogar" um jogo de vencedores.
Certo dia, surgem em cena uns "Ajudantes" de falas mansas e convencem alguns primos "inteligentes" que é possível ganhar uma parte maior dos lucros e dos dividendos. Estes Ajudantes convencem os primos a vender algumas acções de umas empresas a outros primos e a comprar acções de outras empresas aos mesmo primos. Os ajudantes intermedeiam as transacções e recebem uma "pequena" comissão pelos seus serviços. A propriedade das empresas é assim reordenada pelos membros da família.
Para sua grande surpresa, contudo, a fortuna da família começa a crescer a um ritmo mais lento. Porquê? Pelo simples motivo de que alguns dos lucros estão agora a ser consumidos pelos Ajudantes. A fatia do bolo que cabe à família - no início - 100% de todos os dividendos pagos e dos lucros reinvestidos nos negócios - começa a diminuir simplesmente porque parte dos retornos está agora a ser consumido pelos Ajudantes.
Para piorar a situação, a família apenas pagava impostos sobre os dividendos recebidos. Agora, alguns dos membros estão a pagar impostos sobre mais valias diminuindo assim a fortuna total da família.
Os primos "inteligentes" rapidamente se dão conta que o seu plano, de facto, diminuiu a taxa de crescimento da fortuna da família. Eles reconhecem que a sua incursão na área de Stock Picking (escolha das melhores ações) foi um fracasso e concluem que precisam de ajuda profissional para poderem escolher as melhores acções.
Assim, contratam especialistas em Stock Picking - mais Ajudantes - para ganharem vantagem face aos restantes primos. Um ano mais tarde, quando a família avalia a sua fortuna, descobre que a sua fatia do bolo diminuiu ainda mais.
Para piorar a situação, os novos gestores sentem-se compelidos a justificar as comissões que cobram e transaccionam as acções da família a um ritmo frenético aumentando, não só as comissões de corretagem pagas aos primeiros Ajudantes, mas também os impostos sobre mais valias. Agora, a antiga fatia de 100% dos dividendos e lucros está cada vez menor.
"Ora bem, tentámos escolher bem as acções sozinhos e, quando isso falhou, não conseguimos escolher os gestores que o fizessem. Que fazemos?" Não satisfeitos com os seus anteriores fracassos, os primos decidem contratar mais Ajudantes. Contratam os melhores consultores de investimentos com o objectivo de os ajudarem a encontrar os melhores gestores que, por sua vez, irão escolher as melhores acções. Os consultores, obviamente, declaram ser capazes de fazer isso mesmo. "Paguem-nos apenas uma pequena comissão pelos nossos serviços", asseguram os novos Ajudantes, "e tudo ficará bem". Infelizmente, a fatia da família diminui outra vez.
Finalmente alarmados, a família reúne-se e tenta compreender a cadeia de eventos desde que alguns primos tentaram ser mais inteligentes que outros. "Como é possível", interrogam-se todos, "que o nosso quinhão original de 100% de todos aqueles lucros e dividendos está agora reduzido a 60%?"
O ancião da família, o tio sábio, responde suavemente: "todo aquele dinheiro pago aos Ajudantes e todos aqueles impostos extra desnecessários saem directamente dos lucros e dividendos da família. Voltemos à casa de partida imediatamente. Livrem-se de todos os corretores. Livrem-se de todos os gestores. Livrem-se de todos os consultores. E assim a nossa família colherá de novo 100% de tudo o que a economia criar, ano após ano.
Seguiram o conselho do velho tio sábio e regressaram à estratégia original: manter todas as acções em carteira e ficar quieto.
No mundo real, não seguiram o conselho do tio sábio. No dia 21 de Maio passado, o Financial Times noticiava na 1ª página a condenação, pelo Departamento de Justiça norte-americano, de 6 grandes bancos por manipulação cambial. Entre dezembro de 2007 e janeiro de 2013, traders do Citigroup, JPMorgan, Barclays e Royal Bank of Scotland, descrevem-se a si próprios como "O Cartel". Utilizavam um chat privado e linguagem codificada com o objectivo de manipular as taxas de câmbio e "aumentar os seus lucros". Loretta Lynch, a procuradora geral americana, declarou: "A multa que os bancos irão pagar - 5,6 mil milhões de dólares - é proporcional ao mal causado. Estas multas devem dissuadir os concorrentes de procurar lucros sem olhar à legalidade e ao bem público".
Embora com uma carreira curta no mundo financeiro, Schwed capta muito bem a sua essência no livro que aqui apresento. O título que escolheu, "Onde estão os iates dos clientes?", segundo se consta tem origem na seguinte anedota:
Num dia de Verão, por volta de 1870, juntou-se um grupo de amigos de um famoso investidor em Newport, Rhode Island, onde admiravam os enormes iates dos corretores mais ricos de Wall Street. Depois de uns momentos, o investidor perguntou secamente: "Onde estão os iates dos clientes?".
A diferença entre Risco e Volatilidade
Há anos, li um artigo de Jason Zweig, colunista do Wall Street Journal e autor de vários livros de investimento, onde contava que, numa conferência de jornalistas, lhe pediram para definir o seu trabalho. Ele respondeu: "o meu trabalho é escrever exatamente a mesma coisa 50 a 100 vezes por ano, de tal forma que nem os meus editores nem os meus leitores pensem que eu me estou a repetir".
Infelizmente, não tenho os mesmos dotes de Jason Zweig e os editores deste jornal e os estimados leitores facilmente se apercebem que digo sempre a mesma coisa. Não o faço apenas por não ser um "Jason Zweig", mas também porque o meu trabalho na Casa de Investimentos é a salvaguarda e a valorização dos patrimónios dos nossos Clientes. A coerência no investimento é determinante para atingir estes dois objectivos.
Ao longo dos últimos anos, nos artigos que escrevemos, nas reuniões com investidores ou potenciais investidores, nunca escolhemos o caminho mais fácil: dizer o que todos dizem nestas circunstâncias e procurar encostar-nos ao "conforto" da multidão, fazendo o que os profissionais de dinheiro fazem. Na crise financeira de 2008/2009 (em que o maior índice americano, S&P caiu 57% e o MSCI - que congrega 23 mercados desenvolvidos - 59%), quando houve o downgrade da dívida americana em agosto de 2011 (com o S&P a cair 21% e o MSCI 25%), o chamado fiscal cliff até final do mesmo ano, (os índices voltaram a cair significativamente), com a crise de dívida soberana na europ a em 2012(o resgate à Grécia, o resgate a Portugal, a dívida Italiana ou Francesa) ou a crise na Rússia e Ucrânia em outubro passado (S&P caiu 9,8% e o MSCI caiu 10,5%), dissemos sempre a mesma coisa. Agora, com a actual situação na Grécia e a falta de acordo com os credores, só podemos dizer e fazer o mesmo:
No investimento, as previsões políticas e económicas de curto prazo são uma distracção muito cara para os investidores. A prazo, as notícias sobre os mercados financeiros serão positivas. O que verdadeiramente importa é a qualidade dos ativos que temos e o desconto a que os compramos do seu real valor. Se investirmos com horizonte de investimento adequado, após ter feito uma análise profunda dos ativos e garantindo que estamos a comprar bom e barato, a disciplina e a paciência para esperar, permitirão obter bons retornos.
Já aqui escrevi que vivemos uma crise de retornos baixos: as taxas de juro, sobretudo na Europa e Estados Unidos, ainda em mínimos historicamente baixos, fazem com que os investimentos de taxa fixa não sejam hoje investimentos a considerar e sejam investimentos muito arriscados e quase sem retorno É nossa convicção que os investidores nesta classe de ativos serão chamados a assumir perdas consideráveis no futuro. Não sabemos quando subirão as taxas e a que ritmo. Sabemos, no entanto, que as taxas de juro foram trazidas para perto de zero para ajudar os países, as empresas e os particulares e recuperarem de excessos de endividamento, que a níveis médios de longo prazo, não seriam suportáveis para a riqueza que estes produzem.
O Problema do Investidor Individual
Os investidores gostam que lhes apresentem uma previsão ou um acontecimento certo. Talvez por isso, têm preferência por investimentos de taxa fixa já que, no momento do investimento, fica definida a data em que será pago o rendimento (juro no caso do depósito a prazo ou o cupão no caso da obrigação) e a data em que vencerá. No caso das obrigações que normalmente têm maturidades muito longas, é fundamental que o investidor tenha consciência que durante este período a solvabilidade do emitente da obrigação (a quem está a emprestar o seu dinheiro) pode alterar-se significativamente e existe o risco de não vir a receber parte dos rendimentos, todo o seu capital ou ter que ser prolongado o prazo de dívida e o seu capital seja devolvido mais tarde. Há ainda um risco, durante o perído em que tem a obrigação, das taxas de juro subirem e ver o seu dinheiro "atado" a um rendimento muito baixo por longos anos .
As obrigações, que também sofrem flutuações de preço, têm menos liquidez do que grande parte das ações em que investimos (com excepção do Tesouro Americano). O exemplo é apresentado no gráfico abaixo, que representa as variações de preço de uma obrigação do Estado Português emitida em 20 de janeiro deste ano e que se vence em 2045. Esta obrigação paga um cupão anual de 4,1% e o Estado Português compromete-se a pagar aos investidores, em 2045, os 2,5 mil milhões de euros que pediu emprestado.
Obrigação do Estado Português a 30 anos
Esta obrigação foi muito falada no mercado no início do ano. Com a queda das taxas de juro de Portugal de longo prazo para perto dos 2%, esta emissão teve uma valorização de mercado de mais de 42,19% até Março. Esta e outras emissões nacionais similares atraíram muitos investidores, que verificaram, desde então, uma correção do valor da obrigação para os níveis iniciais, à medida que as taxas de juro voltaram a recuperar e percepção que os investidores têm do risco do Estado Português voltou a subir.
Obrigação da Berkshire Hathaway, a 20 anos
Aproveitando um contexto de taxas de juro tão baixo na Europa, e a excelente qualidade de crédito a Berkshire, empresa do Sr. Warren Buffett, fez uma emissão em euros em Março passado a 20 anos com um cupão de 1,625%.
O que é um excelente investimento para a Berkshire, não será para os investidores destas obrigações que ficarão nos próximos 20 anos "atados" a um rendimento muito baixo. É muito pouco provável que durante estes 20 anos as taxas de juro se mantenham aos atuais níveis. Por isso, para os investidores, embora investindo numa empresa de excelente rating, este foi um investimento muito arriscado na medida em que, se as taxas de juro continuarem a subir para níveis normais de longo prazo e os investidores quiserem vender, podem ter que aguardar muitos anos para não verificarem perda de capital.
Muitos investidores poderão pensar que com estas obrigações a cotar todos os dias, poderão mais tarde ou mais cedo vender com ganhos. Nesse caso, estão a deixar o seu futuro financeiro à sorte e à probabilidade de encontrarem um investidor mais distraído ou que que não saiba o que está a fazer. Mas, neste caso, esta já se torna uma operação especulativa e sem margem de segurança.
Qual é a diferença entre Risco e Volatilidade?
O que significa realmente Risco? O Senhor Warren Buffett costuma dizer que, no investimento, o verdadeiro risco é não saber o que se está a fazer.
Porque se espera que o cidadão comum consiga tomar todas estas decisões de investimento no seu melhor interesse? Quem está do outro lado, a vender os produtos financeiros, sabe muito mais sobre eles (ou pelo menos deveria saber) e, por isso, parte para o negócio com enorme vantagem. É natural que o Senhor Buffett soubesse que, para muitos anos, estes serão os mínimos das taxas de juro e nada melhor do que contrair dívida neste contexto, com este prazo tão dilatado e com uma taxa de juro inferior à do Estado Português.
O risco inerente a um investimento é a probabilidade de perda permanente de capital.
A volatilidade, variação ou flutuação, é a escolha dos académicos para definir e medir o risco e deve-se ao facto de poder ser quantificável e aplicável nos modelos que os académicos produzem para prever o futuro e explicar as difíceis questões da teoria financeira moderna. Contudo, na prática, esta não é uma boa definição de risco. Ao pensar no risco, procuramos identificar a coisa acerca da qual os investidores estão preocupados e, por isso, exigem uma compensação para a suportar.
Embora muitos investidores temam a volatilidade, as variações de preço, nunca ouvi um investidor queixar-se: "o retorno esperado não é suficientemente alto para justificar esta volatilidade". O que os investidores temem é a possibilidade de perda permanente de capital.
A perda permanente de capital é muito diferente de volatilidade ou flutuação. Uma flutuação negativa - que, como o nome indica, é temporária - não representa um grande problema se o investidor tiver a capacidade de manter as suas posições em carteira até que essa flutuação negativa passe. Uma perda permanente - da qual não há recuperação possível - pode ocorrer por uma de duas razões: primeiro, o investidor vende durante uma flutuação negativa e assume a perda, por falta de convicção, necessidades financeiras ou pressões emocionais . Segundo, o activo onde nvestiu não consegue recuperar por razões fundamentais, porque não tinha a qualidade necessária para suportar esse recuo temporário da economia.
Se comprarmos uma acção por 10 euros e a vendermos por 20 um ano mais tarde, este investimento foi arriscado ou não?
Muitos poderão dizer que não porque o lucro comprova que o investimento era seguro. O académico dirá que era obviamente arriscado uma vez que a única forma de ganhar 100% num ano é assumindo riscos enormes. Pessoalmente, diria que pode ter sido um investimento genial e seguríssimo ou então um "lançamento de dados" que teve sorte.
Os investidores podem (e devem) "aguentar" a volatilidade mas não têm qualquer hipótese de desfazer uma perda permanente de capital.
A única "fórmula" consistente de investimento que conhecemos é o investimento em valor. O investidor individual precisa de fazer duas coisas muito difíceis: ignorar a multidão e ter paciência para que o investimento dê frutos. Segundo neurocientistas e psicólogos, estes são os maiores handicaps que temos que contrariar para ser bem sucedidos. É simples, mas não é fácil.
O número acima é um dos milhares que pode observar, num dia, se consultar o site do fundo do petróleo da Noruega em www.nbim.no. Os últimos 6 dígitos do número que aparece no ecrã do computador são impossíveis de escrever sem que tenham já mudado várias vezes ao segundo e refletem o valor de mercado dos ativos do maior fundo soberano do mundo.
A Noruega descobriu o primeiro campo de petróleo em 1969. O Fundo de Pensões Global do Governo Norueguês, como é oficialmente conhecido, foi formalmente criado em 1990 com o nome Fundo do Petróleo e com o objetivo de gerir a riqueza do petróleo norueguês de uma forma sustentável e de longo prazo. A ideia original por detrás da sua criação tinha duas vertentes: em primeiro lugar, o Fundo serviria como um veículo de poupança de longo prazo que procurasse garantir o rendimento de um recurso não renovável através da diversificação num vasto portfólio de títulos internacionais. Existe uma obrigação ética de partilhar a riqueza dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de milhões de anos, com as gerações futuras.
Em segundo lugar, o Fundo seria um mecanismo que isolaria a economia norueguesa da chamada "doença holandesa" ou a "maldição dos recursos naturais". A experiência de outros países demonstra que o súbito aumento na riqueza de recursos naturais pode inflacionar os preços domésticos e as taxas de câmbio, fazer diminuir a competitividade internacional e resultar num processo de desindustrialização. Uma outra consequência potencial é que este enorme recurso de capital pode desincentivar os cidadãos de trabalhar e desenvolver o seu potencial humano.
Disciplina Fiscal
O Fundo incentiva a disciplina fiscal no orçamento do governo. Em tempos de abundância, menos de 4% do Fundo é gasto; em tempos de crise, mais de 4% é gasto para contrabalançar o ciclo económico. O compromisso de longo prazo à regra dos 4% impede o governo de exagerar nos gastos. Tendo em conta a dimensão do Fundo, mesmo este nível de gastos pode ser excessivo e o banco central da Noruega tem vindo a advertir que o gasto de 4% pode vir a tornar-se muito grande.
O mandato do Fundo é maximizar o poder de compra internacional, tendo em conta níveis aceitáveis de risco. O Ministério das Finanças é responsável pela sua gestão de longo prazo. O Norges Bank Investment Management (NBIM) - uma unidade autónoma dentro do Norges Bank, o banco central - gere os ativos de acordo com as linhas mestras traçadas pelo Ministério. O NBIM gere também as reservas de moeda estrangeira do banco central.
Transparência
No site pode ler-se "gerimos o fundo em nome do povo norueguês - atual e futuras gerações. Dependemos da confiança para cumprir com a nossa missão, por isso procuramos ser um gestor de investimentos profissional, transparente e responsável".
A transparência é sublinhada pela extensa lista de publicações disponíveis nos websites do Ministério das Finanças e do NBIM e os retornos do Fundo são publicados mensalmente. O Ministério fornece ao Parlamento relatórios detalhados que incluem informação acerca dos retornos no investimento, estratégia e implementação das regras éticas. O Norges Bank publica relatórios financeiros trimestrais e uma listagem anual de todos os seus investimentos, incluindo a dimensão e poder de voto. De facto, o NBIM fornece muito mais informação do que qualquer outro fundo soberano ou fundo de pensões do mundo.
O efeito bola de neve
A primeira transferência de fundos verificou-se em 1996, na altura o equivalente a 300 milhões de dólares. Hoje, dia 25 de novembro de 2014, o fundo tem um valor de mercado de cerca de 872 mil milhões de dólares e o seu beneficiário final é o povo da Noruega. A política de investimentos foi caminhando no sentido de uma maior exposição às ações: até 1998, o fundo investia apenas em obrigações governamentais.
Em 25 de junho deste ano, comunicaram que a alocação a ações passaria a ser de 70%, reforçando assim os investimentos na classe de ativos que melhor remunera os investidores.
O horizonte de investimento alargado permite implementar uma estratégia de investimento de longo prazo e torna o Fundo mais tolerante à volatilidade de retornos e a perdas potenciais de curto prazo do que a maioria dos investidores. Isto permite-lhe focar-se preferencialmente em investimentos em ações.
Estratégia de Investimento
A estratégia é baseada em várias convicções: a convicção de que o mercado é essencialmente eficiente; um compromisso na diversificação; um foco nas ações; um benchmark claramente articulado; seleção e monitorização cuidada dos gestores de ativos (internos e externos ao NBIM), especialmente para ativos menos líquidos; e um compromisso no investimento responsável. Este último é fundamental no sistema de valores do Fundo. O Fundo deve ser gerido com vista a conseguir bons retornos para o benefício das gerações futuras e deverá haver respeito pelos direitos fundamentais de quem é afetado pelas empresas em que o Fundo investe. Estas atividades refletem a convicção de que, dado o longo horizonte de investimento, ter em conta estes fatores conduzirá a resultados financeiros mais sustentáveis a longo prazo.
Performance/Escrutínio
O comportamento e performance dos fundos soberanos têm vindo a ser alvo de escrutínio especialmente desde a crise financeira de 2008. As variações da coroa norueguesa não têm impacto no poder de compra internacional do Fundo e o Fundo não faz a cobertura de risco para as variações na sua moeda. Desta forma, os retornos são apresentados numa moeda internacional, baseada na combinação ponderada de 35 moedas.
Em várias ocasiões, a gestão do fundo foi questionada pelo povo, sobretudo como consequência de correções substanciais nos preços das obrigações em 2007 e das ações em 2008. O fundo caiu globalmente cerca de 24%. Apesar da enorme pressão pública, o ministério da Finanças e os gestores do fundo mantiveram-se focados no valor desses investimentos e em 2010 o valor do fundo era já consideravelmente superior a 2008.
Uma comunicação clara das performances passadas, particularmente em períodos menos positivos, deverá ajudar. O público recordar-se-á durante a próxima crise que dar atenção aos pedidos populares para fechar posições em 2008 teria resultados muito negativos. Desde a sua incepção, o Fundo tem vindo a aumentar o seu perfil de risco e, até esta altura, o país beneficiou desta rejeição de reações de curto prazo a performances adversas.
No final de 2013 o fundo tinha a seguinte composição: 61,7% investido em ações (com retorno de 26,3%), 37,3% investido em obrigações (com rentabilidade de 0,1%) e 1,0% investido em imobiliário (com um retorno de 11,8%). Globalmente, o fundo obteve uma remuneração anual de 15,9%.
Em julho passado, os gestores do fundo comunicaram ter sido aumentado o investimento em ações para 70% dos ativos do fundo.
Pode o fundo de petróleo servir realmente como modelo para investidores particulares?
O Modelo Norueguês e a filosofia que lhe está subjacente, é adequado para a maioria dos investidores. Enquanto que o Modelo da Universidade de Yale, investe em ativos menos líquidos e sem cotação pública observável, o Modelo Norueguês tem assentado sobretudo na estratégia também conhecida por 60/40 e que permite alocar 60% a ações cotadas em todo o mundo e 40% em obrigações:
1- a performance histórica dos investimentos em ações, a classe de ativos que melhor remunerou o capital nos últimos 116 anos,
2- o custo mais baixo de investir em ativos cotados em bolsas organizadas e com grande liquidez,
3- a menor probabilidade de haver problemas de "agência" quando os ativos têm um valor no mercado todos os dias, reflectindo com total transparência perdas e ganhos. Estes ativos são custodiados em instituições financeiras sólidas e todos os dias, a qualquer hora, é possível saber o seu valor e transformá-los em dinheiro.
Da mesma forma que é transparente para 5 milhões de Noruegueses, é-o para investidores particulares. Devidamente informados e conhecedores dos verdadeiros riscos associados com estes investimentos, os investidores podem colher os seus extraordinários benefícios: desde logo, retornos acima da média, maior diversificação e grande liquidez que permite, no fim de contas, o acesso imediato ao dinheiro se, efectivamente, ele fizer falta.
Em 2011, o Ministro das Finanças norueguês realçou a importância do Fundo numa apresentação ao Parlamento: "os resultados dos últimos anos mostram que as enormes perdas incorridas durante a crise financeira foram mais que compensadas pelos ganhos conseguidos na subida de mercado subsequente. Uma razão importante foi o facto de nos termos mantido fiéis a uma estratégia de longo prazo". O Ministro sublinha o facto de não bastar seguir a estratégia certa, é essencial mantermo-nos fiéis a ela durante os momentos maus.
Por isso, o verdadeiro Investidor em Valor não escolhe estar dentro ou fora do mercado nesta ou naquela altura. Para colher retornos acima da média no mercado financeiro, é preciso ter assento permanente. O resultado está à vista.
"Já trabalho com o Warren (Buffett) há tanto tempo, que julguei que seria apenas uma nota de rodapé"
Estas foram as palavras de Charlie Munger quando a revista Forbes, em 1993, o incluiu, pela primeira vez, na lista dos americanos mais ricos.
Por detrás da extraordinária história da Berkshire Hathaway, estão dois génios financeiros: o reconhecidíssimo Warren Buffett e o seu sócio "silencioso", Charles Thomas Munger, que aprecia este seu afastamento da ribalta. Desde 1964, quando Warren Buffett e, alguns anos depois, Munger, assumiram a gestão da Berkshire, o seu valor de mercado aumentou de 10 milhões de dólares para 367,6 mil milhões; ou seja, 36.761 vezes. Os acionistas da Berkshire tiveram, desde o início, uma rentabilidade anualizada de 22,89%. Por outras palavras, 1000 dólares investidos na Berkshire em 1964 valeriam hoje 36,7 milhões de dólares.
Tal como Buffett, Munger nasceu em Omaha, no Nebraska. Licenciou-se em direito em Harvard e iniciou a sua vida profissional como advogado na Califórnia. Antes da sua ligação a Buffett e aos destinos nas Berkshire, Munger, que completou 91 anos no dia 1 de janeiro, conseguiu ganhar 19,8% ao ano para os seus clientes ao longo de treze anos, o que demonstra a sua capacidade individual como investidor.
"Um excelente negócio comprado ao preço justo é superior a um negócio razoável comprado barato"
Warren Buffett declarou em muitas ocasiões que o grande contributo de Charlie, como é conhecido, foi levá-lo na direção de não procurar apenas pechinchas, mas antes, a importância de comprar um excelente negócio ao preço justo como a essência de criação de valor a médio e longo prazo. Um negócio razoável irá sempre multiplicar o investimento a taxas medianas enquanto que um negócio que rentabiliza os capitais a taxas excecionais, comprado ao preço justo, com horizonte de investimento longo, terá um efeito multiplicador impressionante.
Segundo Munger, "o jogo do investimento consiste em tentar fazer melhores previsões que os outros. Como conseguimos fazer isso? Uma das formas é limitarmos as tentativas às nossas áreas de competência. Se tentarmos prever o futuro de tudo, vamos falhar devido à falta de especialização."
O processo de avaliação de investimentos de Munger
A primeira regra é ver uma ação como a propriedade de um negócio e avaliar a qualidade durável do negócio quanto às suas vantagens competitivas. É importante procurar mais valor, em termos de cash flows descontados, do que o que estamos a pagar no momento da compra. A segunda é atuar apenas quando se tem vantagem, isto é, quando as probabilidades estão largamente a nosso favor. É fundamental mantermos a disciplina e aguentar a turbulência e, após um período de vários anos, colhemos os frutos.
Checklist para escolher as empresas onde investir:
1º negócios que sejamos capazes de entender.
2º o negócio deverá ter características intrínsecas que lhe conferem uma vantagem competitiva durável.
3º preferimos que os gestores da empresa tenham integridade e talento.
4º finalmente, por muito boa que a empresa seja, não vale um preço infinito. Temos, portanto, que ter um preço que faça sentido e que nos permita uma margem de segurança contra as vicissitudes normais da vida.
Na opinião de Munger, a razão pela qual estas ideias não se espalharam mais rapidamente é porque são demasiado simples.
Sobre Margem de Segurança
A margem de segurança está sempre dependente do preço que pagamos quando fazemos o investimento. Se pagarmos pouco, a margem de segurança é grande; se pagarmos muito, poderemos não ter nenhuma. Munger sugere que se siga o princípio da construção das pontes: as pontes são projetadas pelos engenheiros com um sistema de backup e capacidade extra para prevenir possíveis falhas ou algo que corra mal. As estratégias de investimento devem seguir o mesmo princípio.
O Círculo de Competências
A sua abordagem ao investimento é melhor resumida por Thomas Watson, fundador da IBM: "não sou um génio, sou inteligente em determinados pontos e mantenho-me perto desses pontos".
Munger conhece bem o seu círculo de competências. De forma a manter-se dentro destes círculos, aplica, em primeiro lugar, um filtro com o objetivo de limitar os seus investimentos apenas a candidatos simples e compreensíveis. Como ele próprio declara, "no investimento, temos três categorias: sim, não e é demasiado difícil de entender". Para identificar potenciais "sim", procura um negócio dominante e fácil de compreender que consiga manter-se e singrar em todos os ambientes económicos. Compreensivelmente, poucas empresas sobrevivem a esta análise. Muitas empresas, favoritas de muitos investidores, tais como biofarmacêuticas e tecnológicas, seguem diretas para a categoria de muito difícil de entender. Negócios altamente publicitados e OPV's merecem um não imediato. Aquelas empresas que sobrevivem a esta primeira monda são agora sujeitas aos filtros do modelo mental de Charlie. O processo é intenso mas eficiente.
Ao longo desta avaliação exaustiva, Munger não depende de bases de dados. Leva em consideração todos os aspetos relevantes, internos e externos, da empresa e da respetiva indústria mesmo que eles sejam difíceis de identificar, medir ou reduzir a números. Encara os relatórios financeiros e a contabilidade subjacente com uma dose de ceticismo típico do midwest americano: são apenas o início da avaliação do valor intrínseco. A lista de fatores adicionais que examina é aparentemente interminável e inclui elementos tais como o clima regulatório atual e futuro; as relações entre a empresa, trabalhadores, fornecedores e clientes; os impactos potenciais de alterações tecnológicas; as forças e vulnerabilidades competitivas; o poder de fixar preços; escala; impactos ambientais e, extremamente importante, a presença de "exposições escondidas" e que vulnerabilizam a posição da empresa.
O Processo de Aprendizagem
"Não conheço ninguém que tenha aprendido, com grande rapidez, a ser um grande investidor. Warren ampliou muito o seu círculo de competências e é melhor investidor no período em que eu o conheço, e eu também. O segredo é aprender sempre. Temos que gostar do processo de aprendizagem.
Se queremos ser investidores, iremos fazer alguns investimentos onde não temos toda a experiência necessária. No entanto, se continuarmos a melhorar aos poucos, ao longo do tempo, começaremos a fazer investimentos que, quase garantidamente, terão desfechos favoráveis. A chave é a disciplina, trabalho e experiência. É como jogar golfe, temos que praticar. Se não aprendermos continuamente, seremos inevitavelmente ultrapassados.
Vejo constantemente pessoas que têm sucesso na vida e não são as mais inteligentes ou até as mais diligentes. São, no entanto, autênticas máquinas de aprender. Todos os dias se deitam um pouco mais sábias do que quando se levantaram e isso ajuda muito, principalmente quando se tem muitos anos à frente.
A aquisição de sabedoria é um dever moral. Não é apenas algo que fazemos para avançar na vida. O corolário desta proposição, que é bastante importante, é que ficamos viciados na aprendizagem perpétua. E sem esta aprendizagem perpétua, não teremos grande sucesso. Não chegaremos longe com base naquilo que já sabemos. Vamos avançar na vida com aquilo que vamos aprender todos os dias".
"Ter consciência do que não sabemos é mais importante do que ser brilhante"
Custo de Capital e Custo de Oportunidade
Quando questionados na última Assembleia Geral da Berkshire sobre o custo de capital, Buffett responde assim: "Charlie e eu não sabemos qual é o nosso custo de capital. Isto é ensinado nas universidades mas somos cépticos. Apenas tentamos fazer a coisa mais inteligente com o dinheiro que temos disponível. Nunca vi um cálculo de custo de capital que fizesse sentido para mim. Charlie?
Munger: Nunca. Segundo os manuais de economia, as pessoas inteligentes tomam as decisões com base no custo de oportunidade - por outras palavras, são as alternativas que são importantes. É assim que tomamos as nossas decisões. Obviamente que o capital não é gratuito. Mas os teóricos dizem que se estivermos a gerar um retorno no capital de cem por cento, não devemos investir em algo que gera apenas oitenta. Loucura!"
Sobre o Valor das Previsões
"As pessoas sempre desejaram que alguém lhes revelasse o futuro. Há muito tempo, os reis contratavam pessoas que liam as entranhas das ovelhas. Há sempre um mercado para as pessoas que fingem que sabem o futuro. Prestar atenção aos oráculos dos dias de hoje é tão irracional como o rei que contratava o sábio que lia os intestinos da ovelha. Isto acontece uma e outra vez".
Nas assembleias gerais da Berkshire Hathaway, Warren Buffett e Charlie Munger, sentados a uma mesa no centro do palco do Century Link em Omaha, respondem a perguntas dos acionistas ao longo de cerca de 6 horas. Warren Buffett é o primeiro a responder e de seguida passa a palavra a Charlie. A intervenção mais frequente é: "nada a acrescentar". Ao contrário, eu teria muito mais a acrescentar sobre um Senhor cuja sabedoria continuará a beneficiar os que a levam à prática. Deixo uma das citações mais importantes para criar valor no mercado de capitais:
"O investimento exige muita gratificação adiada. É essa espera que nos ajuda como investidores e muitas pessoas não aguentam esperar. Se não nascermos com o gene da gratificação adiada, temos que trabalhar muito para ultrapassar esse obstáculo".
A maioria dos agentes do negócio do investimento não pode olhar para o longo prazo. Existem muitos conflitos de interesses que impedem a tomada das melhores decisões para os seus clientes. No Governo de um país, da mesma forma, precisamos desesperadamente de líderes que deixem de dizer aquilo que queremos ouvir, que ponham de lado as divisões partidárias e que nos peçam para fazer as escolhas difíceis e enfrentar os problemas imediatos e os, aparentemente irresolúveis, problemas de longo prazo - mesmo que isso lhes custe o cargo nas eleições seguintes. Face a face, a maioria dos políticos diz as coisas certas. Juntem-se, porém, vários políticos na mesma sala e nada resulta. Obviamente, é necessária uma liderança forte.
Os melhores investimentos têm uma Margem de Segurança considerável. Este é o conceito de Benjamin Graham - comprar activos com um desconto tal que até o azar ou as vicissitudes do ciclo do negócio não conseguem descarrilar o investimento. Tal como se constrói uma ponte que suporta 30 toneladas mas só lá circulam camiões de 10 toneladas, também não podemos permitir que o resultado dos nossos investimentos dependa do acerto de todos os nossos pressupostos, que o mercado nos ajude, enfim, que tudo corra bem.
O mesmo princípio aplica-se às economias locais e nacionais. Se construirmos uma economia como um castelo de cartas, ela eventualmente implodirá. Se nos endividarmos em excesso, se acumularmos enormes défices sem fim à vista, se fizermos promessas impossíveis de cumprir ou se nos tornarmos cada vez mais dependentes da beneficência estrangeira para nos mantermos acima da linha de água, não temos uma Margem de Segurança. As coisas podem arrastar-se mais um bocado mas o desregramento acaba por nos apanhar.
Embora os cofres de um país não estejam habitualmente cheios de dinheiro - os políticos não o permitem - levar o endividamento ao limite é mais uma erosão da Margem de Segurança nacional. A capacidade de endividamento não utilizada é uma espécie de fundo de emergência. Hoje, os mercados podem estar optimistas e uma dívida de 127% do PIB é possível; amanhã, 60 ou 70% é o limite e quem ultrapassar este limite está em apuros. Hoje a taxa de juro que nos é exigida para nos emprestarem dinheiro pode ser de 2%. Amanhã, o volátil Sr. Mercado pode exigir 6% - em 2011 exigiu 16%. Em tal ambiente, todos sabemos agora, não seríamos capazes de emitir dívida e por isso, fomos na altura, intervencionados pela TROIKA.
Invista com Margem de Segurança
Não desejaríamos que as nossas finanças pessoais fossem tão precárias, com a falência a um dia mau de distância. É por isso que, individualmente, poupamos para o futuro e fazemos seguros. Nenhum investidor racional quer depender da oração ou de uma intervenção divina para a sua viabilidade futura. Arrumar a casa e construir uma Margem de Segurança adequada demora tempo. Por isso os investidores devem começar já a investir com uma estratégia de décadas e a fazê-lo com Margem de Segurança confortável.
Os investidores profissionais, que gerem o dinheiro alheio, não conseguem aguentar quando o mercado está a subir e eles ficam para trás. Mesmo quando os preços se tornam absurdos, são incapazes de ter dinheiro disponível e esperar pacientemente. Precisam de acompanhar o mercado e quando ficam para trás, ficam desorientados. Fazem coisas loucas para apanhar o mercado, incluindo alavancar as posições para espremer mais um retorno extra, comprar ativos mais arriscados e a preços superiores ao seu real valor. São atraídos pelo que tem subido e compram mais e vendem o que tem tido pior performance relativa.
Esta é a forma como funciona a "indústria" de fundos de investimento. Os fundos que tiveram melhor performance no último mês são os que vão conseguir angariar mais clientes para os próximos tempos. É a partir destes números que a banca de retalho vai seleccionar os fundos a vender aos seus clientes. A tecnologia torna possível que a performance de um gestor seja avaliada, não apenas anual, trimestral e mensalmente, mas também diariamente.
Se os seus resultados vão ser avaliados no curto prazo, se gerem um fundo e a sua performance vai ser publicada num jornal todos os dias, se o seu track record vai ser avaliado por comités de investimento todos os meses, se corre o risco de perder clientes e até o seu emprego devido a uma má performance de curto prazo, então o longo prazo torna-se completamente irrelevante.
Na realidade, diversos estudos comprovam que o que subiu recentemente pode vir a ter performances piores no futuro e o que está a comportar-se pior actualmente terá melhores performances no futuro. Infelizmente, este pensamento contrário não abunda nas instituições financeiras. As pressões de curto prazo e a compulsão quase universal para seguir o mercado dão origem a muitas bolhas. Nas palavras do famoso economista, John Kenneth Galbraith: "Uma bolha tem origem nos preços que sobem, quer sejam de acções, imobiliário, peças de arte, etc. Uma subida nos preços atrai a atenção de mais compradores que empurram os preços para níveis ainda mais altos".
Richard Fuscone versus Grace Groner
Li recentemente a "história financeira" de dois investidores muito diferentes.
Richard Fuscone, um tipo brilhante que teve uma carreira extraordinária em Wall Street. Fuscone licenciou-se em Dartmouth e fez um MBA na Universidade de Chicago. Subiu a pulso nas fileiras da alta finança e tornou-se Executive Chairman das Americas na Merrill Lynch. Chegou a integrar uma lista de "40 abaixo de 40" executivos de sucesso na Crain's, uma das mais prestigiadas publicações financeiras americanas.
Fuscone reformou-se em 2000 para se dedicar a "interesses pessoais e filantrópicos". David Komansky, ex-CEO da Merrill Lynch elogiou a "sua competência, capacidade de liderança e integridade pessoal". Fuscone é o tipo de pessoa que qualquer jovem interessado em finanças admiraria.
A outra pessoa é Grace Groner, que nasceu em 1909 no Illinois, Estados Unidos. Orfã desde os 12 anos, nunca casou. Iniciou a sua carreira durante a Grande Depressão. Trabalhou 43 anos na mesma empresa como secretária. Vivia numa casa modesta e comprava roupas usadas. Nunca teve um carro.
Fuscone pediu protecção contra credores em 2010 para evitar que a sua mansão com 11 casas de banho, duas piscinas, dois elevadores e garagem para sete automóveis fosse penhorada pelo banco. Isto aconteceu após ter sido obrigado a vender a casa de férias na Florida.
"Toda a minha carreira foi na indústria de serviços financeiros e a crise financeira causou a devastação total nas minhas finanças pessoais. Actualmente, não tenho qualquer rendimento" declarou Fuscone no pedido de falência".
Meses antes, Grace Groner faleceu. Tinha 100 anos de idade. Os amigos mais próximos ficaram chocados ao descobrir que ela tinha deixado uma fortuna, avaliada em cerca de 7 milhões de dólares, à universidade onde tinha estudado, com o objetivo de financiar bolsas de estudo. Em 1935, Grace comprou 3 acções da empresa onde trabalhava, Abbott Laboratories, por 180 dólares; nunca as vendeu e reinvestiu sempre os dividendos recebidos. Ao longo da sua vida, através do seu advogado, fazia doações para os mais necessitados da sua área de residência. Viajou pelo mundo.
Não existe um cenário plausível em que uma secretária de uma empresa farmacêutica poderia vencer LeBron James num jogo de basquetebol ou operar um cérebro melhor do que um neurocirurgião. No entanto, essa mesma secretária pode fazer muito melhor que um gigante de Wall Street. Estas histórias são fascinantes porque não acontecem em mais nenhuma área a não ser as finanças.
Se alguém nos pedir para gerir o seu dinheiro com o objectivo de conseguir um lucro rápido nos próximos seis meses ou um ano, não saberíamos como consegui-lo. Que poderíamos nós fazer para atingir este objectivo? Trabalhar mais, pensar mais depressa, fazer mais transacções, adivinhar as cotações de amanhã?
Infelizmente, os horizontes de investimento, essenciais para ter sucesso, são muito difíceis de conseguir para aqueles gestores de dinheiro cujos resultados de curto prazo ditarão se eles estarão em actividade no longo prazo.
Estes gestores profissionais não conseguem investir com Margem de Segurança, relaxam os padrões de exigência - quer na qualidade dos ativos a investir quer no preço a que os compram - e criam uma nova tese de investimento na qual eles próprios conseguem acreditar. Depois, é só convencer os clientes prometendo bons retornos com base no que aconteceu no último mês ou meses.
Contudo, os investidores não sabem que ativos estão nestes fundos, se estão baratos ou caros, se são seguros ou não, onde estão depositados ou quem os gere. A maioria dos gestores profissionais, nos fundos que gerem, não conseguem, desde há longos anos, igualar a performance do mercado. A principal razão são as comissões, a diversificação exagerada e o excesso de concentração no curto prazo.
Da mesma forma que não consumimos tudo o que poderíamos consumir e a maioria não atinge o limite do cartão de crédito porque queremos estar preparados para futuras eventualidades e conjunturas menos favoráveis, não devemos investir sem Margem de Segurança. Só assim estamos preparados para futuras eventualidades e conjunturas desfavoráveis. Muitas das decisões que um investidor tem que tomar no dia-a-dia são apenas decisões de bom senso.
Num artigo do Wall Street Journal, de 23 de junho passado, e com o título "Grandes investidores falharam o rally nas ações desde 2009: Fundos de Pensões, e Endowments das Universidades diversificados noutros ativos, obtêm performances desapontantes" são apresentados os resultados da gestão dos maiores investidores institucionais do mundo.
Tanto os fundos de pensões como os endowments (um endowment é constituído por donativos de dinheiro ou imóveis a uma organização sem fins lucrativos com o objetivo de suportar as atividades dessa organização) gerem enormes patrimónios financeiros: nos fundos de pensões, o Calpers, que é o fundo de pensões dos funcionários públicos da Califórnia, destaca-se com cerca de 300 mil milhões de dólares. No caso dos endowments, Harvard, Yale, Princeton e Stanford lideram em volumes, cujo maior é o de Harvard com 32,7 mil milhões, seguido de Yale com 20,8 mil milhões.
Apesar do enorme contributo dado por Keynes a seguir à primeira guerra mundial no desenvolvimento da gestão profissional de investidores institucionais - enquanto responsável máximo pela gestão do endowment do Kings College de Cambridge - só a partir da década de 60 é que os grandes investidores institucionais começaram a ter maior exposição a ações em detrimento das obrigações que até aqui dominavam estes portfólios. Procuravam-se melhores rentabilidades, num contexto de taxas de juro baixas e maior diversificação dos investimentos. Um portfólio equilibrado era constituido por 60% de ações e 40% de obrigações.
Investimentos alternativos: Hedge Funds, Private Equity, Capital de Risco, Silvicultura, etc.
Harvard, Yale, Princeton e Stanford lideram o mundo dos endowments em tamanho e na adoção madrugadora de portfólios diversificados e orientados para as ações. A partir do final da década de 80, iniciaram a alocação a investimentos alternativos, menos líquidos, não cotados publicamente, mas onde julgavam haver espaço para retornos mais elevados e que lhes permitiriam aumentar a diversificação dos ativos em gestão.
Os portfolios diversificados e orientados para as ações produziram resultados superiores.
Nos últimos 25 anos, os endowments protagonizaram manchetes com as suas performances extraordinárias e a sua deslocação dos investimentos em títulos cotados para alternativas mais ilíquidas. A aplicação de princípios de investimento fundamental produziu resultados superiores. Para muitos investidores, os endowments representam o pináculo do sucesso no investimento. Por isso, não é surpreendente que muitos investidores desejem replicar esses feitos. Em junho de 2013, os maiores portfolios tinham uma média de 60% do seu capital em investimentos alternativos.
No entanto, os resultados dos últimos 5 anos ficaram muito aquém das expectativas. Apesar de alguns destes investimentos terem tido melhor performance que as ações na última década, como por exemplo em private equity, este resultado, só foi conseguido em cerca de 30% destes fundos, ou seja, também nesta classe de ativos muitos perderam dinheiro ou tiveram rentabilidades medíocres.
Embora estes investimentos alternativos se tenham comportado melhor que as ações durante a crise de 2008 e sejam considerados menos voláteis, tiveram uma performance muito pior que o S&P500 desde 2009, um período no qual os índices americanos mais que dobraram.
Porque não conseguiram estes investidores profissionais identificar em 2009 que as ações estavam muito baratas face aos lucros que estavam a gerar para os seus acionistas?
As universidades dependem do rendimento dos seus investimentos para financiar as suas atividades e muitos fundos de pensões terão dificuldades para assumir no futuro os compromissos com os beneficiários. Estes constrangimentos e o facto de representarem enormes massas de dinheiro e atraírem a atenção da comunicação social, têm colocado enorme pressão sobre os gestores. A Universidade de Harvard, que detém o maior endowment do mundo, conseguiu um retorno médio anual de 10,5% nos últimos três anos até Junho de 2013, substancialmente abaixo dos retornos de 18,45% do S&P500, dividendos incluídos, no mesmo período. A Universidade de Yale e de Stanford, conseguiram retornos de 12,8% e 11,5%.
Média anualizada dos retornos até 30 de junho de 20135 anos10 anos15 anos20 anos25 anosYale University3,3%11,0%11,8%13,5%13,2%Harvard University1,7%9,4%9,6%11,9%11,5%Todos os endowments3,8%6,8%5,6%7,7%8,4%Todos os fundos mistos equilibrados5,1%6,0%4,9%7,0%7,9%60% ações / 40% Obrigações5,9%7,4%5,7%7,6%8,3%
Uma possível explicação para esta fraca performance e que estas classes alternativas estão caras e terão os seus retornos futuros pressionados. Além do mais, são menos líquidas e por essa razão, estas grandes instituições não conseguiram vender parte destes investimentos para investir em 2009 nas ações. Ainda, o facto doss hedge funds e as empresas de private equity, de uma forma geral, cobrarem aos seus investidores comissões muito mais elevadas que os fundos tradicionais, incluindo comissões de gestão superiores a 2% e uma percentagem dos lucros, que em média ronda os 20%, embora haja comissões mais agressivas, limita os retornos líquidos nestes produtos. Este é aliás o principal argumento do Calpers ao anunciar que vai terminar com 24 gestores de hedge funds e 6 de fundos de fundos, conforme noticiou a Bloomberg, num artigo com título "Calpers retira 4 mil milhões da gestão de hedge funds, alegando custos". Segundo o responsável pelos investimentos, Ted Eliopoulos, o objetivo é reduzir complexidade e reduzir custos com a gestão, que proporcionava retornos medíocres.
Como pode um investidor individual ter sucesso e proteger o seu dinheiro?
O sucesso de longo prazo, contrastando com as dificuldades de curto prazo, deixam muitos investidores na dúvida: como posso posicionar o meu portfólio para aumentar as probabilidades de sucesso?
Muitas instituições tentam copiar estes grandes investidores. Contudo, a dimensão dos valores em gestão, o horizonte de investimento - que nestas instituições é de décadas - e os enormes recursos humanos disponíveis fazem certamente muita diferença. Basta que um destes três factores não se conjugue para que toda a estratégia seja posta em causa.
É frequente encontrar algumas destas classes de ativos em fundos de investimento comercializados em Portugal. É quase certo que a maior parte dos investidores não têm conhecimento das suas características e da necessidade de horizontes de investimento muito longos para que estes ativos produzam resultados. Não têm qualquer conhecimento de quem os gere, em que consistem estes investimentos e quais os objectivos que lhe estão subjacentes. Pior, em caso de necessidade de resgate, a sua falta de liquidez obriga a penalizações muito elevadas e mesmo à impossibilidade de levantamento de fundos, que pode levar anos a conseguir-se.
Os investidores devem concentrar-se no essencial, isto é, investindo em ativos de longo prazo, publicamente cotados e com grande liquidez, em vez de se focarem em manobras de diversão pouco produtivas. Devem construir portfólios sólidos, fiscalmente responsáveis e orientados para as ações, em vez de imitarem o consenso convencional e quase sempre mal estruturado. Ignorar os princípios fundamentais do investimento tem como quase inevitável consequência a obtenção de resultados desapontantes.
A orientação para objetivos de investimento de longo prazo é o factor mais poderoso no resultado final. Decisões de alocação tomadas de ânimo leve podem causar graves prejuízos aos investidores. Estratégias de investimento bem ponderadas, cuidadosamente implementadas e mantidas com firmeza criam os alicerces do sucesso no investimento.
Segundo Warren Buffett, o mais esquivo dos objetivos do Homem, é manter as coisas simples e não nos desviarmos daquilo a que nos propusemos fazer.
Nota: O Fundo Soberano da Noruega, pela sua dimensão, será tratado em artigo individual.
1. A economia de mercado portuguesa
O historial da economia de mercado portuguesa deixa muito a desejar. A destruição de riqueza provocada pela desvalorização acentuada ou implosão de grandes empresas e grupos nacionais, como PT, BES, GES, BCP, BPN ou BPP, demonstram o problema sério que a sociedade necessita de enfrentar: a credibilização das suas instituições económicas e políticas.
Numa altura em que o país acumulou uma dívida assustadora, a perda ou a desvalorização de alguns dos principais grupos económicos portugueses fragiliza decisivamente o valor económico dos ativos do país e a sua capacidade de geração de riqueza para o futuro que sustente uma trajetória de redução de dívida e de novos investimentos. Num país já extremamente descapitalizado, assistir a esta perda de riqueza é dramático. Um país com recursos tão escassos não se pode dar ao luxo de não rentabilizar devidamente os que tem.
Depois de verificarmos o excesso de endividamento das famílias que condiciona a sua capacidade de consumo desde 2008, depois de assistirmos à quase bancarrota do país em 2011 e consequente programa de assistência financeira da Troika, algumas das grandes empresas também não estão a fazer o seu trabalho: em vez de criarem valor, estão a destrui-lo.
Demasiados anos foram desperdiçados a assistir ao Estado intrometer-se na vida das empresas: a nomear ex-ministros, a controlar administrações, a usar golden shares, a decidir para os seus interesses.
Demasiados anos foram gastos a promover a mediocridade, a esconder a incompetência, a iludir com grandes projetos, a enganar e a enganar-se.
O caso da Portugal Telecom é sintomático. Quando, em 2007, foi rejeitada pela administração da Portugal Telecom, pelo governo e pelo BES, uma oferta de compra da Sonae que mais do que refletia o valor da empresa, não foi salvaguardado o investimento dos acionistas. Pelo contrário, prometeram-se dividendos chorudos, que foram descapitalizando a empresa ao longo dos anos.
Quando em 2010, a PT vende a peso de ouro a Vivo no Brasil e, por imposição do governo português, compra a muito mais fraca operadora brasileira Oi, comete mais dois erros de alocação de capital: a aposta num operador pouco rentável apenas porque tinha de se manter no Brasil e a promessa de mais dividendos gordos, superiores inclusivamente aos resultados gerados pela empresa, o que significou que a empresa necessitou de se endividar para suportar estes pagamentos aos acionistas.
Quando em Abril de 2014, num ambiente já muito difícil para o Banco Espírito Santo e para o Grupo, a administração da PT decidiu fazer uma aplicação de cerca de 900 milhões de euros em papel comercial da Rio Forte, (que na altura representavam cerca de 47% dos capitais próprios da PT) demonstrou total incompetência e irresponsabilidade pela seleção da instituição financeira e pelo montante aplicado.
A Casa de Investimentos também investiu 1,5% das carteiras dos seus clientes no Banco Espírito Santo quando as ações cotavam com um desconto de cerca de 50% do seu valor contabilístico, acabando por vender em Janeiro e Fevereiro de 2014, com as notícias de irregularidades nas contas do Grupo.
Um país não sobrevive sem empresas. Um estado social não sobrevive sem empresas. São elas o motor da criação de valor, do emprego, da estabilidade, do desenvolvimento.
O desvendar destes casos, vem demonstrar a triste sina do investidor português na saga pela aplicação das suas poupanças: a extraordinária erosão que teve lugar nos últimos anos na conduta e valores dos nossos líderes empresariais, nos banqueiros, nos gestores de dinheiro e nas administrações de algumas das grandes empresas, com a passividade e até conivência de auditores, legisladores e mesmo supervisores, permitiram a destruição de riqueza em massa e a sua transferência para alguns.
Os executivos foram compensados não pela realidade da criação de valor económico de longo prazo, mas pela percepção ilusória dos preços das ações no curto prazo.
2. O capitalismo dos donos e o dos gestores
A bolsa foi criada com o objectivo de permitir aos empresários procurar capital para expandir os negócios das suas empresas a troco de permitir a entrada de novos sócios (os detentores das ações) que investiam as suas poupanças para obter um retorno a prazo. Estes investidores tinham assim acesso aos mesmos benefícios dos fundadores destes negócios - também os seus donos maioritários. Quem pretendia angariar o capital tinha que demonstrar a coincidência de virtude e valor, tal como Adam Smith a descreve na "Riqueza das Nações", em que as promessas feitas aos "novos sócios" - os investidores das ações, seriam cumpridas.
Uma ação é vista como um interesse económico numa empresa, representa uma pequena fatia da empresa e o direito aos seus lucros.
Este foi o sistema que permitiu uma criação de riqueza extraordinária e que foi essencial para a prosperidade que se tornou imagem de marca da era moderna.
Infelizmente, o capitalismo atual afastou-se, não só em grau mas também em espécie, das suas orgulhosas raízes tradicionais. Ao longo das últimas décadas, uma mudança gradual do "capitalismo dos donos" - que dá a parte de leão das recompensas do investimento àqueles que arriscam o seu capital (os acionistas) - culminou numa versão extrema do "capitalismo dos gestores" - que oferece recompensas vastamente desproporcionais àqueles a quem foi confiada a gestão das empresas em representação dos seus donos, os acionistas, e que os exemplos acima demonstram culminou numa enorme destruição de valor. O capitalismo dos gestores é uma traição do capitalismo dos donos, um sistema que funcionou, ainda que com imperfeições, com uma eficiência notável desde a Revolução Industrial, há dois séculos.
À medida que as ações se tornaram entretenimento, os mercados financeiros transformaram-se no nosso maior circo. Abunda o trading eletrónico; os anúncios para ficar rico ao segundo, os day traders e corretores fazem com que o mercado se mova em espasmos e muitas vezes sem qualquer relação com o verdadeiro valor dos ativos que lhes estão subjacentes. Uma obrigação emitida com vencimento a 10 anos que, há décadas, seria detida pelo mesmo investidor até ao seu vencimento, é detida pelos investidores alguns dias ou horas.
O que causou este desvio? Os profundos conflitos de interesse que permeiam o mundo da intermediação financeira e as alterações radicais de comportamento dos acionistas que ignoraram a sabedoria do investimento de longo prazo e abraçaram a loucura da especulação de curto prazo - esta mudança fez com que a precisão momentânea do preço da ação de uma empresa ganhasse a supremacia sobre o valor intrínseco da própria empresa.
3. O Triunfo dos otimistas
Elroy Dimson, Paul Marsh e Mike Staunton - reputados estudiosos dos mercados financeiros mundiais, asseguram, no livro "Triumph of the Optimists", que os otimistas triunfaram. Ao longo de 101 anos, o investimento em ações remunerou os investidores com retornos médios de cerca de 10% ao ano. Neste livro, apresentam uma análise consistente sobre as obrigações, ações, bilhetes de tesouro, moedas e inflação, nos 16 principais mercados no mundo desde os finais do século XIX ao início do século XXI.
O Professor Roger Ibbotson, da Universidade de Yale e o Professor Jeremy Siegel da Universidade de Wharton, ambas nos Estados Unidos, apresentam dados históricos dos mercados financeiros que permitem as mesmas conclusões.
Contudo, hoje o grande problema dos investidores é sofrerem de dois vieses que os condicionam na tomada de decisões: por um lado tendem a dar maior relevância às suas experiências pessoais e por outro, atribuem, na tomada de decisões, maior importância ao passado que viveram recentemente. Os investidores portugueses, muito mais investidos no mercado português - por terem maior conforto com os nomes das empresas que conhecem melhor e porque a banca concentra os investimentos em ações de empresas portuguesas - estão cada vez mais afastados do investimento em ações.
Numa altura em que as alternativas de investimento em obrigações ou depósitos a prazo estão com rentabilidades próximas de zero e, ao que tudo indica, por um período de tempo alargado, é lamentável que não tenham confiança para investir na classe de ativos que melhores rendimentos proporciona, nomedamente com dividendos acima dos rendimentos de taxa fixa.
No investimento, é importante investir em ativos que produzam rendimento, comprá-los quando estão baratos e certificar-se que os gestores são capazes e honestos. São estes os gestores que merecem a confiança dos investidores. Só assim se cria um ciclo virtuoso em que a confiança gera negócio e a criação de riqueza, com rigor e transparência, gera mais confiança.
Os investidores devem procurar não repetir os erros do passado. Fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes é absurdo.
O fosso que separa os países ricos dos paíse pobres é uma das duas características incontornáveis da economia mundial actual. Há duzentos anos, este fosso não existia, pelo menos à escala a que hoje estamos habituados; e daqui a duzentos anos, já terá, provavelmente, desaparecido. A realidade actual, no entanto, é de uma diferença estarrecedora: as mesmas pessoas vivem em pobreza extrema num país e, quando se mudam para outro, conseguem prosperar.
Why Nations Fail ( Porque Fracassam as Nações) de Darren Acemoglu e James Robinson apresenta o exemplo da cidades gêmeas de Nogales, uma no lado mexicano da fronteira, a outra do lado americano. Como pode uma fronteira fazer tanta diferença? Esta questão é, por motivos óbvios, importantíssima uma vez que a desigualdade global gera outros problemas: ressentimentos, pressões cada vez maiores que empurram para a migração; escolhas terríveis que o mundo tem que enfrentar quando algumas nações, não apenas ficam para trás mas também implodem.
Há décadas que os académicos e intelectuais procuram uma resposta convincente para esta questão. Nos anos 60, a explicação dominante era que os países pobres não dispunham de capital para investir. Nos anos 80, era que os países pobres seguiam políticas económicas erradas.
Nas últimas duas décadas, surgiu uma nova pista: a ascensão da China que é a segunda característica incontornável da economia mundial actual. Este fenómeno sem precedentes na história mundial tem implicações enormes na pobreza e no enquadramento geopolítico globais. Arrancou milhões de pessoas da pobreza indigente e ameaça, num futuro muito próximo, destronar os Estados Unidos da América da sua posição de maior economia do mundo. O sucesso chinês tem, assim, sido interpretado, principalmente pelas elites africanas, como prova incontrovertível dos benefícios da autocracia política.
Para quem está interessado neste assuntos, Why Nations Fail torna-se leitura obrigatória. Acemoglu é professor de economia no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e Robinson é professor de ciência política em Harvard. São, portanto, pesos pesados. Na maioria das vezes, este tipo de pessoas escreve apenas para outros académicos. No entanto, Acemoglu e Robinson escrevem este livro de uma forma que, não só é legível para qualquer pessoa mas é também cativante.
A razão pela qual Why Nations Fail é leitura obrigatória é o facto de a tese que apresenta desmantela as "vacas sagradas" do desenvolvimento global. A China e a sua ascensão meteórica não são a chave para a propagação da prosperidade; é uma sociedade que caminha a passos largos para um beco sem saída e não para o nível de prosperidade que as sociedades ocidentais têm como garantido.
O nível de prosperidade assenta em alicerces políticos
O argumento avançado por Acemoglu e Robinson é que o nível de prosperidade moderno está assente em alicerces políticos. A prosperidade é gerada pelo investimento e inovação mas estes são actos de fé: os investidores e inovadores têm que ter razões para acreditar que, se tiverem sucesso, os seus retornos não serão consfiscados pelos poderosos. O sucesso (ou o desenvolvimento) surge quando as instituições políticas e económicas são "inclusivas" e pluralistas, criando incentivos para que todos possam investir no futuro. Isso significa uma ampla distribuição do poder político (com uma constituição escrita e eleições democráticas) e instituições económicas igualmente inclusivas que garantam direito à propriedade, respeito pelos contratos, facilidade para abrir uma empresa, mercados competitivos e liberdade para que os cidadãos desempenhem as profissões desejadas.
Para que estas garantias sejam dadas, são essenciais duas condições: o poder político tem que ser centralizado e as instituições de poder devem ser inclusivas. Sem um poder centralizado, reinaria a desordem que afasta o investimento.
A China, sem qualquer dúvida, preenche esta condição - o poder está, sem a mais pequena dúvida, centralizado. Alguma sociedades africanas não; os poderes tribais localizados usurpam o poder do Estado. A China, no entanto, falha redondamente nas instituições inclusivas. Eis um resumo, citado por Acemoglu e Robinson, da estrututura de poder chinesa: "O Partido controla as forças armadas; o Partido controla os quadros; e o Partido controla as notícias."
O facto de o Estado necessitar de ordem para prosperar não é controverso. O facto de necessitar de instituições inclusivas é, face ao sucesso da China, altamente controverso. Ordem sem instituições inclusivas pode permitir a uma sociedade escapar da pobreza extrema mas não permitirá a ascensão até à propsperidade moderna. Acemoglu e Robinson explicam: se as instituições do poder permitem que as elites sirvam os seus próprios interesses - instituições extractivas - esses interesses colidirão e subjugarão os interesses da população em geral.
O que são então instituições inclusivas e extractivas?
Instituições inclusivas são instituições económicas e políticas que incluem a maioria da população na comunidade política e económica. As instituições inclusivas são democráticas, permitem o voto e a participação de todos, protegem a liberdade de expressão e respondem aos interesses de todas as pessoas. As instituições inclusivas determinam claramente os direitos de propriedade que são feitos valer por sistemas legais adequados que tratam todos igualmente perante a lei.
Instituições extractivas são instituições económicas e políticas que restringem os ganhos económicos a uma elite e asseguram que a riqueza é distribuida "para cima" tornando os pobres cada vez mais pobres. As instituições extractivas são anti-democráticas e não definem ou aplicam direitos de propriedade ou defendem a lei. Embora as economias extractivas possam crescer, esse crescimento tende a ser insustentável e enviesados para as classes altas.
Assim, se as instituições inclusivas são necessárias para a prosperidade, como é que elas surgem? Mais uma vez, Acemoglu e Robinson são radicais. Eles argumentam que não existe qualquer processo natural que transforme uma autocracia numa sociedade inclusiva. Nenhuma elite cede poder e benefícios voluntariamente. Pelo contrário, as elites apenas cedem poder às instituições inclusivas se a alternativa com que são confrontados for pior, nomeadamente a iminência de uma revolução. As fundações da prosperidade são a luta política contra o privilégio.
A Inglaterra, berço da Revolução Industrial, é a prova maior desta teoria. Pequenas diferenças entre os absolutismos inglês, espanhol e português foram ampliados ao longo da história. Quando se deu início à época dos Descobrimentos, Portugal e Espanha favoreceram o controlo estatal do comércio marítimo enquanto que a Inglaterra o deixou nas mãos de navegantes privados. As riquezas do Novo Mundo solidificaram as monarquias portuguesa e espanhola; em Inglaterra, deram poder a uma elite mercante que desiquilibrou a balança na Revolução Gloriosa de 1688, assegurando o pluralismo político e semeando as sementes do crescimento económico.
Na América do Sul, os exploradores europeus encontraram densas populações facilmente controláveis e exploráveis. As instituições extractivas encontraram terreno fértil para a sua implementação. Exemplo paradigmático era o Pacto Colonial imposto por Portugal ao Brasil:o Brasil estava impedido de fabricar qualquer produto. Estava reduzido a enviar as matérias primas para Portugal e apenas podia comprar produtos manufacturados a Portugal.
Nas colónias britânicas na América do Norte, pelo contrário, as populações indígenas estavam demasiadamente dispersas para que a sua escravização fosse possível. Os governadores coloniais viram-se obrigados a utilizar incentivos económicos para atrair colonos para a Virgínia e Massachusetts. Onde o pluralismo económico e político ganhou raízes, a indústria e prosperidade floresceram; onde falhou, nas colónias esclavagistas do Sul, seguiu-se um longo período de atraso económico - um século após a Guerra Civil americana, o Sul mantinha-se muito mais pobre que o Norte.
Não é possível ignorar o papel da expansão europeia na criação das instituições extractivas dos países mais pobres que, num círculo vicioso, continuam a restringir as reformas políticas e o desenvolvimento económico. No entanto, ideais contagiosos, lideranças inspiradoras e pressões externas são importantes. A promessa de entrada na União Europeia encorajou reformas institucionais em vários países da Europa Central e de Leste. Os estados Unidos erradicaram as instituições extractivas sulistas e colocou o Sul no caminho da convergência económica.
A prosperidade e desenvolvimento de uma população depende da capacidade dos seus governantes tornarem as instituições inclusivas e permitir que todos tenham as mesmas oportunidades. Só assim se constroi uma economia com vantagens competitivas, se cria mais riqueza para as empresas, para os seus trabalhadores e para o estado como um todo. Só assim se gera um circulo virtuoso que permite o progresso e bem estar.
Eis a lição mais importante deste livro: só as instituições inclusivas permitem que o potencial criativo das pessoas e dos países seja libertado; só as instituições inclusivas permitem que a riqueza e prosperidade assim criadas seja partilhada por todos.
O argumento que defende que os mercados financeiros são eficientes é o perfeito exemplo da diferença entre a teoria e a prática. Como Yogi Berra, o famoso treinador de baseball, disse: "Em teoria, não há diferença entre teoria e prática. Na prática, há". Em teoria uma empresa vale aquilo que o mercado diz que ela vale; na prática isto simplesmente não é verdade.
Apesar do consenso académico relativamente à eficiência dos mercados, os mercados financeiros nunca serão eficientes porque são, e sempre serão, guiados pelas emoções humanas: o medo e a ganância. Os mercados e os preços das ações, periódica e imprevisivelmente, atingirão altitudes e fossos exagerados. Os conhecimentos e os horizontes temporais dos participantes dos mercados também variam. Os académicos ignoram deliberadamente a performance de mais de cinquenta anos de Warren Buffett assim como as de outros grandes investidores em valor. Se os mercados são eficientes, como explicar o espantoso sucesso de Warren Buffett?
A Carta Anual que Warren Buffett escreve aos acionistas da Berkshire Hathaway foi publicada muito recentemente.
Este é um ano muito especial por se comemorarem 50 anos desde que Buffett e Munger assumiram o controlo da empresa. Como sempre acontece, a primeira página apresenta as rentabilidades ano a ano desde 1965:
Valor Contabilístico por AçãoValor de Mercado por AçãoS&P500 (Dividendos Incluídos)Valorização Anual Composta de 1965 a 201419,4%21,6%9,9%Valorização Acumuladada desde 1964 a 2014751.113%1.826,163%11.196%
Da leitura da carta traduzi alguns parágrafos que nos podem tornar a todos melhores investidores:
(...)"Os nossos resultados nos investimentos beneficiaram de um vento de cauda muito favorável. No período compreendido entre 1964 e 2014, o S&P 500 subiu de 84 para 2059. Isto significa, com dividendos reinvestidos, um retorno acumulado de 11.196%. Simultaneamente, o poder de compra do dólar perdeu uns estarrecedores 87%. Este declínio significa que o que custa agora um dólar custaria 13 cêntimos em 1965.
Esta performance tão distinta entre as ações e o dólar contém uma mensagem importantíssima para os investidores. No relatório anual de 2011, definimos o investimento como "a transferência, para outros, do nosso poder de compra no presente com a expectativa razoável de receber mais poder de compra - após impostos - no futuro".
A conclusão, pouco convencional porém inescapável, a tirar dos últimos cinquenta anos é que tem sido muito mais seguro investir numa coleção diversificada de negócios americanos do que investir em títulos - obrigações do tesouro, por exemplo - indexados à moeda americana. Isto aconteceu também no meio século precedente, um período que incluiu uma Grande Depressão e duas guerras mundiais. Os investidores devem prestar atenção a esta lição. De uma forma ou outra, esta história repetir-se-á durante o próximo século.
Os preços das ações serão sempre mais voláteis que os ativos indexados ao dinheiro. No longo prazo, contudo, estes ativos são mais arriscados - muito mais arriscados - do que portfólios diversificados de ações compradas ao longo do tempo e mantidas em carteira de forma a minimizar taxas e comissões. Esta lição não é habitualmente ensinada nas escolas de gestão onde a volatilidade é vista, quase universalmente, como equivalente ao risco. Esta assunção pedagógica, embora fácil de ensinar, é completamente errada: a volatilidade está muito longe de ser sinónimo de risco. As populares fórmulas que confundem os dois termos levam estudantes, investidores e presidentes de empresas por maus caminhos.
É obviamente verdade que ter ações um dia, uma semana ou um ano é bastante mais arriscado do que ter dinheiro em obrigações do tesouro. Isto é importante para determinados investidores - bancos de investimento, por exemplo - cuja viabilidade pode ser ameaçada por quedas nos preços dos ativos e que podem ser obrigados a vender títulos em mercados deprimidos. Qualquer entidade que tenha necessidades de financiamento de curto prazo deverá manter quantias apropriadas em obrigações de tesouro e depósitos a prazo.
Para a esmagadora maioria dos investidores, contudo, que podem - e devem - investir com um horizonte de investimento de décadas, os declínios nas cotações não são importantes. A sua atenção deve estar concentrada na obtenção de ganhos significativos de poder de compra ao longo da sua vida de investimentos. Para estes investidores, um portfólio diversificado de ações, compradas ao longo do tempo, é muito menos arriscado que títulos indexados ao dólar (ou qualquer outra moeda).
Se, ao invés, o investidor teme a volatilidade dos preços e a encara, erroneamente, como medida de risco, ele pode, ironicamente, acabar por fazer coisas muito arriscadas. Recordemos os comentadores que há seis anos lamentavam os preços a cair e aconselhavam o investimento em "seguras" obrigações do tesouro ou depósitos a prazo.
As pessoas que ouviram este sermão e seguiram os seus conselhos estão agora a receber uma ninharia dos investimentos que, pensavam elas, iriam financiar uma reforma agradável. (O S&P estava nessa altura abaixo dos 700; agora ronda os 2100.) Se não fosse pelo medo de uma volatilidade de preços sem significado, estes investidores teriam assegurado para si um bom rendimento vitalício se tivessem simplesmente comprado um fundo de índice de baixo custo cujos dividendos cresceriam ao longo do tempo assim como o capital inicialmente investido (com muitos altos e baixos, sem dúvida).
Os investidores podem, como é óbvio, com o seu próprio comportamento, tornar as ações altamente arriscadas. E muitos fazem-no. "Trading" ativo, tentativas de adivinhar o mercado, diversificação inadequada, o pagamento de comissões elevadas e desnecessárias a gestores e conselheiros e a alvancagem podem destruir os retornos de que um investidor em ações de muito longo prazo poderia beneficiar. De facto, a alavancagem não tem lugar no estojo de ferramentas de um investidor: Tudo pode acontecer em qualquer altura nos mercados. E nenhum comentador televisivo, economista ou conselheiro - e muito menos Charlie e eu - consegue dizer-vos quando se instalará o caos. Os profetas do mercado enchem os nossos ouvidos mas nunca encherão as nossas carteiras.
A prática dos pecados do investimento listados acima não está limitada ao "pequeno investidor". Os investidores institucionais não conseguem, desde há longos anos, igualar a performance de um pouco sofisticado investidor em fundos de índices que, simplesmente, está inativo há décadas. A principal razão são as comissões. Muitas instituições pagam somas substanciais a consultores que, por sua vez, recomendam gestores pagos a peso de ouro. E esse é um jogo de tolos.
Existem, como é óbvio, alguns gestores excelentes - embora, no curto prazo, seja difícil determinar se a performance se deve ao talento ou à sorte. A maioria, contudo, são bastante melhores a gerar comissões do que a gerar retornos. Na verdade, a sua competência essencial é serem bons vendedores. Em vez de ouvirem esse canto das sereias, os investidores - grandes e pequenos - deveriam ler "The Little Book of Common Sense Investing" de Jack Bogle, (fundador da Gestora de Fundos Vangard e hoje um dos grandes criticos da indústria de fundos).
Há décadas, Ben Graham apontou a culpa do fracasso no investimento, utilizando uma citação de Shakespeare: "A culpa, meu caro Bruto, não é das estrelas, mas de nós mesmos".(...)"
Procuramos, nas conversas que fazemos, alertar os investidores para o facto dos preços de mercado terem no curto prazo as suas limitações. As variações mensais ou anuais das ações são muitas vezes erráticas e não são indicativas de qualquer alteração no valor intrínseco. São cotações de preço e podem ser significativamente diferentes do real valor subjacente a essas empresas. No longo prazo, contudo, os preços das ações e o valor intrínseco invariavelmente convergem.
Buffett e o seu sócio Charlie Munger acreditam que isso é verdade no que diz respeito às ações da Berkshire Hathaway: a subida do valor intrínseco por ação da Berkshire ao longo dos últimos 50 anos é sensivelmente igual ao ganho de 1.826.163% no preço de mercado das ações da empresa.
Na prática, se há 50 anos um investidor tivesse investido 1.000 dólares em Obrigações do Tesouro americano a 10 anos, cuja taxa média anual nestas 5 décadas foi de 6,58%, teria hoje 24.200 USD. Se tivesse escolhido aceitar a volatilidade do mercado, tivesse paciência e investisse os mesmos 1000 USD em ações da empresa do Senhor Warren Buffett, teria hoje 18.262.630 USD.
Dito de outra forma, o investimento feito pelos restantes acionistas na empresa de Warren Buffett no momento em que Buffett assumiu o comando, teria sido 754 vezes superior ao investimento "seguro" em Obrigações do Tesouro. Este é o verdadeiro efeito bola de neve e, devido a ele, Warren Buffett é hoje o segundo homem mais rico do mundo.